A menstruação, parto e sexo como
pecados
No Antigo Testamento, a
sexualidade tem como finalidade a procriação, considerada como uma benção
divina, enquanto que a esterilidade era considerada como um estigma para a
mulher estéril. Para facilitar que todo matrimônio tiver descendência,
promulgou-se a lei do levirato, que estipulava que, se um marido morre sem
deixar descendência, o seu irmão tem que desposar a viúva do defunto (DT. 25, 5-6). Também ajudava a cumprir a
função procriativa a poligamia, que lhe permitia a uma mulher dar-lhe
descendência a um marido por outra mulher interposta com a que o marido podia
copular. A partir do século II a.e.c. considera-se que o reto uso da
sexualidade é superior ao valor da procriação; viver castamente é superior a
ter filhos. Por isso se louva o eunuco e se prefere a mulher piedosa e estéril
à adúltera, ainda que não entra na questão de por que existem pessoas que são
convertidos por outros em eunucos nem tem uma só palavra de reivindicação da
desaparição desta prática. “Ditosa a estéril sem macula, a que
não conhece leito de pecado; terá o seu fruto na visita das almas. Ditoso
também o eunuco que com as suas mãos não obra iniquidade nem fomenta
pensamentos perversos contra o Senhor; pola sua fidelidade se lhe dará uma
escolhida recompensa, uma herança muito agradável no Santuário do Senhor. Que o
fruto dos esforços nobres é glorioso, imperecedoira a raiz da prudência. Em
câmbio os filhos de adúlteros não chegarão à sazão, desaparecerá a raça nascida
duma união culpável” (Sab. 3,
13-16).
A mulher não foi objeto direto da criação pois Deus somente visava criar
o varão, mas, para corrigir o seu despiste, que não preveu o problema da
soledade de Adão só entre todos os demais animais, teve que completar a obrar
para curar a sua saudade, e, com esta finalidade, criou a Eva de uma costela de
Adão. Como vemos, não necessitou utilizar as leis biológicas nem o carbono como
elemento das biomoléculas nem acudiu à clonagem para fazer a Eva a partir de
células mãe ou outras senão que toma diretamente uma parte do corpo de Adão que
total só ficou com uma costela menos (Gen..
2, 20-22). A sua função é entreter e ajudar a Adão, mas resultou-lhe uma
companheira corruptora, cheia de lascívia, que afaga o homem e o desvia do
caminho traçado pola divindade (Prov.
5,3; 6, 24-25; 7, 10, 19; Eclo. 9,
3-4; Ecl. 7, 26), o qual tem como consequência o maior castigo que recordam os
séculos, que não afeta só a ela, mas também a toda a sua descendência: parir
com dor e ser submetida ao varão, que vai reprimir fortemente a manifestação da
sua sexualidade como castigo de desagravo a ele por tê-lo conduzido pola senda
do mal. A manifestação mais sobranceira desta repressão é a mutilação genital para
que a mulher não sinta prazer no ato sexual. O castigo do varão consiste em
comer em fadiga da terra todos os dias da sua vida por ter escutado, como um
ingênuo, a voz da sua mulher (Gen. 3,
17). O submetimento ao varão teve como resultado que a mulher perdeu toda
capacidade de pensar e atuar dum jeito autônomo.
A ignorância perante certos fenômenos e a surpresa e curiosidade que
causam na mente humana conduziu os seres humanos a dar-lhe respostas, num
início insatisfatórias, infantis, não fundamentadas, cuja origem se perde na
noite dos tempos, com objeto de controlá-los e dar-lhe sentido. Mas o que fez o
chamado «autor sagrado» é pôr essas respostas na boca de Deus, sacralizá-las,
estereotipá-las e transmiti-las às gerações futuras como se fosse a palavra da
própria divindade. Agora os intérpretes dogmáticos, que têm como função
acomodar a realidade sócio-histórica aos seus preconceitos dogmáticos, intentam
justificar as incongruências da chamada revelação divina alegando que Deus se
acomodou à mentalidade e à conceção tribal do hagiógrafo. Utilizam, pois, o
princípio hermenêutico da acomodação
de Deus a ideias atávicas, atribuindo-lhe uma atitude indigna que é a de
acomodar-se a relatos falsos que o autor apresenta como palavra divina,
pondo-os na própria boca do Altíssimo, induzindo os leitores a que creiam que
são verdadeiros, e sem ter maneira de distinguir o verdadeiro do falso. Se Deus
sabe e não quiser instruir as pessoas, seria um ser malévolo, mas é muito pior
fazer passar como palavra divina o que é somente uma crença ancestral. Nos relatos bíblicos que imos ver uma série
de funções orgânicas, como a menstruação, em vez de ser tratadas desde o ponto
de vista higiênico-sanitário, passam a ser consideradas desde o ponto de vista
moral e religioso, e, portanto, como fruto duma decisão divina e fonte de
contaminação para o exercício de cargos relacionados com o sagrado. Vários atos
que são puramente funções fisiológicas são qualificados como impuros, e, como
impureza religiosa, a purificação tem que ser submetida a certos ritos
executados polo sacerdote, que tinham como finalidade purificar a pessoa impura
e permitir-lhe reintegrar-se de novo na vida pública, tanto civil como
religiosa, da que fora excluído pola sua impureza. Aliás, a impureza é
considerada como pecado e a esterilidade (Gen.e
20, 17-18) e a doença são consideradas como consequência do pecado, que tem a
virtualidade de cambiar as leis naturais, crença também presente em Jesus de
Nazaré, e, portanto, a purificação deve incluir, além dum holocausto de
reconhecimento e homenagem a Deus, um sacrifício de expiação para anular o
pecado, para contentar a um Deus ávido de sangue tanto doutros animais como do
ser humano. Além mais, os atos de purificação constituem uma fonte importante
de ingressos para as arcas clericais obtidos dos sacrifícios oferecidos,
teoricamente, a Javé.
Determinadas condições fisiológicas, como a lepra, a sarna ou a tinha (Lev. Caps. 13 e 14), o parto (Lev. 12,1-8), os nascidos Jó.25, 4,... são considerados como fonte
de impureza: “como pode ser puro o nascido de mulher” (Jó, 25, 4), “Eis que eu nasci
em iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sal. 51, 5), enquanto fruto dum ato sexual e dum parto acompanhado de emissão
de sangue. Igualmente certas emissões genitais, como o sémen masculino e a
menstruação feminina; emissões sanguíneas, como as hemorragias; e secreções causadas
pola bactéria da gonorreia, uretrite gonocócica, eram, em Israel, fonte de
impureza, de contaminação, de mancha, para a pessoas afetadas. Eram também
fonte de contaminação para os demais, porque também eram impuras as pessoas que
estavam em contato com o doente, ou pessoas que mantiveram relações sexuais com
ele, e, portanto, precisavam ser purificadas, chegado o caso, perante o
sacerdote. Também são impuros os que tocam a pele ou o cadáver de animais (Lev. 11, 24-40) ou de seres humanos
mortos (Núm. 19, 10-22). Toda pessoa impura se se
achegar aos lugares sagrados, como o templo, pode degradar a sua santidade e a
dos objetos sagrados que ali se contêm, que vai constituir um motivo de
marginação capital para a mulher. Os da estirpe de Arão que tivessem lepra ou
fluxo seminal ao poderão comer das cousas sagradas (Lev. 22, 4-5).
O mero feito de parir é causa de impureza, o qual não deixa de
surpreender porque Deus quer que os seres humanos tenham muita descendência:
“frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a” (Gen.
1, 28), e não existe outro meio de procriar que por meio do ato sexual.
A impureza é maior no caso das fêmeas que dos varões, e, consequentemente, a
necessária purificação era também distinta para os dous sexos, mais dilatada no
tempo no caso das fêmeas, o qual implica que parir uma menina polui mais a mãe,
que pode interpretar-se como um castigo por dar a luz uma menina, que era
considerada um ser inferior, ou porque a menina tem, segundo a medicina antiga,
um desenvolvimento mais tardio, contrariamente ao que defende a psicologia
atual. “Se uma mulher conceber e tiver um
menino será imunda sete dias; assim como nos dias da impureza da sua
enfermidade, será imunda. E no dia oitavo se circuncidará ao menino a carne do
seu prepúcio. Depois permanecerá ela trinta e três dias no sangue da sua
purificação; em nenhuma cousa sagrada tocará, nem entrará no santuário até que
se cumpram os dias da sua purificação. Mas, se tiver uma menina, então será
imunda duas semanas, como na sua impureza; depois permanecerá sessenta e seis
dias no sangue da sua purificação. E, quando forem cumpridos os dias da sua
purificação, seja por filho ou por filha, trará um cordeiro de um ano para
holocausto, e um pombinho ou uma rola para oferta pelo pecado, à porta da tenda
da revelação, ao sacerdote, o qual o oferecerá perante o Senhor, e fará,
expiação por ela; então ela será limpa do fluxo do seu sangue. Esta é a lei da
que der à luz menino ou menina. Mas, se as suas posses não bastarem para um
cordeiro, então tomará duas rolas, ou dois pombinhos: um para o holocausto e
outro para a oferta pelo pecado; assim o sacerdote fará expiação por ela, e ela
será limpa” (Lev. 12, 2-8). Quando a
mulher está impura, todo aquilo sobre o que ela se deitar ou do que ela tocar
será imundo; assim como todo aquele com que tenha relações sexuais ou lhe tocar
ou tocar o seu fluxo de sangue ou entrar em contato com o que ela tocasse. A
purificação da mulher dura 40 dias no caso do nascimento dum varão e oitenta se
nasce uma mulher, diferença quiçá devida a que a mulher era considerada
inferior e a mãe era, em certo modo castigada por dar a luz uma filha.
Outra causa importante de
impureza é a menstruação da mulher. “Mas
a mulher, quando tiver fluxo, e o fluxo na sua carne for sangue, ficará na sua
impureza por sete dias, e qualquer que nela tocar será imundo até a tarde” Lev.. 15, 19). Todo aquilo sobre o que
ela se deitar, sentar e toda pessoa que tocar cousa alguma sobre o que ela
estiver sentada ou deitada, ou tocar o sangue, será causa de impureza. Depois
do fluxo há que contar sete dias para que fique limpa. (Lev. .15, 20-30). O homem que se deite com uma mulher durante o
período menstrual será imundo por sete dias (Lev.15, 24). Igual que o parto, a menstruação era considerada como
pecado e, portanto, a mulher cumpre levar dous pombinhos ao sacerdote, para que
ofereça um polo pecado e outro polo holocausto. (Lev. 15, 29-30). Alguns
dizem que no caso da menstruação ou da polução noturna não seria pecado, mas
isto vai contra do que diz expressamente a Bíblia de que têm que oferecer um
animal em holocausto, ou seja, em homenagem e reconhecimento a Deus, e outro
polo pecado. Aliás, Javé diz que o homem justo não se acercará à menstruada (Ez. 18, 6); o obrar de Israel quando morou na sua
terra foi como “imundícia de menstruada”
Ez.. 36, 17).
Como a mulher tem um
fluxo sanguíneo mensual de vários dias, nos que ela contamina todo o que toca e
o que ou quem lhe toca, a conceção da menstruação como algo impuro supôs para
ela uma fonte de discriminação social e religiosa que se prolongou
historicamente no tempo até os nossos dias. Por ser impura não pode tocar os
objetos sagrados e, por conseguinte, não pode ter nenhum rol relevante. na
igreja.
A impureza também se dá
no homem, mas não teve repercussões tão negativas como no caso das mulheres,
por ser esta ademais considerada como um ser inferior. O homem volve-se impuro,
além de pola gonorreia, polo fluxo de sangue e quando o seu sêmen é expelido,
quer numa relação sexual normal (Lev.
15,18), quer involuntariamente, como no caso da polução noturna (Dt.. 9, 11), num estado normal ou em
caso de doença. “Disse ainda o Senhor a Moisés e a Arão: Falai aos filhos de Israel, e
dizei-lhes: Qualquer homem que tiver fluxo da sua carne, por causa do seu fluxo
será imundo. Esta, pois, será a sua imundícia por causa do seu fluxo: se a sua
carne vasa o seu fluxo, ou se a sua carne estanca o seu fluxo, esta é a sua
imundícia” (Lev.. 15, 1-3). A cama em que se deitar um impuro, e
todo aquilo em que se sentar ou que tocar o impuro converte-se em impuro Toda
emissão de sêmen, incluso a involuntária, converte o homem em impuro. “Também se sair de um homem o seu sêmen
banhará o seu corpo todo em água, e será imundo até a tarde.” (Lev.15, 16). Toda relação heterossexual na que se produz derramamento de sêmen
é impura e ambos têm que lavar-se e ficarão impuros até a tarde (Lev. 15, 18). Se o fluxo se produz por doença, a impureza dura enquanto dure a
doença, e uma vez curado do fluxo contará sete dias para a sua purificação,
lavará as suas vestes e banhar-se-á em augas vivas (Lev. 15, 13). Ao oitavo
dia, apresentar-se-á perante o sacerdote e lhe entregará duas rolas ou dous
pombinhos que os oferecerá um para holocausto e o outro polo pecado. E o
hagiógrafo conclui: “Esta é a lei daquele
que tem o fluxo e daquele de quem sai o sêmen de modo que por eles se torna
imundo; como também da mulher enferma com a sua impureza e daquele que tem o
fluxo, tanto do homem como da mulher, e do homem que se deita com mulher imunda”
(Lev. 15, 32-33).
Esta conceção misossexual teve um efeito muito negativo sobre o sexo,
que se considerou em si como algo sujo,
contaminante e pecaminoso, desvalorizando-o e reduzindo-o a um mero instrumento
para a procriação, perdendo a função de expressão do amor e complementaridade
entre os sexos, presente já nos elos mais elevados do desenvolvimento filético
dos demais animais. A sexualidade humana é uma sexualidade criativa, cultural, que,
igual que acontece no caso dos chimpanzés bonobos, ou pan paniscus, que é a
espécie animal mais parecida aos seres humanos, não se desencadeia só polas
hormonas, polo zelo da fêmea, senão também por outros fatores como o prazer, e
a excitação perante estímulos visuais, tácteis, olfativos, linguagem, etc. Isto
tem como consequência que a fêmea é receptiva em qualquer momento do dia ou do
mês, enquanto que as fêmeas doutras espécies de animais mamíferos, salvo os
humanos e os bonobos, só copulam durante o período anual ou mensual de estro. O
sexo, como expressão do amor entre seres humanos, deve ser o que estes desejem
e não o que lhe interesse a uma hierarquia religiosa misógina e misossexual,
ávida em legislar sobre o que devem fazer na cama os esposos, apesar de ser
leiga, polo menos teoricamente, na matéria e de que ficou fortemente
desautorizada polas decisões que tomou ao longo da história. Tanto no ser humano
como nos bonobos as relações sexuais são muito frequentes e reiterativas e não
estão ligadas diretamente só à procriação senão também ao prazer. A diferencia
doutros primatas, como os bonobos, o ser humano prática a violência sexual com
a fêmea, igual que sucede com os chimpanzés pan trogloditas, e o macho pode
violar a fêmea, enquanto que noutras espécies de primatas, o macho não se impõe
à fêmea, senão que tem que persuadi-la. Os chimpanzés pan trogloditas e os pan
paniscus são promíscuos ou polígamos, mas diferenciam-se em que os primeiros
utilizam a violência física sobre as fêmeas, tanto sob a forma de ameaças, brandindo
ramas de árvores, como real, ameaçando-as, perseguindo-as e golpeando-as para
obrigá-las a acasalar-se exclusivamente com quem exerce a violência e desista
de fazê-lo com os seus contendores, para assim garantir a sua descendência.
Também se diferenciam em que os machos pan trogloditas praticam o infanticídio
para apurar de novo a receptividade da fêmea. Os machos mais agressivos com as
fêmeas são os que têm mais probabilidades de copular com elas e garantir assim
a sua descendência, o qual indica que a violência tem êxito. O único primata
monógamo é o gibão enquanto que o ser humano praticou historicamente tanto a
poligínia como, em menor medida, a poliandria, com uma tendência crescente a
uma monogamia sucessiva, como mais acorde, junto com a monogamia estrita, com
os direitos dos dous membros da parelha.
Finalmente,
dizer que a impureza ritual não era privativa de Israel senão que estava
presente na cultura greco-romana, contaminando a própria mulher e também os que
entram em contato com ela. Diz, a respeito das consequências do sangue
menstrual, Plínio o Velho: “Dissemos
muito desta violência (violenta descarga da menstruação), mas além disso, é
certo que as abelhas fogem com toques (destas mulheres) nas colmeias; os
vestidos de linho, quando se cozem, volvem-se negros; o fio cega nas navalhas
dos barbeiros; o cobre com o contacto toma um veneno forte de mal-odor e óxido,
especialmente se isto acontece na lua minguante; as éguas, se estão prenhes,
abortam se se lhes toca, e incluso pola mirada (destas mulheres) ainda vistas
de longe, se é a primeira menstruação após a (perda da) virgindade ou se
permanece virgem e menstruou pola primeira vez” PLINIO O VELHO, História natural, livro 28, cap. 23,
78-79). Como vemos, este é um relato totalmente inaceitável, mas existe uma
diferença radical entre ambos casos, que consiste em que os relatos bíblicos
são apresentados como inspirados por Deus e, portanto, como pautas de conduta
que todos os crentes devem acatar em todo tempo sem ousar pô-las em questão,
enquanto que as os relatos da cultura greco-romana e as suas normas de conduta não
se propõem como obrigatórios para ninguém e qualquer pessoa é livre de crê-los
como válidos ou não e de acatar ou não as suas normas, e pretender que há que
há que seguir a Plínio ou a qualquer outro soa a autêntico despropósito porque
frearia o devir racional da humanidade, que foi o que sucedeu historicamente
com os relatos bíblicos.
No hay comentarios:
Publicar un comentario