A inferioridade da mulher
O povo hebreu praticava
a poligamia, sendo o exemplo mais eloquente o de Salomão que teve 700 mulheres
e 300 concubinas (I Re. 11, 3), entre
as quais eram frequentes as rixas. A Bíblia considera a mulher como um ser
inferior sob a total dependência do home (Ex..
20, 17), e condena em termos enérgicos como escravidão, ignomínia e vergonha
que a mulher domine ao varão (Eclo. 25,
29-30; 9, 2-13), enquanto que considera normal e incluso prescreve que o varão
domine a mulher (Gên. 3, 16). Além de
inferior, a mulher é um ser malévolo, enquanto que o homem é bom e ingênuo. “E eu achei uma coisa mais amarga do que a
morte, a mulher cujo coração são laços e redes, e cujas mãos são grilhões; quem
agradar a Deus escapará dela; mas o pecador virá a ser preso por ela” (Ecl. 7, 26). A mulher estranha, “como o salteador, se põe a espreitar; e
multiplica entre os homens os prevaricadores” (Prov. 23, 28).
O matrimônio em Israel
era endogâmico num sentido amplo, evitando os intercâmbios genéticos com
membros das nações vizinhas com a finalidade de manter a homogeneidade
cultural, ainda que esta norma fosse conculcada com certa frequência; é
patrilinear, ou seja, que a pertença a uma determinada família se determina
pola linha paterna; e com direito de primogenitura para o morgado ou
primogénito, seja filho da mulher preferida ou da aborrecida (Dt. 21, 1517), que inclui a
representação da linhagem, benção paterna e o grosso da herança, enquanto que
os demais irmãos ficam como os seus servos ou escravos ou são despedidos da
casa paterna; virilocal, quer dizer, que os varões acarretam mulher para a sua
casa, selecionada no âmbito da parentela mais próxima por linha paterna, se bem
evitando cair em situações consideradas normativamente incestuosas. O pai
dispõe ao seu arbítrio do futuro das fêmeas. Pode dar a filha em casamento em
contrapartida dum dote, o qual representa uma compra dissimulada para família
do esposo; vendê-la como esposa (I Sam.
18, 25-27), como Mical filha de Saul, ou como escrava e concubina (Ex.. 21, 7-7; Dt. .22, 29-30); ou pode forçar-se o matrimônio por sedução ou
violação por parte dum varão duma mulher não desposada que obriga o infrator a
casar com a sua vítima, ainda que terá que dotá-la e não poderá repudiá-la. O
pai pode fazer também de intermediário na compra de mulheres para os seus
filhos, como fizeram os pais de Sansão. Este “vendo em Timnate uma mulher
das filhas dos filisteus, subiu, e declarou-o a seu pai e a sua mãe, dizendo:
Vi uma mulher em Timnate, das filhas dos filisteus; agora pois, tomai-a por
mulher. Responderam-lhe, porém, seu pai e sua mãe: Não há, porventura, mulher
entre as filhas de teus irmãos, nem entre todo o nosso povo, para que ti vás
tomar mulher dos filisteus, daqueles incircuncisos? Disse, porém, Sansão a seu
pai: Toma esta para mim, porque ela muito me agrada” (Juízes,
14, 1-3). Como vemos, seus pais põem reparos de caráter religioso e cultural
por considerar que rompem a homogeneidade da população, além de que se tratava
dum povo com o que Israel tinha frequentes enfrentamentos bélicos, e,
seguramente não estaria bem visto pola população tal intercâmbio. À mulher,
pola sua parte, não lhe fica capacidade nenhuma de iniciativa, senão que se vê
obrigada a aceitar as transações realizadas por outros às suas costas.
A mulher sempre esteve
submetida ao poder do varão; de solteira é uma propriedade mais do pai, à par
doutros bens como podem ser os animais, parcelas,... e de casada é propriedade
do esposo, ao mesmo nível que os bois e asnos (Ex. 20, 17; Dt.5, 21). O
relato do Gênesis apresenta a mulher como um ser provocador que, devido à sua
ousadia em induzir o homem ao pecado, foi castigada por Deus a ser dominada
polo varão, parir filhos com dor e reabilitar-se só pola procriação. Nunca um
relato causou tanto dano a mais de meia humanidade. A inferioridade da mulher
consolidava-se socialmente com a adoção de medidas econômicas e de limitação da
sua capacidade de toma de decisões, além de polo trato recebido. As terras eram
de Javé e os seus possessores eram peregrinos e estrangeiros nela. Se alguém
vender parte da sua propriedade, sempre pode resgatá-la e, em todo caso, a
propriedade volve a ele no ano jubileu, que se celebrava cada cinquenta anos (Lev. 25, 8-22), salvo se se trata duma
casa amuralhada na cidade que, se não se resgata durante o ano da sua venda, já
ficará para sempre para o vendedor (Lev.
25, 23-38). Se um home deixa filhos ao morrer, as filhas não herdam nada (Num.. 27, 8-10). O filho primogénito
herdará dobre porção que os outros (Dt..
21, 17). Se não havia filhos varões, herdariam as filhas e se não há herdeiros
diretos herdarão os irmãos; se tampouco há irmãos, os irmãos do pai, parentes
mais próximos da família (Num. 27,
8-11), e finalmente, os escravos (Gên. 15, 2-3). Deste modo garante-se a
exclusão socioeconômica da mulher que se reforça por uma ideologia de gênero,
perpetuando assim a sua minoria de idade, santificada pola palavra da mesma
divindade.
A mulher não podia
fazer um voto se não obtinha previamente o permisso do seu pai ou do seu
marido, que são os responsáveis do seu cumprimento. (Num. 30, 1-16), e, num relato do Gênesis. as próprias filhas são postergadas inclusive frente a dous
supostos «varões» estranhos à família, que quiçá fossem duas deidades menores
ou, segundo a maioria dos autores, dous anjos. Abraão convida-os a comer, tanto
a eles como a Javé, na sua casa, convite que eles aceitam, se bem o relato do
hagiógrafo não explica como seres pretensamente espirituais podem comer. Quando
dous dos «varões», anjos ou deidades menores, chegam a Sodoma, Ló dá-lhe hospedagem
na sua casa, que eles aceitam. Mas, dado que se concitam vários concidadãos
moços e velhos diante da casa, decididos a manter relações sexuais com eles, Ló
roga-lhe que não procedam tão perversamente e oferece-lhe como alternativa “duas filhas que ainda não conheceram varão,
eu vo-las trarei para fora, e lhes fareis
como bem vos parecer: somente nada façais a estes homens, porquanto entraram
debaixo da sombra do meu telhado” (Gên. 19, 8), ainda que
tampouco precisa como dous anjos ou deuses necessitam dormir e como podem
realizar sexo com seres humanos. É improcedente justificar esta ação, como
fazem alguns autores, dizendo que tomam forma humana, porque uma forma de ser
humano não come, senão um home humano normal. Aliás, tanto um anjo como um deus
com sentido deveria impedir que se buscassem alternativas bárbaras como a de
violar mulheres. Causavam muito menos mal violando as formas humanas que as
pessoas humanas reais. O relato é todo um despropósito. Se bem é correto
procurar que os hóspedes não sofram nenhum dano, o remédio nunca pode ser
oferecer-lhe as próprias filhas, e muito menos com a consigna de que façam com
elas todo o que lhes parecer. A solução bárbara que oferece Ló é a mesma que a
que oferece um ancião de Gueba que dá pousada a um levita forasteiro que vai de Belém
de Judá para a sua casa acompanhado da sua concubina. Quando os habitantes de
Judá lhe dizem ao ancião: “Traze cá para
fora o homem que entrou em tua casa, para que o conheçamos. O dono da casa saiu
a ter com eles, e disse-lhes: Não, irmãos meus, não façais semelhante mal; já
que este homem entrou em minha casa, não façais essa loucura. Aqui estão a
minha filha virgem e a concubina do homem; fá-las-ei sair; humilhai-as a elas,
e fazei delas o que parecer bem aos vossos olhos; porém a este homem não façais
tal loucura” (Juízes, 19, 22-24).
Conheçamos significa o mesmo que tenhamos sexo. Isto significa que o ancião lhe
oferece a sua filha e a concubina do próprio levita para que as desonrem, com
preferência a que mantenham relações homossexuais com o seu convidado, com a
consequência de que lhe dão morte à concubina, e sem que se manifeste sinal
nenhum de reprovação por este crime. Entre salvar o honor dos hóspedes ou o das
filhas, Ló opta por defender o levita e manter o seu honor como hospedeiro em
vez do seu honor como pai. Um pergunta-se como se podem considerar como
inspirados por Deus uns livros que narram semelhantes atrocidades e que
ideologia da família se pode fundamentar neles.
A legislação mosaica
era sumamente dura e estabelecia penas desproporcionadas para com aqueles que
contravinham os seus preceitos referentes à moralidade sexual e reprodutiva. Se
um homem tem relações com a esposa de seu pai, com a sua nora, ou com outro
homem, devem morrer todos eles. Quem tomar uma mulher e mãe dela serão
queimados vivos os três (Lev. 20,
11-14). A mulher que tiver sexo com uma animal cumpre dar morte aos dous (Lev. 20, 15). Se um homem for colhido jazendo
com uma mulher casada deverá dar-se morte a ambos (Dt. 22, 22). Se um homem força a uma virgem desposada e se deita
com ela na cidade cumpre lapidá-los aos dous; a mulher por não ter gritado na
cidade e o home por ter desonrado a mulher do seu próximo (Dt. 22, 23-24). Se o sucesso tem lugar no campo, somente morrerá o
homem, pois não há nela reato de morte, ou seja, motivo para matá-la enquanto
que a gente não podia ouvi-la. A violação é considerada, além dum delito contra a
mulher, uma afronta para a família, que deverá ser vingada por esta com a morte
dos membros varões da família afetada (Gen..
34, 31, e 34, 25-26). O adultério também está castigado com a pena de morte e
em caso de que a adúltera fique embaraçada é queimada viva tanto ela como a
criatura (Gên.. 38, 24), e castiga
com a pena de morte aos dous se um home jaze com uma mulher casada (Dt. 22, 20-21);A Bíblia condena a violação das virgens não desposadas com a
obrigação de casar com ela, o qual pode muitas vezes ser mais um prêmio que um
castigo (Ex. 22, 15-16; Dt. 22, 28-29); igualmente devem morrer aos que
praticam o coito interrupto, como foi o
caso de Onã (Ge. 38, 6-10); a homossexualidade (Lev. 20, 13; Ge. 19, 5; Lev.18, 22); e
se penaliza também o travestismo (Dt.
22, 5). Não existe nenhuma norma a respeito das lesbianas.
Os matrimônios com
tribos limítrofes estavam proibidas porque entendiam que isto danava a pureza
cultural de Israel e incitava os seus habitantes a que se prostituíssem
adorando os deuses doutros povos, o qual provocava a ira do zeloso deus Javé
contra o próprio povo hebreu. De ai que quando um israelense introduz na sua
tenda uma mulher madianita, Finés, filho do sumo sacerdote Eleazar decide tomar
a justiça pola própria mão e tomando uma lança alanceou aos dous, acalmando
assim a ira de Javé, que cessa deste modo a misteriosa praga na que morreram
24.000 israelenses (Num. 25, 6-9). É
tal a brutalidade da ação que não há ética digna de tal nome que possa
explicá-la racionalmente, mas isto não foi óbice para que Eleazar fosse
recompensado com o sacerdócio eterno (Num.
25, 10-13). Em caso de vitória num conflito armado, as mulheres dos
vencidos pagavam com a própria vida as consequências da guerra, igual que os
varões adultos e os mesmos meninos, se bem as virgens eram tratadas dum jeito
mais benevolente e eram reservadas como botim para os vencedores, o resto da
comunidade e para Iavé. Eis o que diz os Números da guerra contra os madianitas:
“Agora, pois, matai todos os meninos
entre as crianças, e todas as mulheres que conheceram homem, deitando-se com
ele. Mas todas as meninas, que não conheceram homem, deitando-se com ele,
deixai-as viver para vós” (Num.
31, 17-18). Nesta guerra, das virgens, a metade, dezesseis mil, foi para os
combatentes, salvo trinta e duas que foram para Javé; e a outra metade foi para
os membros da comunidade (Num. 31, 40
e 46). Quando se diz que trinta e duas eram para Javé cumpre entender para os sacerdotes
ou levitas. Em caso de empreender ações bélicas, a sorte dos vencidos depende
se se trata de nações exteriores ou dos povos cananeus. No primeiro caso, os
homes devem ser passados polo fio da espada e as mulheres e meninos tomados
como botim, mas nas cidades tomadas aos cananeus deve matar-se a todo o que
respira: “das cidades destes povos, que o
Senhor teu Deus te dá em herança, nada que tem fôlego deixarás com vida” Dt. 20, 16), e, portanto, devem matar-se
a todos os seres humanos e a todos os animais, mas se um combatente acha uma
mulher formosa pode tomá-la por mulher (Dt.
21, 11). Os hebreus aspiravam a conquistar os povos limítrofes e criaram a
mística de que Deus lhos deu em herança, e isso justificava que se pudessem
cometer contra eles as maiores atrocidades.
A legislação mosaica concede-lhe ao varão a faculdade de
romper dum jeito unilateral o vínculo matrimonial, deixando a mulher totalmente
indefensa. O modo de fazê-lo é dar-lhe uma carta manifestando-lhe o esposo que
a rejeitava ou repudiava, e que agora alguns pretendem suavizar utilizando a
palavra divórcio que somente indica dissolução do vínculo matrimonial. “Quando um homem tomar uma mulher e se casar
com ela, se ela não achar graça aos seus olhos, por haver ele encontrado nela
cousa vergonhosa, far-lhe-á o libelo de repúdio e lho dará na mão, e a
despedirá de sua casa” (Dt.. 24,
1). Os motivos para o despedimento podem ser, segundo a escola de Hillel,
nímios, como que se lhe
queimasse a comida, se bem pode refazer a sua vida com outro casando com outro
homem. Outro dos motivos para o repúdio da mulher, também unilateral, é a
acusação de perda da virgindade da mulher com a conseguinte obrigação por parte
da mulher de demonstrar que é inocente, apresentando, como prova da sua
virgindade, as savanas ensangüentadas (Dt.
22, 13-21), o qual pode condenar por
lapidação a pessoas inocentes, pois o hímen pode rasgar-se polo exercício, pôr
ou quitar tampões, masturbar-se, sem que a pessoa afetada seja consciente deste
contratempo, ou que a mulher careça dele de nascimento.
A virgindade era concebida no Antigo
Testamento como uma preservação da mulher para o marido antes do matrimônio
e como um incentivo para as apetências do varão (Ge. 34, 7.31; 24,16; Jz. 19,24), mas sem que exista uma medida
simétrica para o este. A donzela que perdia a sua virgindade diminuía o seu
prezo de casamento (Ex. 22, 15-16; Dt.
22, 14-19), e era objeto da penalização legal sancionada com a pena de
morte por lapidação (Dt.. 22, 20-21),
e, em todo caso, à perda da sua honra (II
Sam. 13, 2-18; Lm, 5,11; Si, 7, 24; 42, 9-11). Os sacerdotes
somente podem casar com uma virgem, e não com uma mulher já «desgastada» por coitos
repetitivos. Como vemos, gerentes de Deus na terra já gozavam de privilégios em
Israel e é humano que, se lhe deixam, desejem mantê-los.
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