O sexo e matrimônio
O apóstolo Paulo, cidadão romano, nasceu no seio duma
família religiosa ligada ao farisaísmo e tinha por ofício fabricante de tendas.
De personalidade rígida, desequilibrada e intransigente e de tendência
misógina, a sua doutrina vai converter-se no eixo da ideologia do cristianismo
triunfante, que assumiria várias das suas teses, entre elas o desprezo pola mulher
e polo sexo.
Na I Carta ao Tessalonicenses, 4, 3-6,
escrita no ano 50 e.c., Paulo dá-lhe vários preceitos, entre eles, o primeiro
relativo à pureza e à santidade, que implica abster-se da fornicação, ou seja,
de toda relação sexual fora do matrimônio, favorecer a santidade e honra da
própria mulher, preservando a castidade conjugal, e não fazer injúria ao
próximo procurando satisfazer os desejos carnais com a mulher deste. “Porque esta é a vontade de Deus, a saber, a
vossa santificação: que vos abstenhais da prostituição, que cada um de vós
saiba possuir o seu vaso (a sua mulher) em
santidade e honra, não na paixão da concupiscência, como os gentios que não
conhecem a Deus; ninguém iluda ou defraude nisso a seu irmão, porque o Senhor é
vingador de todas estas coisas, como também antes vo-lo dissemos e testificamos”.
A contraposição entre o mundo judeu-cristão e o mundo pagão é apresentada como
a raça dos puros frente aos dominados pola paixão sexual.
Na
I Carta aos Coríntios, escrita no ano
53 e.c., Paulo responde a diversas questões que lhe fizeram os cristãos desta
localidade a respeito do matrimônio, imbuídos por um rígido ascetismo com uma
ideologia hostil ao sexo, que consideravam que, de ser celibatários, não deviam
casar, e se estavam casados deviam praticar a continência sexual ou separar-se.
Para Paulo, as relações sexuais não são boas e cumpre evitá-las, mas é pior a
fornicação. Ele opta polo celibato como ideal e considera o matrimônio como um
estado prescindível em si, salvo como remédio da concupiscência. “Ora, quanto às coisas de que me escrevestes,
bom seria que o homem não tocasse em mulher; mas, por causa da prostituição,
tenha cada homem sua própria mulher e cada mulher seu próprio marido”. (7,
1-2). Aceites estas premissas, Paulo ordena que ambos os esposos paguem o
débito conjugal mutuamente, satisfazendo os impulsos recíprocos, decidindo cada
um do corpo do outro membro da parelha e sem negar-se um ao outro, salvo, de
comum acordo, para permitir o desempenho das tarefas religiosas. “O marido pague à mulher o que lhe é devido,
e do mesmo modo a mulher ao marido. A mulher não tem autoridade sobre o seu
próprio corpo, mas sim o marido; e também da mesma sorte o marido não tem
autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim a mulher. Não vos negueis um ao
outro, senão de comum acordo por algum tempo, a fim de vos aplicardes à oração
e depois vos ajuntardes outra vez, para que Satanás não vos tente pela vossa
incontinência” 7, 3-5). Aclara a seguir, (7, 6-9) que o que disse sobre o uso
do matrimônio o diz a modo de condescendência, e não como um mandado, e prefere
que todos sejam como ele, ou seja, que pratiquem o celibato, que é preferível
ao matrimônio, mas se não podem, que se casem. “Digo isto, porém, como que por concessão e não por mandamento. Contudo
queria que todos os homens fossem como eu mesmo; mas cada um tem de Deus o seu
próprio dom, um deste modo, e outro daquele. Digo, porém, aos solteiros e às
viúvas, que lhes é bom se ficarem como eu. Mas, se não podem conter-se, casem-se.
Porque é melhor casar do que abrasar-se”. A sociedade ideal é uma
comunidade de monges na que não existam as relações sexuais.
A
seguir, prescreve, como o fez Jesus, o monogamia, sem que o marido abandone a
mulher nem esta o marido, mas deixando a porta aberta a que a mulher abandone o
marido para manter-se celibatária. “Aos
casados, mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se aparte do marido; se,
porém, se apartar, que fique sem casar, ou se reconcilie com o marido; e que o
marido não deixe a mulher” (7, 10-11). O matrimônio entre cristãos é
indissolúvel, mas o matrimônio entre cristão e infiel pode dissolver-se se este
o decide. “Mas aos outros digo eu, não o
Senhor: Se algum irmão tem mulher incrédula, e ela consente em habitar com ele,
não se separe dela. E se alguma mulher tem marido incrédulo, e ele consente em
habitar com ela, não se separe dele. Porque o marido incrédulo é santificado
pela mulher, e a mulher incrédula é santificada pelo marido crente; de outro
modo, os vossos filhos seriam imundos; mas agora são santos. Mas, se o
incrédulo se apartar, aparte-se; porque neste caso o irmão, ou a irmã, não está
sujeito à servidão; pois Deus nos chamou em paz”. (7, 12-15).
Num
clima de preocupação apocalíptica que considerava que o fim do mundo está
próximo, Paulo ordena manter-se na situação em que cada um está. A respeito da
virgindade não ordena senão que aconselha ficar no estado atual de cada um,
ainda que mantendo que a virgindade é superior ao matrimônio, desaconselhado
por ele polas tribulações da carne que ele quer evitar aos seus seguidores. “Ora, quanto às virgens, não tenho mandamento
do Senhor; dou, porém, o meu parecer, como quem tem alcançado misericórdia do
Senhor para ser fiel. Acho, pois, que é bom, por causa da instante necessidade,
que a pessoa fique como está. Estás ligado a mulher? não procures separação.
Estás livre de mulher? não procures casamento. Mas, se te casares, não pecaste;
e, se a virgem se casar, não pecou. Todavia estes padecerão tribulação na carne
e eu quisera poupar-vos. Isto, porém, vos digo, irmãos, que o tempo se abrevia;
pelo que, doravante, os que têm mulher sejam como se não a tivessem” (7,
25-29). A seguir, Paulo uma segunda razão para manter-se celibatário, que
consiste em que, nesta situação, somente se cuida das cousas do Senhor, e que é
ainda hoje a razão mais forte para manter o celibato clerical. “Pois quero que estejais livres de cuidado,
que é o motivo principal polo que se mantém o celibato no seio da igreja. “Quem
não é casado cuida das coisas do Senhor, em como há de agradar ao Senhor, mas quem é casado cuida das coisas do mundo,
em como há de agradar a sua mulher, e está dividido. A mulher não casada e a
virgem cuidam das coisas do Senhor para serem santas, tanto no corpo como no
espírito; a casada, porém, cuida das coisas do mundo, em como há de agradar ao
marido” (7, 32-34).
No Apocalipse, 14, 3-4, livro escrito cara
a finais do primeiro século, diz-se que só 144 milhares de homes celibatários,
que não estavam contaminados com mulheres, foram elegidos e, portanto, serão
salvados. Estes cento quarenta e quatro mil “cantavam um cântico novo diante do trono, e diante dos quatro seres
viventes e dos anciãos; e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento
e quarenta e quatro mil, aqueles que foram comprados da terra. Estes são os que
não se contaminaram com mulheres; porque são virgens”. Os resgatados com o
sangue de Cristo reduzem-se a 144.000 que são virgens porque não se
contaminaram com mulheres. A virgindade pode entender-se como integridade
física e corporal, que parece ser a autêntica, ou como pureza interior ou
ausência de idolatria. Os escolhidos estão limpos já que não foram contaminados
por mulheres, que é a fonte da impureza. Mas, entenda-se como pureza interior
ou como integridade fisiológica, é um texto sumamente misógino.
Paulo
foi o hagiógrafo neo-testamentário que tratou mais em extenso o tema da
homossexualidade, e o seu posicionamento é claramente hostil e condenatório,
tanto dos gays como das lesbianas, qualificando os atos homossexuais de
concupiscências dos seus corações, imundícia, desonra dos seus corpos e paixões
infames por ter obrado em contra da natureza humana. Na Epístola aos Romanos, 1, 24-27, escrita no ano 60, diz dos gentios:
“Por isso Deus os entregou, nas
concupiscências de seus corações, à imundícia, para serem os seus corpos
desonrados entre si; pois trocaram a verdade de Deus pola mentira, e adoraram e
serviram à criatura antes que ao Criador, que é bendito eternamente. Amém. Pelo
que Deus os entregou a paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o
uso natural no que é contrário à natureza; semelhantemente, também os varões,
deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para
como os outros, varão com varão, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a
devida recompensa do seu erro”. A pena que lhe deve ser infligida é a morte
segundo estabelece o veredito divino no Antigo Testamento (Lev. 20, 13). “os quais,
conhecendo bem o decreto de Deus, que declara dignos de morte os que tais cousas
praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que as praticam”
(Rom. 1, 32). O seu destino no
mundo de além-túmulo é a condena eterna. “Não vos enganeis: nem os dissolutos, nem os idólatras, nem os
adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os
avarentos, nem os bêbedos, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o
reino de Deus” (I Cor. 1, 9-10). Na I Epístola a Timóteo, 1, 10, pseudoepigráfica,
do ano 100, declara o seu autor que a lei é boa se se usar bem, e não foi
instituída para o justo senão para os prevaricadores e rebeldes, entre eles
os “dissolutos,
os sodomitas, os roubadores de homens, os mentirosos, os perjuros, e para tudo
que for contrário à sã doutrina”. Com estes pronunciamento fica fixada com
letras indeléveis e per saecula saeculorum uma doutrina profundamente misógina
que vai produzir muita dor em mais da metade da população ao longo da história
e da que ainda agora as mulheres lutam por desprender-se, ao tempo que as autoridades
eclesiásticas, desvinculadas da sensibilidade moral dos seus próprios fieis, vivem
obsessionados em manter a toda custa.
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