1 oct 2018

Mulher, sexo e matrimônio em Jesus de Nazaré (I)


O mundo em que viveu Jesus

            O cristianismo recebeu diversas influências, além da mais relevante que é o judaísmo e a sua expressão literária que é a Bíblia veterotestamentária, que o seu fundador conhecia muito bem e aceitava. Por isso dizia: “Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir” (Mt.  5, 17). Isto indica que Jesus renuncia a qualquer ruptura radical com o judaísmo e, onde não conste expressamente, devemos entender que seguia a corrente de pensamento judaica, quer a majoritária, quer a dos essênios.
            Outra influência importante foi a religião dualista persa fundada por Zoroastro, o mazdeísmo, s. VI a.e.c., que teve uma grande influência no judaísmo, e, por conseguinte, também no cristianismo. Defendia um dualismo ético e metafísico, que contrapõe dous espíritos originais e auto-existentes, o deus supremo bondadoso, Ahura-Mazda ou Ormuzed, à sua antítese, o espírito do mal, Angra Mainyiu ou Arimã, ficando considerados os demais deuses como divindades secundarias; a imortalidade da alma, que será julgada após a morte. Os justos conseguirão a luz eterna; os condenados irão aos infernos, e os que compensaram as más ações com as boas, ao purgatório. Os judeus, antes do exílio, não tinham noção da retribuição individual após a morte dos defuntos. Todos, bons e maus, iam ao Sheol, conceito similar ao Hades grego, a região das sombras e da morte, a tomba coletiva de toda a humanidade falecida; Os últimos dias serão anunciados pola vinda dum messias e liberador, Saoshiant, que renovará o mundo depois da ressurreição; demonologia, taumaturgia, etc. 
            Em tempos de Jesus existiam quatro escolas religioso-culturais em Israel: a dos fariseus, que diziam que somente algumas cousas estão marcadas polo destino e acentuavam a observância da lei e a pureza ritual; a dos saduceus, que negam a existência do destino e que este jogue algum rol nos assuntos humanos, porque todo depende da vontade, negavam a supervivência da alma depois da morte e as esperanças escatológicas; e a dos essênios que afirmam que o destino rege totalmente a vida dos seres humanos e não existe nada que não esteja decretado polo destino e rejeitavam o culto que se fazia no templo de Jerusalém. À seita dos essênios pertenceu João o Batista e quiçá o mesmo Jesus; em todo caso, parece que foi influído significativamente por ela. Cumpre ter presente que os essênios também se conhecem como os nazarenos, porque em Nazaré havia presença essênia, ainda que menos importante que a de Jerusalém. A quarta seita era a dos zelotess, que compartiam ideário com os fariseus, mas eram exaltados nacionalistas e independistas que só aceitavam a soberania de Deus e rejeitavam pagar tributo a Roma. O conhecimento da doutrina destas escolas devemos-lho a Flavio Josefo, Guerra dos judeus e Antigüidades judaicas; Filão de Alexandria, De vita contemplativa e Hypothetica (apologia pro Iudaeis); Plínio o Velho, História natural; Eliezer ben Hircano, bYeb; e Epitecto, Diatribas ou Discursos, e aos documentos achados em Qumran.
            A seita dos essênios foi fundada, ou polo menos recebeu um grande impulso, de uma personagem da que a identidade se disfarça nos escritos de Qumran com o nome de Mestre de Justiça, século II a.e.c. Embora o seu assentamento principal estava em Qumrán, também se instalaram em bairros das cidades hebreias, constituindo agrupações autárquicas, solidárias, fraternas, igualitárias, ascéticas e piedosas, integradas por homes maduros, -as mulheres e os infantes não eram admitidos. Defendiam e praticavam a abstinência sexual em aras dum fim superior, que será também uma ideia diretriz no pensamento de Jesus e da igreja. Alguns negam que Jesus fosse essênio por existir entre o cristianismo e o essenismo várias diferenças, mas, à vista das informações transmitidas polos autores citados e do descobrimento dos manuscritos de Qumran, é difícil negar o enquadramento do cristianismo dentro do judaísmo dissidente da época, e, em concreto, a sua filiação a respeito do essenismo, ainda que mantendo uma identidade própria. Dos traços que expomos a seguir, podemos detetar as profundas similitudes na mensagem entre ambos os movimentos que coincidem nas ideias força teóricas, na organização e na ética. A irmandade dos essênios estava dirigida por um grupo de doze membros; creiam que o fim do mundo era iminente com a chegada dum messias sacerdotal e militar, confiavam todo nas mãos de Deus, punham todos os bens em comum, creiam que a alma era imortal e imperecedoira e o corpo corruptível, consideravam que há que lutar sem descanso para conseguir os frutos da justiça e não faziam sacrifícios a Deus, senão que praticavam outra classe de purificações e abstinham-se do recinto sagrado do templo para fazer sacrifícios à parte. Defendem uma monogamia estrita e, em geral, não se casam, por considerar que o matrimônio é fonte de discórdias, mas adotam os meninos de outros e têm como parentes próprios os filhos que outros lhes confiam para ser doutrinados. Este desprezo do matrimônio não era comum, segundo matiza Flávio Josefo, a todos os grupos de essênios senão que existem alguns grupos que “pensam que renunciar ao matrimonio é realmente suprimir a parte da vida mais importante, a saber, a propagação da espécie; cousa tanto mais grave que o gênero humano desapareceria em pouco tempo se todos adotassem esta opinião. Tomam ás suas mulheres como ensaio, e depois que três épocas sucessivas mostraram a sua aptidão para conceber, desposam-nas definitivamente. Depois de estar embaraçadas, não têm relações sexuais com elas, mostrando assim que se casam não por prazer senão para procriar meninos” (As guerras dos judeus, Liv. II, cap. VIII, 160). Não intentam contratar escravos por julgar que é uma injustiça, repudiam os prazeres como um pecado e praticam as virtudes da temperança e da resistência às paixões. Desprezam as riquezas e praticam entre eles uma grande solidariedade, são perseguidos polas autoridades de Jerusalém e têm os seus próprios discípulos.
            Tanto em Qumran como no entorno de Jesus de Nazaré (4/5 a. C.-27/28 d.C.) a presença de mulheres era muito magra, e o seu rol e protagonismo secundário, marginal, tanto na vida espiritual como social. Jesus elegeu doze homens como apóstolos e tampouco consta que entre o setenta e dous discípulos alguma mulher. Em toda a vida pública de Jesus somente há um texto antes da ressurreição que fala das mulheres seguidoras de Jesus (Lc. 8, 1-3) e nele são apresentadas como serventes, beneficiárias da sua taumaturgia e mecenas do seu apostolado: “Logo depois disso, andava Jesus de cidade em cidade, e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus; e iam com ele os doze, bem como algumas mulheres que foram curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios. Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Susana, e muitas outras que os serviam com os seus bens”.
Nos evangelhos narra-se o caso da hemorroíssa, que padece fluxo de sangue, que era considerado como uma impureza fruto do pecado, doença da que foi curada por Jesus e que a mantinha arredada da vida comunitária e religiosa por ser pecadora apesar de não ter cometido mal algum de forma deliberada e voluntária. Em toda a sua vida Jesus não emitiu nenhum pronunciamento favorável às mulheres que contribuísse a cambiar o seu status social de total subordinação ao homem, seguindo o estabelecido em Ge, 2. A sociedade em que vivia Jesus era profundamente machista e todo indica que ele e os seus discípulos seguiriam este sentir social, se fazemos caso ao que nos dizem os ditos ou logia que se atribuem. No Evangelho de Tomás, escrito apócrifo de mediados do s. I: “Simão Pedro disse-lhes: «Que Maria saia de nosso meio, pois as mulheres não são dignas da vida». Jesus disse: «Eu mesmo vou guiá-la para torná-la macho, para que ela também possa tornar-se um espírito vivo semelhante a vós machos. Porque toda mulher que se tornar macho entrará no Reino do Céu»" (Evangelho de Tomás, 114, em Los evangelios apócrifos, BAC, Madrid,2001, p. 385). Converter-se em macho é apresentado como um desideratum, como um ideal a realizar. Jesus também dissera: “Quando fizerdes do dois um e quando fizerdes o interior como o exterior, o exterior como o interior, o acima como o embaixo e quando fizerdes do macho e da fêmea uma só cousa, de forma que o macho não seja mais macho nem a fêmea seja mais fêmea,... então, entrareis (no Reino)” (Evangelho de Tomás, 22. Cf. Evangelho dos egípcios, em Los evangelios apócrifos, BAC, Madrid, 5.6, p. 23). Fazer do macho e da fêmea uma só cousa pode entender-se, de acordo com este pronunciamento de Jesus pola redução da mulher ao home.
            Imos falar na próxima entrega da castração em Jesus, mas antes de começar cumpre lembrar as três classes de eunucos:
            1ª- Os eunucos de nascimento. Os que foram vítimas de alguma anomalia genética ou dalgum trauma puerperal. Algumas destas anomalias são: a atrofia testicular; aplasia testicular, quer dizer, a ausência dum ou dous testículos; a criptorquídia, ou seja, a falta de descenso dos testículos ao escroto ou bolsa onde se alojam; ectopia testicular, se o testículo de localiza fora do seu trajeto; a monorquía, falta dum testículo; a anorquia, ou carência de testículos; torsão testicular, que impede a rega sanguínea normal; hipospádias, ou seja, o desenvolvimento anormal do pene que tem como consequência uma localização anormal do meato urinário; hipoplasia testicular, ou desenvolvimento débil dos testículos; hipogonadismo, carência de pene, micro-pene, agenesia gonadal, na que não se deteta nenhum órgão sexual, ... Algumas destas malformações foram detetadas e analisadas em épocas relativamente recentes, mas não é menos certo que os seus sintomas já se conheciam e os efeitos psicopatológicos para os seus portadores deviam ser muito relevantes. 
            2ª.- Os que foram emasculados por outros homes. A causa da castração pode ser:
            a) como fruto duma rixa entre pessoas, na que acidental ou intencionadamente um resulta castrado.
            b) como resultado do castigo, como no caso dos cativos de guerra.
            c) para doação como regalo, ou para serviço sexual de personagens poderosas, como é o caso, entre outros, do eunuco e escravo persa Bágoas (s. IV a.C), castrado muito novo, que manteve relações sexuais com Dario III e Alexandre Magno. O travesti romano Esporo foi castrado por ordem de Nero, para convertê-lo na sua esposa. 
            d) para vendê-los como escravos.
            Finalmente, doutros não se conhece nem a causa da emasculação nem a função e só temos constância de que tinham a condição de eunucos.
3.- Os que se castraram a si mesmos voluntariamente, para converter-se em sacerdotes de Cibeles, Rea, Artemisa, ou adquirir um estádio mais perfeito dentro do cristianismo, seguindo o conselho de Jesus, como foi o caso da seita dos valesianos de Transjordânia, que não só se castravam eles senão que forçavam a castração dos estrangeiros em trânsito que aceitavam a sua hospitalidade. Também recomendou a evisceração Sexto, e incluso dizem que ele mesmo se teria castrado. Seguindo o conselho evangélico de Jesus de Nazaré, cara ao ano 202-203, fez-se castrar em secreto por um médico também Orígenes (185-254), por sobrenome Adamantino, natural de Alexandria, (185-254), num aceso de fanatismo religioso e para que a sua ascendência entre as mulheres não lhe criasse problemas, oito dias após a sua conversão ao cristianismo, quando tinha 18 anos de idade. Também se castraram muitos bispos e patriarcas da igreja oriental e também se castravam os meninos selecionados para cantar na Capela Sistina.

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