O mundo em que viveu Jesus
O
cristianismo recebeu diversas influências, além da mais relevante que é o
judaísmo e a sua expressão literária que é a Bíblia veterotestamentária, que o
seu fundador conhecia muito bem e aceitava. Por isso dizia: “Não penseis que
vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir” (Mt. 5, 17). Isto indica que Jesus renuncia a
qualquer ruptura radical com o judaísmo e, onde não conste expressamente,
devemos entender que seguia a corrente de pensamento judaica, quer a
majoritária, quer a dos essênios.
Outra
influência importante foi a religião dualista persa fundada por Zoroastro,
o mazdeísmo, s. VI a.e.c., que teve uma grande influência no judaísmo,
e, por conseguinte, também no cristianismo. Defendia um dualismo ético e
metafísico, que contrapõe dous espíritos originais e auto-existentes, o deus
supremo bondadoso, Ahura-Mazda ou Ormuzed, à sua antítese, o espírito do mal,
Angra Mainyiu ou Arimã, ficando considerados os demais deuses como divindades
secundarias; a imortalidade da alma, que será julgada após a morte. Os justos
conseguirão a luz eterna; os condenados irão aos infernos, e os que compensaram
as más ações com as boas, ao purgatório. Os judeus, antes do exílio, não tinham
noção da retribuição individual após a morte dos defuntos. Todos, bons e maus,
iam ao Sheol, conceito similar ao Hades grego, a região das sombras e da morte,
a tomba coletiva de toda a humanidade falecida; Os últimos dias serão
anunciados pola vinda dum messias e liberador, Saoshiant, que renovará o mundo
depois da ressurreição; demonologia, taumaturgia, etc.
Em
tempos de Jesus existiam quatro escolas religioso-culturais em Israel: a dos fariseus,
que diziam que somente algumas cousas estão marcadas polo destino e acentuavam
a observância da lei e a pureza ritual; a dos saduceus, que negam a
existência do destino e que este jogue algum rol nos assuntos humanos, porque
todo depende da vontade, negavam a supervivência da alma depois da morte e as
esperanças escatológicas; e a dos essênios que afirmam que o destino
rege totalmente a vida dos seres humanos e não existe nada que não esteja
decretado polo destino e rejeitavam o culto que se fazia no templo de Jerusalém.
À seita dos essênios pertenceu João o Batista e quiçá o mesmo Jesus; em todo
caso, parece que foi influído significativamente por ela. Cumpre ter presente
que os essênios também se conhecem como os nazarenos, porque em Nazaré havia
presença essênia, ainda que menos importante que a de Jerusalém. A quarta seita
era a dos zelotess, que compartiam ideário com os fariseus, mas eram exaltados
nacionalistas e independistas que só aceitavam a soberania de Deus e rejeitavam
pagar tributo a Roma. O conhecimento da doutrina destas escolas devemos-lho a
Flavio Josefo, Guerra dos judeus e Antigüidades judaicas; Filão
de Alexandria, De vita contemplativa e Hypothetica (apologia pro
Iudaeis); Plínio o Velho, História natural; Eliezer ben Hircano, bYeb;
e Epitecto, Diatribas ou Discursos, e aos documentos achados em
Qumran.
A
seita dos essênios foi fundada, ou polo menos recebeu um grande impulso, de uma
personagem da que a identidade se disfarça nos escritos de Qumran com o nome de
Mestre de Justiça, século II a.e.c. Embora o seu assentamento principal
estava em Qumrán, também se instalaram em bairros das cidades hebreias,
constituindo agrupações autárquicas, solidárias, fraternas, igualitárias,
ascéticas e piedosas, integradas por homes maduros, -as mulheres e os infantes
não eram admitidos. Defendiam e praticavam a abstinência sexual em aras dum fim
superior, que será também uma ideia diretriz no pensamento de Jesus e da
igreja. Alguns negam que Jesus fosse essênio por existir entre o cristianismo e
o essenismo várias diferenças, mas, à vista das informações transmitidas polos
autores citados e do descobrimento dos manuscritos de Qumran, é difícil negar o
enquadramento do cristianismo dentro do judaísmo dissidente da época, e, em
concreto, a sua filiação a respeito do essenismo, ainda que mantendo uma
identidade própria. Dos traços que expomos a seguir, podemos detetar as
profundas similitudes na mensagem entre ambos os movimentos que coincidem nas
ideias força teóricas, na organização e na ética. A irmandade dos essênios
estava dirigida por um grupo de doze membros; creiam que o fim do mundo era
iminente com a chegada dum messias sacerdotal e militar, confiavam todo nas
mãos de Deus, punham todos os bens em comum, creiam que a alma era imortal e
imperecedoira e o corpo corruptível, consideravam que há que lutar sem descanso
para conseguir os frutos da justiça e não faziam sacrifícios a Deus, senão que
praticavam outra classe de purificações e abstinham-se do recinto sagrado do
templo para fazer sacrifícios à parte. Defendem uma monogamia estrita e, em
geral, não se casam, por considerar que o matrimônio é fonte de discórdias, mas
adotam os meninos de outros e têm como parentes próprios os filhos que outros
lhes confiam para ser doutrinados. Este desprezo do matrimônio não era comum,
segundo matiza Flávio Josefo, a todos os grupos de essênios senão que existem
alguns grupos que “pensam que renunciar ao matrimonio é realmente suprimir a
parte da vida mais importante, a saber, a propagação da espécie; cousa tanto
mais grave que o gênero humano desapareceria em pouco tempo se todos adotassem
esta opinião. Tomam ás suas mulheres como ensaio, e depois que três épocas
sucessivas mostraram a sua aptidão para conceber, desposam-nas definitivamente.
Depois de estar embaraçadas, não têm relações sexuais com elas, mostrando assim
que se casam não por prazer senão para procriar meninos” (As guerras dos
judeus, Liv. II, cap. VIII, 160). Não intentam contratar escravos por
julgar que é uma injustiça, repudiam os prazeres como um pecado e praticam as
virtudes da temperança e da resistência às paixões. Desprezam as riquezas e
praticam entre eles uma grande solidariedade, são perseguidos polas autoridades
de Jerusalém e têm os seus próprios discípulos.
Tanto
em Qumran como no entorno de Jesus de Nazaré (4/5 a. C.-27/28 d.C.) a
presença de mulheres era muito magra, e o seu rol e protagonismo secundário,
marginal, tanto na vida espiritual como social. Jesus elegeu doze homens como
apóstolos e tampouco consta que entre o setenta e dous discípulos alguma
mulher. Em toda a vida pública de Jesus somente há um texto antes da
ressurreição que fala das mulheres seguidoras de Jesus (Lc. 8, 1-3) e
nele são apresentadas como serventes, beneficiárias da sua taumaturgia e
mecenas do seu apostolado: “Logo depois disso, andava Jesus de cidade em
cidade, e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de
Deus; e iam com ele os doze, bem como algumas mulheres que foram curadas de
espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham
saído sete demônios. Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Susana, e
muitas outras que os serviam com os seus bens”.
Nos evangelhos narra-se o caso da
hemorroíssa, que padece fluxo de sangue, que era considerado como uma impureza
fruto do pecado, doença da que foi curada por Jesus e que a mantinha arredada
da vida comunitária e religiosa por ser pecadora apesar de não ter cometido mal
algum de forma deliberada e voluntária. Em toda a sua vida Jesus não emitiu
nenhum pronunciamento favorável às mulheres que contribuísse a cambiar o seu
status social de total subordinação ao homem, seguindo o estabelecido em Ge,
2. A sociedade em que vivia Jesus era profundamente machista e todo indica que
ele e os seus discípulos seguiriam este sentir social, se fazemos caso ao que
nos dizem os ditos ou logia que se atribuem. No Evangelho de Tomás,
escrito apócrifo de mediados do s. I: “Simão Pedro disse-lhes: «Que Maria
saia de nosso meio, pois as mulheres não são dignas da vida». Jesus disse: «Eu
mesmo vou guiá-la para torná-la macho, para que ela também possa tornar-se um
espírito vivo semelhante a vós machos. Porque toda mulher que se tornar macho
entrará no Reino do Céu»" (Evangelho de Tomás, 114, em Los
evangelios apócrifos, BAC, Madrid,2001, p. 385). Converter-se em macho é
apresentado como um desideratum, como um ideal a realizar. Jesus também
dissera: “Quando fizerdes do dois um e quando fizerdes o interior como o
exterior, o exterior como o interior, o acima como o embaixo e quando fizerdes
do macho e da fêmea uma só cousa, de forma que o macho não seja mais macho nem
a fêmea seja mais fêmea,... então, entrareis (no Reino)” (Evangelho de
Tomás, 22. Cf. Evangelho dos egípcios, em Los evangelios
apócrifos, BAC, Madrid, 5.6, p. 23). Fazer do macho e da fêmea uma só cousa
pode entender-se, de acordo com este pronunciamento de Jesus pola redução da
mulher ao home.
Imos
falar na próxima entrega da castração em Jesus, mas antes de começar cumpre
lembrar as três classes de eunucos:
1ª-
Os eunucos de nascimento. Os que foram vítimas de alguma anomalia
genética ou dalgum trauma puerperal. Algumas destas anomalias são: a atrofia
testicular; aplasia testicular, quer dizer, a ausência dum ou dous
testículos; a criptorquídia, ou seja, a falta de descenso dos testículos
ao escroto ou bolsa onde se alojam; ectopia testicular, se o testículo
de localiza fora do seu trajeto; a monorquía, falta dum testículo; a anorquia,
ou carência de testículos; torsão testicular, que impede a rega
sanguínea normal; hipospádias, ou seja, o desenvolvimento anormal do
pene que tem como consequência uma localização anormal do meato urinário; hipoplasia
testicular, ou desenvolvimento débil dos testículos; hipogonadismo, carência
de pene, micro-pene, agenesia gonadal, na que não se deteta nenhum órgão
sexual, ... Algumas destas malformações foram detetadas e analisadas em épocas
relativamente recentes, mas não é menos certo que os seus sintomas já se
conheciam e os efeitos psicopatológicos para os seus portadores deviam ser
muito relevantes.
2ª.-
Os que foram emasculados por outros homes. A causa da castração pode
ser:
a)
como fruto duma rixa entre pessoas, na que acidental ou
intencionadamente um resulta castrado.
b)
como resultado do castigo, como no caso dos cativos de guerra.
c)
para doação como regalo, ou para serviço sexual de
personagens poderosas, como é o caso, entre outros, do eunuco e escravo persa
Bágoas (s. IV a.C), castrado muito novo, que manteve relações sexuais com Dario
III e Alexandre Magno. O travesti romano Esporo foi castrado por ordem de Nero,
para convertê-lo na sua esposa.
d)
para vendê-los como escravos.
Finalmente, doutros não se conhece
nem a causa da emasculação nem a função e só temos constância de que tinham a
condição de eunucos.
3.-
Os que se castraram a si mesmos voluntariamente, para converter-se em
sacerdotes de Cibeles, Rea, Artemisa, ou adquirir um estádio mais perfeito
dentro do cristianismo, seguindo o conselho de Jesus, como foi o caso da seita
dos valesianos de Transjordânia, que não só se castravam eles senão que
forçavam a castração dos estrangeiros em trânsito que aceitavam a sua
hospitalidade. Também recomendou a evisceração Sexto, e incluso dizem que ele
mesmo se teria castrado. Seguindo o conselho evangélico de Jesus de Nazaré, cara
ao ano 202-203, fez-se castrar em secreto por um médico também Orígenes
(185-254), por sobrenome Adamantino, natural de Alexandria, (185-254), num
aceso de fanatismo religioso e para que a sua ascendência entre as mulheres não
lhe criasse problemas, oito dias após a sua conversão ao cristianismo, quando
tinha 18 anos de idade. Também se castraram muitos bispos e patriarcas da
igreja oriental e também se castravam os meninos selecionados para cantar na
Capela Sistina.
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