Não
saio do meu assombro polas declarações de Pedro Sánchez a respeito do veto que
lhe impôs a Pablo Iglesias para chegar a uma coligação de governo entre as formações do PSOE e de Unidas Podemos, nas
que, entre outras cousas, verteu acusações de grosso calibre contra quem
pretende que seja o seu sócio de governo. Num primeiro momento considerei que se
tratava pura e lhanamente duma censura da liberdade de pensamento e
manifestação dum partido político do estado espanhol de tendência esquerdista e
unionista, mas parece que não é assim porque, ao aceitar o PSOE a outros candidatos
a ministros desse mesmo partido no governo, não afeta diretamente às ideias,
senão que é um veto ad personam, um veto à pessoa física do líder dessa
organização a título individual. Mas, se isto é assim, o que existe é uma
incoerência entre esse veto ad personam e a explicação que deu Pedro Sánchez
dos motivos polos que recusava a entrada de Pablo Iglesias no governo do
Estado, pois disse claramente duas cousas: a) que o principal obstáculo para o
governo de coligação entre as citadas formações é a pretendida entrada de Pablo
Iglesias no governo; e b) que no governo não pode haver discrepância na ação de
governo e não pode um defender a autodeterminação de Catalunha e, portanto, a
celebração dum referendo para solucionar o problema das nacionalidades do
Estado espanhol e outro coincidir totalmente com a direita mais centralista e
espanholeira e defender a aplicação do artigo 155 para Catalunha, da que parece
que se sente orgulhoso.
Toda
coligação, salvo em casos de cisões dum determinado partido, é entre formações
dispares que concorrem desde a discrepância polo favor popular e não é legítimo
obrigar-lhe a um partido a que renuncie aos seus posicionamentos e à sua
manifestação pública. Na Galiza houve várias coligações da BNG com o PSOE tanto
nos concelhos como na Xunta de Galicia, e sempre entraram os líderes de ambas as
formações e nunca se pretendeu que um deles renunciasse ao seu ideário específico,
muito diferente e irreconciliável enquanto ao modelo de estado. Então, porque o
que é válido para as autonomias e concelhos não é válido para o governo de
Espanha? É evidente que tem que produzir-se a confluência em determinados
pontos concretos que constituem o programa do governo, que algumas formações
têm recolhido nos seus estatutos que devem ser submetidos às bases, e não vejo
porque alguém tem porque molestar-se se o faz, mas, além disso, cada qual deve
ser fiel aos eleitores que votaram um determinado programa. Afirmar que Unidas
Podemos não se pode coligar com o PSOE porque são formações dispares equivale a
condenar a existência de coligações. O que não pode haver são discrepâncias nos
pontos básicos recolhidos no programa de governo, mas em todo o demais cada um
fica livre de manter defender e espalhar os seus posicionamentos.
Estas
considerações conduzem a pensar que realmente o que teme Pedro Sánchez é a
presença no governo dum líder de maior vigor intelectual e superior potência
dialética como é Pablo Iglesias, que possa ensombrá-lo a ele pessoalmente, deixando-o
em evidencia perante próprios e estranhos. Creio que nunca deveria tê-lo vetado
e incluso deveria estar-lhe agradecido por tê-lo apoiado na moção de censura
contra Mariano Rajoy sem pedir contrapartida de nenhuma classe e devia
–cortesia obriga- dalgum modo devolver-lhe este favor, mas em vez disso,
responde-lhe com um veto pessoal, Nunca melhor aplicado o refrão:galego: «Assim paga o
demo a quem bem o serve». A atuação de Pedro Sánchez no processo para conformar governo esteve
cheio de confusões, incoerências e contradições. Um dia permitia a presença de
ministros e ao dia seguinte falava de carregos intermédios, mas sem chegar
nunca ao nível de ministros, para volver de novo a cargos ministeriais ocupados
por independentes, etc. Ninguém sabia realmente o que pretendia e por que desde
o 28A não movera um dedo para avançar realmente nas negociações de formação de
governo em vez de mover-se por taticismos estéreis. Ao meu juízo a estrela de Sãnchez
esmorece perante a cidadania porque não é de recibo que se ponham vetos a
pessoas nominalmente sem razões pessoais que o justifique, como pode ser um
caso de corrupção e foi uma inovação deste político espanhol ao anais da
história, pois nunca, que se saiba, foi vetado nenhum governante pessoalmente
sem nenhuma tacha de indignidade ou corrupção pessoais.
Botou-lhe
em cara Pedro Sánchez a Pablo Iglesias que não defendera a democracia
espanhola, que não significa que ele, ou seja Pablo Iglesias, não seja democrata,
senão que não defende a especificidade da democracia espanhola, que, no fundo
não indica outra cousa que a maneira espanhola de gerir os assuntos públicos,
discordante em muitos pontos cardinais com a democracia sem qualificativos. Ele
veu a ligá-la com a defesa do 155, com negar a realidade de que uns políticos
que foram encarcerados por questões políticas sejam presos políticos, senão que
cumpre imitar aos políticos do 155 e deformar a realidade afirmando que somente
são políticos presos, apesar de que ninguém foi capaz de observar o delito que
cometeram. É evidente que não existe democracia espanhola, senão democracia, e
falar de democracia espanhola por parte dos políticos espanholeiros somente
pode querer indicar que há uma maneira específica de interpretar e limitar a
democracia por parte deles, precisamente para negar todas as suas virtualidades.
Falam de democracia avançada quando a cúspide do Estado é ostentado por um rei
posto por um dos significados ditadores do século XX, o general Franco, e não
permitem que seja convalidado polas urnas, não seja que o povo o licencie; duma
monarquia da que ninguém pode investigar as suas corruptelas nem sequer saber
em que emprega o dinheiro que os cidadãos sevem obrigados a entregar-lhe dum
salário insuficiente.
Considero
que Unidas Podemos tem todo o direito de estar no governo se o considera
oportuno, mas duvido que realmente lhe seja interessante estar nele. Os começos
das negociações, cheios de incógnitas sobre os seus resultados, não são muito
estimulantes e quiçá isto desilude ainda mais aos próprios seguidores de ambas
as formações. Com Rivera chegara facilmente a um acordo em tempo recorde, mas
agora todo são problemas. A companhia dum partido tão jacobino como o PSOE, que
já parece que renunciou incluso a uma reforma da constituição em clave federal,
vai influir muito negativamente na consideração do problema nacional no Estado
espanhol por parte de Unidas Podemos, porque vai sempre preferir governar em
Madrid que contribuir a solucionar o problema territorial do Estado. Se a
correlação de forças entre PSOE e Unidas Podemos variasse quase seguro que o
PSOE obrigaria ao seu sócio majoritário que não se avançasse no reconhecimento
do direito de autodeterminação, e todo isto deveria constituir uma chamada de
atenção para formações como Anova, que pretende que o problema territorial lho
dêem solucionado os partidos estatais em vez de lutar com os outros
nacionalistas para premir o estado a que se solucione duma vez.
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