O reconhecimento dos direitos humanos
é o que distingue aos povos mais civilizados e de maior elevação moral, que é
um conceito muito distinto do estado de direito. Quando não se cumprem os
direitos dos indivíduos ou dos povos, surge a repressão, e então acode-se como
um talismã, à insistência no estado de direito. Evidentemente que temos que
cumprir as leis, mas os poderes públicos têm que cumprir e fazer cumprir os
direitos humanos, que constituem a quinta essência de qualquer ética que se
preze e, portanto, duma convivência civilizada.
O desenvolvimento dos direitos
humanos produziu-se por etapas ou por gerações. Com a Revolução Francesa surgem
os direitos a primeira geração, que são os direitos pessoais individuais e
cívico políticos, que pretender proteger o indivíduo frente ao estado: direito
à vida, direito de reunião, manifestação, iniciativa privada, etc. As formações
de caráter liberal, que são, principalmente, os partidos da direita, tomam
estes direitos como a sua bandeira e silenciam ou restringem o cumprimento dos
demais. A segunda geração de direitos humanos surge depois da primeira guerra
mundial com o objetivo de fazer efetivos os direitos da primeira geração e
justificam a intervenção do Estado na economia para promover a igualdade real e
umas condições socioeconômicas e políticas dignas. Se uma pessoa não tem uns
mínimos recursos econômicos tampouco pode ser livre nem participar em igualdade
com os demais na vida pública. Nos anos setenta do século XX surgem os direitos
da terceira geração, ou da solidariedade, que protegem à coletividade frente
aos indivíduos e ao estado. Compreende o direito ao meio ambiente e à saúde, à
paz, a viver num ambiente livre de guerras, etc.
 parte dos citados direitos,
que são direitos das pessoas individuais existem os direitos dos povos, como o
direito de autodeterminação, direito a preservar a língua do povo, direito a
autogovernar-se, dispor dos próprios recursos, etc. Alguns destes direitos
foram consagrados no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ambos da ONU
do ano 1966. No seu artigo 1 ambos consagram o direito de autodeterminação dos
povos. O cumprimento destes direitos tem uma grande resistência por parte da
maioria dos estados, que os subordinam à
preservação da sua unidade, convertida por eles num a priori absoluto e
intangível em aras do qual mantêm atenazados os povos que convivem nos seus
limites territoriais.
A questão dos direitos humanos
pode focar-se desde um ponto de vista ético ou jurídico. Na ética parte-se das
aspirações e necessidades, neste caso, coletivas, e no segundo considera-se o
estado da legislação vigente, ou seja, o reconhecimento jurídico desse direito.
Desde o ponto de vista ética não cabe a menor dúvida de que os povos têm
direito de autodeterminação, igual que as pessoas individuais têm direito à
liberdade e, portanto, não podem ser submetidas à escravidão. Esta aspiração
dos povos é recolhida do seguinte jeito na Resolução da Assembleia Geral da ONU
1514, de 1960: “Consciente da necessidade de criar condições de estabilidade e bem-estar e relações
pacificas e amistosas baseadas no respeito dos princípios da igualdade de direitos
e da livre determinação de todos os povos, e de assegurar o respeito universal
dos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos sem fazer distinção
por motivos de raça, sexo, idioma o religião, e a efetividade de tais direitos e
liberdades,
Reconhecendo o apaixonado desejo de liberdade que abrigam
todos os povos dependentes e o papel decisivo dos citados povos no logro da sua
independência”. A legislação
espanhola, neste caso a CE, está baseada na desigualdade entre os povos. O povo
espanhol, muito majoritário sobre os demais, é o depositário único da
soberania, enquanto que o povo galego, basco e catalão só podem participar na
alíquota parte dessa soberania se se negam a si mesmos como tais povos e se
integram no povo espanhol. Estes povos têm aspirações de poder decidir o seu
futuro e de autogovernar-se, mas esta aspiração é reprimida uma e outra vez
pola maioria dos representantes da soberania espanhola. O colmo desta repressão
vem representada pola proposta de C’s de aplicar o 155 se os independentistas
não acatam uma sentença que se presume que vai ser injusta, porque todos vimos
que em Catalunha não se produziu nenhuma sedição nem rebelião.
Desde o ponto e vista jurídico, tendo em conta que
esta legislação é produto dos estados membros da ONU e não dos povos ou nações,
a questão não está tão clara. A resolução da ONU citada reconhece claramente o
direito de autodeterminação com as seguintes palavras: “Todos os povos têm o direito
de livre determinação, em virtude deste direito, determinam livremente a sua
condição política e perseguem livremente o seu desenvolvimento econômico,
social e cultural”. Vemos que se refere a todos
os povos sem exceção e não só aos coloniais, ainda que a resolução se dirige
fundamentalmente aos países e povos coloniais. Mas no apartado 6 introduz a
noção de unidade nacional que se presta a que muitos lhe neguem aos países
dependentes o direito de autodeterminação: “Todo
intento encaminhado a quebrantar total ou parcialmente a integridade
territorial dum país é incompatível com os propósitos e princípios da Carta da
Nações Unidas”. Esta unidade territorial, refere-se à unidade dos países
que aspiram a independer-se ou também aos estados consolidados? Se se refere a
estes últimos, então, a independência dos países coloniais seria totalmente
inviável. Nos Pactos da ONU de 1966, já citados, fala do direito de
autodeterminação de todos os povos sem exceção, e estes Pactos têm um caráter
universal e não se emitiram para contextos coloniais. Consoante com isto,
vários países recolhem o direito de autodeterminação na sua constituição ou
restante legislação.
O Estado espanhol não é capaz de
solucionar o problema nacional, como muitos mais e as justificações são do mais
peregrinas. Faz uns dias o ex-presidente Zapatero afirmava que a independência
se pode defender a nível do pensamento, mas não efetivá-la na prática. Saída
genial como vemos, pois o ex-presidente está disposto a não impedir-nos pensar
livremente, sempre que isso não colida com a o dogma da «unidade nacional» em aras do qual todos devemos
sacrificar as nossas aspirações. São ocorrências próprias dos membros dum
partido que se confessa republicano, mas que apóia sem fissura a monarquia; dum
partido que se declara de esquerdas e se apresenta como tal às eleições, mas
depois somente está disposto a coligar-se com a direita e a aplicar políticas
liberais. Mas, até o momento o cúlmen das ocorrências está protagonizado pola
deputada socialista Eva Granados que manifestou o 11/09/2019 que "não tem que ser a cidadania
quem dirima uma questão tão importante como a auto-determinação”.
Então, as questões importantes numa democracia quem as tem que resolver? Uma
resposta seria que ninguém, e que bastará fazer como Pedro Sánchez no referente
à formação de governo, não fazer nada e esperar a que outros resolvam as
questões. Parece, contudo, que não é isto o que a deputada socialista pretendia
dizer, senão que as questões mais importantes as decidem as elites dos
partidos, que é muito parecido ao que dizia Hitler. Portanto, o demos, o povo,
não é quem decide, senão que quem decide são as minorias seletas, e, mais em
concreto as oligarquias, que foram quem impuseram um monarca que ninguém pudo
votar e quem alentaram a Pedro Sánchez a que fosse de novo a eleições. Neste
caso, não se trata de acomodar-se ao que diz a gente, senão de modelar a
decisão popular para que apóie o que decidem as elites, que são os principais
protagonistas do devir histórico. Os povos não têm direito de auto-determinação,
senão que são as elites as que tem o poder de determinar o que deve determinar
o povo. Em vez de reconhecimento da autodeterminação temos reconhecimento da
determinação. Em realidade, assim é como vem operando este país desde a «exemplar»
transição e a isto chamam-lhe democracia avançada. Por que não dão uma volta
por Suiça?
No hay comentarios:
Publicar un comentario