Nas eleições dos 10 N
produziram-se alguns fitos ou acontecimentos salientáveis que atiraram a atenção
da cidadania: um foi a afirmação de Pedro Sánchez de que a procuradoria
(fiscalia) depende do governo por ser este quem o nomeia, e isto seria, segundo
ele, o que lhe permitiria repatriar a Puigdemont e entregá-lo à justiça. Estas
afirmações foram também emitidas pola vice-presidenta do governo em funções,
Carmén Calvo. Perante semelhantes declarações saíram em tromba vários dirigentes
políticos unionistas a criticá-las por considerar que punham em questão a
independência da justiça espanhola da que tanto gostam cacarejar Eu publicara
um artigo o 15/10/2019, titulado: Divisão de poderes, no que dizia o mesmo que estes dous políticos
socialistas e vi-me, naturalmente, interpelado e indiretamente criticado. A
minha argumentação baseava-se em que não se pode considerar independente um
órgão que é nomeado, neste caso, por políticos, pois sempre dependerá dos seus
eleitores.
Sigo mantendo com toda firmeza,
e agora reforçada, a opinião de que na Espanha do regime do 78 não existe uma
verdadeira separação de poderes, e que, por tanto, Pedro Sánchez e Carmen Calvo
têm mais razão que um santo e vêm ratificar as minhas declarações de que na
Espanha existe uma autêntica colusão dos poderes legislativo, executivo e
judicial, por muito que isso infirme a pretensão de Pedro Sánchez de repatriar
a Puigdemont, porque os tribunais europeus podem constatar por boca dos
dirigentes espanhóis que aqui não terão um juízo justo, senão que já todo está
amanhado de antemão por um poder executivo conchavado com o poder judicial, que
segue as suas consignas.
Seguindo o adágio «diz-me de que presumes e dir-te-ei de que careces», quando um poder político pode ser mal visto por carecer de algum
requisito necessário para ser considerado uma democracia homologável com os
países dos seu entorno, o que costuma fazer é precisamente acrescentar a
propaganda para intentar aparecer como o que não é. Isto é o que aconteceu
antes com a Marca España e com a sua sucessora, Espanha Global, que é um órgão
governamental para difundir a imagem favorável, naturalmente distorcida, de
Espanha, polo mundo, perante o deterioro sofrido pola deficiente gestão do
problema catalão, e ao mesmo tempo, desacreditar a imagem transmitida pola
dissidência política. É o que acontece também com as declarações dos dirigentes
de VOX quando recalcam os traços de liberdade e democracia do seu projeto
político, fascista e ditatorial.
A conclusão é que realmente
Pedro Sánchez e Carmen Calvo têm razão quando afirmaram que o governo controla
a procuradoria, do que se conclui que em Espanha não existe separação de
poderes. Então qual foi o seu falho? Foi simplesmente que véu botar por terra a
propaganda dos partidos unionistas que não se cansam de falar de estado de direito
e de autêntica divisão de poderes. Neste caso, optaram pola verdade frente à
propaganda e infirmaram a mensagem propagandista transmitida a través dos
mídia. Esse e não outro foi o seu deslize perante os demais unionistas, que
motivou que o Presidente se apresentasse perante os mídia “amigos” para emendar
o seu desvio.
O Conselho de Europa em
comunicação transmitida polos mídia o dia 13/11/2019, critica a politização da
justiça na Espanha e de que não se cumprem as suas recomendações sobre a
corrupção, e “especialmente no tocante à
eleição do Conselho Geral do Poder Judicial e os altos cargos da judicatura
espanhola”; e exige-lhe “ao governo
de Pedro Sánchez que «formalice» a publicação de comunicações com a procuradoria”. Portanto, o primeiro Sánchez tem razão, enquanto
que o segundo acomoda-se à propaganda oficial.
O partido ultra-nacionalista
espanhol VOX apresentou-se às eleições com dous pontos cardinais: a) Garantir a
sagrada unidade da nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os
espanhóis, incluindo nela os que não se consideram espanhóis, como os bascos e
os catalães, ou seja, que são espanhóis os que se sentem como tais e também os
que manifestam sentimentos distintos, e o que cumpre é espanholizá-los velis nolis
(queiras ou não), sendo bem-vinda toda a violência psicológica precisa para
conseguir este fim, e b) A sua política social e laboral antiglobalização. O
seu ascenso foi notório, logrando encurralar a C’s e defenestrar ao seu chefe
Alberto Rivera, adail do chauvinismo espanholista mais serril e fortemente
hostil aos povos diferenciados do Estado espanhol, no que se resumia todo o seu
programa, por considerar os seus votantes habituais que VOX os representava
melhor e dum modo mais autêntico. O clima de efervescência
anticalanista, com o seu slogan «a por eles»,
e a política hostil e demagógica, praticada polo PP com Catalunha com motivo da
aprovação do seu estatuto de autonomia, contribuíram a incrementar a crispação
contra Catalunha e colateralmente contra todos os demais povos do Estado
espanhol, e também seria VOX quem mais concentrou esse voto. Por outra parte,
cumpre ter presente que os votantes unionistas são muito mais numerosos que os
das nações periféricas e quem o partido de âmbito estatal que não cultive esse
voto corre o risco de ficar despendurado na carreira eleitoral.
A sua política social e
antiglobalização e anti-imigração contribuiu também a aglutinar uma camada
social heterogênea de votantes que são vítimas da globalização por ver-se
obrigados os trabalhadores a competir polo posto de trabalho com pessoas
forâneas recém chegadas, e as pequenas empresas na venda dos seus produtos com
as multinacionais e estas com aquelas que fabricam em países que têm umas
condições de vida muito distintas: salários muito mais baixos, menos direitos laborais,
custo da vida muito barato, etc. Este movimento antiglobalização foi o que
contribuiu também ao ascenso ao poder de Trump ou de Bolsonaro. Os culpáveis de
todo isto são o desenho atual da globalização e os tratados comerciais internacionais
impostos polas oligarquias aos povos com condições socioeconômicas e laborais
muito dispares. Esse é um reto muito importante que têm perante si o novo
governo, porque esse voto antiglobalização engloba a muitos setores que
habitualmente votam a partidos de esquerda, e devem ter presente que em
situações de mal-estar socioeconômico os votantes podem preferir uma opção que
os proteja economicamente frente a outra que se apresenta como mais democrática
e respeitosa com os direitos humanos individuais de procedência liberal.
Outro fito destacável destas
eleições foi o retorno do BNG ao Congreso dos Deputados com um deputado, Nestor
Rego. É muito importante para Galiza, porque lhe dá visibilidade a nível
estatal, e por isso merece os nossos parabéns. Galiza, sem dúvida, sairá
ganhando porque o seu voto pode contribuir à governabilidade do Estado a câmbio
de contrapartidas para este país. É, contudo, um resultado que cumpre melhorar
em próximos processos eleitorais, para que o nosso povo se vaia aproximando aos
bascos e catalães. A imagem desta formação melhorou sensivelmente nos últimos
tempos e vê-se como um partido sério e unido, que contrasta com a imagem que
dão partidos como Anova ou Em Maré.
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