O termo necrolatría provém de
duas palavras gregas: necrós, que significa morto, cadáver, e latreis, que
significa culto, adoração. Portanto, neste caso trata-se da veneração a um
cadáver político, que é a Constituiç4ao espanhola de 1978. Quando falamos da CE
não nos referimos só ao texto que saiu das mãos dos «Pais da Pátria
, senão também aos desenvolvimentos
legislativos ou sentenças judiciais que
vieram a desnaturalizá-la, entre eles a reforma do artigo 135 do CE para
dar-lhe preferência à divida com os acredores frente às necessidades sociais da
cidadania, a Lei Orgânica do Poder Judicial, a Lei sobre Proteção da Segurança
Cidadã de 2015 (Lei mordaça), a sentença do Estatut, A Sentença do TC sobre o
dever de conhecer as línguas co-oficiais, etc. Todas estas leis foram
impulsadas polo bipartidismo do Regime do 78, quem, como compensação ao
retrocesso legislativo nos direitos e liberdades dos cidadãos e dos povos, só
oferecem como talismã consolador: estado
de direito, ao que pretendem incluso consubstancializar com a democracia. Entendem
que qualquer lei, inclusive a lei mordaça, se foi elegida por um governo saído
das urnas, ainda que for em processos eleitorais trucados, é causa suficiente
para adquirir o pedigree de legítima. Em vez de estar a lei ao serviço das
necessidades e aspirações dos indivíduos e dos povos, pretendem que sejam estes
quem estejam ao serviço da lei, e especialmente da lei de leis que é a
Constituição. É evidente que há que cumprir as leis, tanto numa democracia como
numa ditadura, mas na primeira deve ser fruto da vontade cidadã e responder aos
seus anseios, enquanto que na segunda é fruto da imposição das elites
dirigentes, á margem das aspirações da cidadania.

Como está muito perto a
celebração do Dia da Constituição, devemos já preparar-nos para receber a
mensagem das virtudes desta Sagrada Constituição que nos permitiu, dirão, tanto
progresso e que possibilitou a convivência pacífica durante tantos anos. Só nos
falta saber quais são as pessoas encarregadas de oferecer-nos os panegíricos
correspondentes. Frente a esta propaganda oficial, constataremos o silêncio
displicente de toda uma série de grupos políticos e sociais que dissentem e
rejeitam tanto a versão originária da CE do 78 como os seus desenvolvimentos
posteriores, porque o Estado que eles imaginaram é muito distinto deste que
temos agora. Eles vem que aqueles que rejeitavam o texto do 78 são agora os
adeptos mais ferventes adeptos do seu resultado final, e entre eles, figura o
novo partido de extrema direita VOX. Em vez de avançar cara a uma maior
democracia, que inclua o reconhecimento dos povos ao seu auto-governo pleno,
que teria em Suíça a sua plasmação atual, caminhamos cara a um maior e perigoso
autoritarismo e retrocesso nos direitos e liberdades tanto dos indivíduos como
dos povos..
A CE de 1978 já não foi
democrática nos seus inícios, porque se redigiu metendo-nos às escondidas como
eixo cardinal da Constituição um rei ao que ninguém votou, senão que foi
imposto por um ditador que muito se afanou em deixar todo atado e bem atado às
novas gerações. Mas não é só que nos metessem um rei pré-constitucional, senão
que os Pais da Constituição se preocuparam para fazê-lo inviolável e, portanto,
que não tenha que responder polos seus atos, os seus crimes e o seu
enriquecimento ilícito perante o soberano, que seria neste caso o povo
espanhol. Miúdo soberano este que tem que compartir a sua soberania com poderes
que a negam. Mas isto não é todo, senão que, a maiores, fizeram intangível a
instituição que encarna, de tal jeito que é praticamente impossível removê-lo
do seu posto mediante uma reforma constitucional, e, a maiores, determinaram
que o rei ostentasse o cargo de chefe supremo das forças armadas, que converte
o soberano num joguete inerme perante o poder efetivo do monarca.
É uma constituição que consagra
a desigualdade na cimeira do Estado e nas elites dirigentes, o qual deixa como
expressões vácuas frases como: «Todos somos
iguais perante a lei», a «justiça é igual para todos», «igualdade de
oportunidades». Uma expressão muito prática desta desigualdade são o soldo das
princesas, as inviolabilidades, aforamentos, soldos por nascimento, ou seja,
pola pura natureza animal, de cento e pico de mil euros, etc. Mas não consagra
só as desigualdades dos indivíduos, senão também as desigualdades dos povos. O
único povo que tem todos os reconhecimentos e que ostenta toda a soberania é o
povo espanhol, e os cidadãos que se sentem membros doutros povos
prioritariamente, só se lhe oferece como alternativa fazer-se espanhóis à
força, velis nolis, e somente podem falar a sua língua, sempre que falem o
espanhol e que aceitem que todos estão obrigados a falar a língua do império. Vivemos
um momento álgido de exacerbação do sentimento espanholista, esporeado
convenientemente para sufocar as aspirações das outras nações do Estado e
reprimir os seus sentimentos naturais de pertença á própria comunidade. O
objetivo é, naturalmente, de desenraizar os homens de comunidades diferenciadas
e modelar um
homo hispanus», um homem que se sinta só espanhol e perda todo
sentimento cara a sua própria comunidade, sob pena de ser considerado um mal
cidadão. Mas, não contentes com impor-lhes leis que negam a realidade dos
membros das comunidades periféricas, querem regular também os seus sentimentos,
e obrigá-los a que se sintam espanhóis por acima de todo.

É uma constituição com muitos
ribetes antidemocráticos, que se manifestam em atuações como por exemplo, a
imposição da monarquia, a tutelagem das suas disposições polo exército, a
carência duma autêntica divisão de poderes,... Foram os militares os que
impuseram alguns dos seus artigos, entre eles o dous, que agora dificulta
precisamente resolver o problema suscitado em Catalunha, País Basco e Galiza. É
uma constituição que está feita para o controlo dos cidadãos, e não para
facilitar a sua participação e a sua iniciativa, que fica escandalosamente
cerceada. As Comunidades Autônomas são consideradas Estado quando lhes
interessa, mas o sentido forte de Estado está referido ao poder central. Assim,
o artigo 149 fixa as competências básicas do Estado, em contraposiç4ao com as
das CCAA, e somente o Estado, representado polo poder executivo central, pode
convocar referendos, enquanto que uma comunidade autônoma não pode consultar
aos seus cidadãos sobre nenhum tema que lhes afete, salvo se aprovam ou não um
estatuto que previamente foi laminado polo legislativo central. Não obstante,
para outras cousas, as CCAA são estado, como para sancionar a Torra se não
reprime os seus cidadãos, baseando-se em que tem, diz a CE, a máxima
representação do Estado na Comunidade Autônoma.
Consagra o título VIII à
Organização Territorial do Estado, mas as suas diposiç4oes converteram-se num
autêntico fiasco porque não foi constituída como uma câmara territorial, e não está
pensado para que as CCAA possam tratar e resolver os seus problemas e impulsar
a sua participação na legislação estatal e numa organização territorial
autêntica. É uma câmara que custa uma soma muito importante de dinheiro, e que
teoricamente deveria servir para resolver os problemas das CCAA, mas na prática
só serve para colocar políticos fracassados e molestos e para atrasar a entrada
em vigor das leis aprovadas previamente polo Congresso. Ao ser elegidos os seus
membros por um sistema majoritário, em vez do proporcional do Congresso,
converte-se num órgão pouco representativo e conservador.
Mas, uma das eivas mais
importantes desta constituição é a prática impossibilidade da sua reforma, que
só pode levar-se a cabo se os partidos majoritários PP e PSOE estão de acordo,
e neste momento nem isso basta para muitas questões. Quiseram dificultar a sua
reforma para que durasse mais, mas assim converteram-na em refém da minoria. Como
todo código legal, uma constituição é fruto dum pacto surgido numas
determinadas circunstâncias muito concretas, e este código, se se quer que
tenha permanência no tempo que procure a adesão dos cidadãos, tem que ser
revisado de quando em vez, pois senão faz-se inservível e converte-se num
cadáver que só se mantém pola submissão forçada da cidadania aos seus preceitos,
e esta é a situação atual. A situação de 1978 é muito distinta da atual, e,
portanto, hoje vê-se como um corpete que coarta as aspirações dos indivíduos e
dos povos em vez de canalizá-las. Enquanto que em Suíça a Constituição é
reformada com muita frequência, e para isto basta com a iniciativa cidadã, a CE
só se reformou para meter-nos na OTAN e para impor a prioridade da divida dos
bancos. Ás iniciativas cidadãs não se lhe faz caso nenhum e praticamente já
desapareceram porque só servem para marear a cidadania.
É uma constituição machista, que
estabelece que, na cúspide do Estado, o varão tem preferência sobre a mulher e,
evidentemente, a animalidade sobre a racionalidade. Mas os partidos políticos
nem sequer são capazes de impulsar esta reforma, porque têm medo que, se abrem
o melão, não possam controlar o processo. A isto obedece que, segundo informações,
o rei emérito lhe aconselha-se ao seu filho que praticasse o onanismo quando
mantenha relações sexuais, porque de
ter um filho varão a Leonor ficaria sem chope. Parece de broma, mas, neste país
todo pode suceder. É uma constituição que tem ressábios militaristas, e alguns
dizem que ainda franquistas. Um cabo acaba de ser expulsado do exército por assinar
um manifesto antifranquista.
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