O evangelho de Lucas 6, 20:
recolhe como primeira bem-aventuranças de Jesus: “Bem-aventurados vós, os pobres,
porque vosso é o reino de Deus”, mas a versão de Mateus 5, 3, é ligeiramente
distinta: “Bem-aventurados os pobres de espírito,
porque deles é o reino dos céus”. Ser pobre está mal, mas se lhe dizem a um que
é pobre de espírito já colhe uma depressão da que pode necessitar tratamento
intensivo. Esta é a razão pola que algumas versões da Bíblia em vez de pobres
traduz humildes, apesar de que a palavra grega não autoriza esta licença. Disto
não cabe dúvida de que Jesus estava da parte dos pobres, se bem, tarde me lo
fiais, a gratificação é em diferido e têm que esperar ao reino dos céus. Estas
manifestações complementam-se com outras nas que Jesus disse: “Em verdade vos digo que um rico
dificilmente entrará no reino dos céus. E outra vez vos digo que é mais fácil
um camelo passar polo fundo duma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus”
(Mt. 19, 23-24). A decisão salomônica
de Jesus é permitir que os ricos triunfem neste mundo e sofram no de ultra-tomba,
e os pobres que se enfastiem agora e que gozem mais tarde.
Quando a igreja começa
a expandir-se e entram nela pessoas de todas as condições, buscou um acomodo
para permitir que os ricos desfrutem tanto neste mundo como no próximo, que
consistiu em mudar a pobreza real, presente no texto de Lucas, pola pobreza
fictícia ou pobreza de espírito. Agora a pobreza vai entender-se como
desprendimento psíquico dos bens, que é uma saída ambígua e ademais
incontrastável, e que lhe permite à igreja meter no céu a quem lhe interesse, defendendo
ao mesmo tempo a mística da pobreza, que não compromete a nada na prática. Agora
os ricos ficam liberados do fundo das agulhas e já podem entrar no céu em
tropel e por auto-estrada, sempre, naturalmente, que paguem a portagem fixada
para estes casos, e contribuam com doações ao banco de alimentos ou com alguma
esmolinha para os mendigos de turno.
Vem
isto a propósito das declarações de Luís Arguello, secretario de CEE (Conferência
Episcopal Espanhola) nas que manifestou que está a favor do ingresso mínimo
vital para as famílias necessitadas, pola crise do coronavirus, mas não de
forma permanente porque poderia retirar do horizonte das pessoas pensar em
realizar um trabalho e provocar que amplos grupos de cidadãos acabem vivendo de
maneira subsidiada. Ou seja, que o porta-voz da CEE não quer que outros
desfrutem a partir de agora de maneira permanente dos mesmos privilégios que
eles vinheram desfrutando desde o século IV, em que a Igreja se converteu numa
associação parasitária do Estado, que a dotou de favores a eito e de dumping
fiscal e social, que se impõe coativamente a toda a sociedade, incluso aos que
dissentem do seu ideário e de que o produto que vendem está cada passo mais desvaliado.
Hoje somente setores muito minoritários
consideram que uma crise como a do coronavirus se soluciona com jaculatórias
rituais, responsos, golpes de peito ou rogando a Deus compulsivamente para que
nos libere desta praga. Quando em 541 teve lugar a peste bubônica, em 1300 a
peste negar ou em 1918 a pandêmica de gripe, a gente agrupava-se nas igrejas
para rezar, mas o único que conseguiram foi incrementar os contágios. Milhões
de pessoas deixaram a vida no intento.
Ao
ritmo que vamos, com a robotização crescente da economia vão eliminar-se
milhões de postos de trabalho, deixando no paro a uma imensa quantidade de
pessoas, mas as empresas somente podem subsistir se a gente compra os produtos,
o qual pode aconselhar que a gente trabalhe muitas menos horas e incluso que
muita gente tenha que viver subvencionada e atuar somente como consumidor, e,
portanto, como um agente subsidiado, que tampouco seria novo, pois Roma já
entregava gratuitamente aos seus cidadãos “panem et circenses”, pão e circo. Parece
que esta solução não lhe agrada aos clérigos, porque não querem que outros
tampouco realizem um trabalho produtivo e se convertam em membros passivos da
sociedade. Que solução arbitram os clérigos se esta previsão se cumpre?
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