12 nov 2013

01.- EUNUCOS POLO REINO DOS CÉUS E DOS PODEROSOS

            Ramom Varela Punhal

            In memoriam a todos aqueles que sofreram e sofrem mutilação dos seus membros, genitais ou outros, quer forçada quer voluntariamente,  para satisfazer as pulsões sexuais e os interesses socioeconômicos doutras pessoas ou procurar ideais religioso-filosóficos desencaminhados, ou por afã de possessão, controlo e domínio. A minha empatia e solidariedade com todos os que seguem a padecer mutilações nos nossos dias, como é o caso da ablação genital feminina.


01.- O direito á integridade psicofísica

            É um direito fundamental do ser humano, recolhido em muitas constituições, entre elas a CE no seu artigo 14, o direito à integridade física e psíquica, ou seja, o direito a preservação de todos os órgãos, tecidos e partes do corpo de que está dotado, e das habilidade psíquicas: motoras, emocionais e intelectuais; o que implica o dever de todos os demais a respeitá-lo e a não agredir ou lesionar impunemente a uma pessoa produzindo-lhe danos que obstem a preservação e conservação de todos estes componentes psicofísicos em toda circunstância, salvo, naturalmente, em tempos de guerra e legítima defesa.

            Temos, pois, um direito um direito reconhecido, mas podemos perguntar-nos se temos também o dever de preservar a citada integridade, incluída a própria vida, conservando o nosso psicofisismo são e inteiro em toda circunstância, ou se se trata só dum direito ao que podemos renunciar, e, em consequência, se podemos usar e abusar dessa entidade psicofísica ao nosso arbítrio. Entendo que não só temos que respeitar a integridade nos demais seres humanos, e inclusive diria nos seres vivos, em especial nos demais animais, salvo para satisfazer as necessidades alimentares, senão também em nós mesmos, porque formamos parte do ciclo vida-devir-morte
da Natureza, que devemos preservar também em nós próprios. Neste devir da Natureza, somos uma parte dum todo e não átomos isolados e independentes de todo o demais. A Natureza produz seres mais ou menos valiosos, com mais ou menos valor, mas todos eles têm um valor tanto por si mesmos como por ser elos da interdependência recíproca em que nos achamos todos. O ser humano é o mais valioso de todos, o que tem um valor sobranceiro, fundamentado na sua superior inteligência, autoconsciência, racionalidade, capacidade de empatia e solidariedade, dotes criativos, etc. que fundamentam a sua dignidade, valores que não pode destruir ao seu livre arbítrio, senão que os deve preservar, cuidar, e cultivar. Isto é confirmado pola consciência de todos os seres humanos, pois ninguém de nós gostaria, seguramente, de que no nosso entorno mais íntimo e entre os seres mais queridos se produzissem suicídios, porque a nossa consciência diz-nos que não  devem fazê-lo, salvo casos limite. e procuraríamos convencê-los para que não  recorram a uma decisão tão drástica. Consideramos que, por acima de todo, devemos respeitar a força e energia que produz a vida em nós, enquanto não  se extinga naturalmente, salvo quando se converteu numa ninharia e num sem sentido. Enquanto isto não  aconteça, devemos preservar essa vida tão louçã e esplendorosa como seja possível, sem mortificá-la, sem minguá-la no seu vigor atulhando-a de drogas ou subordinando-a irresponsavelmente a ideologias supra-terreais. 

            É um despropósito suplantar esse reconhecimento à Natureza, na que vivemos, nos movemos e estamos, em palavras de São Paulo, polo culto a produtos fantasmagóricos que odeiam e condenam esse devir breve, instável, fugaz, transitório, por vezes luminoso, aprazível, sonhador, alegre, feliz, e outras esmagador, oprimente, tedioso, tristonho dos seres, substituindo-a por uma perenidade, imobilidade, estaticidade, que escapa às nossas luzes e a toda fundamentação racional. Em nome de abstrações mentais de origem platônica condenam a este mundo à indignidade de ser vivido, do que é um exemplo eloquente o discurso de Santo Agostinho de Hipona, para quem os membros da cidade de Deus, os escolhidos, devem amar a Deus até o desprezo de si próprios1, ou a fugida deste mundo dos místicos castelhanos São João da Cruz: “Vivo sem viver em mim, e de tal maneira espero,/ que morro porque não morro2; e Santa Teresa de Jesus: “Vivo sem viver em mim/ E tão alta vida espero/ Que morro porque não morro”3. No fundo o que delata é um ódio à natureza, à physis, uma misophisis, ao ser que todos levamos dentro.

            Imos, a seguir, formular algumas observações sobre o presente trabalho: a) Nele aparecem muitos eunucos em postos destacados e isso poderia induzir ao erro de crer que os eunucos costumavam ocupar cargos elevados. Isso só é o caso dalguns, muito limitados, que alcançaram poder bastante para sair do anonimato, mas não  da massa social, que geralmente ocupavam postos de criados, serventes modestos, escravos, etc. e dos que se borrou, na sua quase totalidade, o testemunho da sua existência e modo de vida. b) Muitos desses eunucos que ocupavam postos elevados foram implicados em conjurações, enganos, falsidades, assassinatos, delações, etc., e poderia também isso induzir a crer que eram uma classe especial de gente pérfida, falsária, ambiciosa, etc. Para contrastar esta afirmação deveríamos compará-los com o que passava na população dos cortesãos e altos dignitários ao serviço do poder, que excede os nossos objetivos. Em princípio não há razão para pensar que são distintos dos demais membros da sociedade da sua época que ocupavam cargos parelhos. Em caso de que se demonstrasse que há uma correlação positiva significativa entre o eunuquismo e estas práticas imorais, deveríamos perguntar-nos se a causa não seria precisamente a sua castração violenta e a exposição ao escárnio, mofa e ridículo social, além das limitações sociolaborais a que se viam submetidos. c) Não analisamos a história global dos evirados senão que nos limitamos ao mundo mesopotâmico, asiático ocidental, grego, romano e cristão.




1.   SANTO AGOSLTINhO, CD, Lib. XIV, 28,137
2.  SAM JUAM DE LA CRUZ, Obras Completas, BAC, Madrid, 1960, p. 1099.
3.  SANTA TERESA DE JESÚS, Obras Completas, BAC, Madrid, 1962, p. 480

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