14 feb 2016

Globalização econômico-lingüística


A globalização é uma filha direta do liberalismo, que acede ao poder político com a Revolução Francesa ao impor-se sobre a nobreza latifundiária. O liberalismo foi desde as suas origens um sistema com vocação supranacional, como o demonstra o caso das multinacionais, do capital internacional, etc., e o home liberal considera-se um home do mundo, um cosmopolita. Essa vocação internacional baseia-se na divisão internacional do trabalho e na conseqüente interdependência entre os diversos países, e realiza-se pela concorrência pacífica entre todos os estados, por considerar que as situações conflituosas deterioram o normal desenvolvimento da atividade econômica. Carlos Marx considerava que a Revolução Francesa era o paradigma de sociedade na que o modo de produção capitalista gera um regime político ao serviço da burguesia, regime que deveria ser superado e substituído por um regime político ao serviço dos trabalhadores. Frente ao universalismo do capital, ele pregoou um universalismo ou internacionalismo proletário. No fundo era um jacobinista, se bem criticava o jacobinismo porque intentaram instaurar a república democrática numa sociedade desigualitária própria do regime burguês.

Outra das características do liberalismo é a igualdade de direitos, entendida como uma igualdade formal, igualdade ante a lei, que se acompanha duma desigualdade real dos indivíduos e dos povos. É um sistema que, de por si, fomenta uma competitividade feroz e desapiedada entre empresas e indivíduos, na qual os mais aptos na luta pela subsistência preservam-se e os demais são eliminados. Mas, na prática, ao utilizar o poder político em benefício próprio, dotou-se de mecanismos que temperam essa competência mediante a criação de oligopólios e acordos secretos entre empresas para repartir-se o mercado mantendo preços mutuamente beneficiosos. Caracteriza-se também pelo individualismo, por considerar o indivíduo isolado como a célula básica da sociedade, considerada como um conjunto de indivíduos, criando uma sociedade de átomos isolados, necessitados de defesa e proteção dos seus direitos ante o poder. Isto explica que seja a esta altura quando surgem as primeiras declarações de direitos humanos: a Declaração de Independência do 4/07/1776, das 13 colônias dos EEUU, e a Declaração dos Direitos do Home e do Cidadão da Revolução Francesa do 27/08/1789. 

Os acontecimentos posteriores terminaram consolidando o regime burguês capitalista, que se rege pela ideologia liberal, especialmente quando a URSS colapsou e terminou reconhecendo o seu fracasso no ano 1989. A partir deste momento, o único regime vigorante é o liberalismo puro e duro, e sem que se intuam de momento alternativas viáveis de substituição, pelo menos no curto prazo. O regime capitalista rege-se pela dinâmica da acumulação de capital, á margem de qualquer outra consideração. O que determina o êxito ou fracasso é o benefício produzido pelo investimento de capital e a exploração da força de trabalho, matérias primas, ...
     
A globalização, nos nossos dias, é um processo, principalmente econômico, impulsado pelas oligarquias transnacionais, que criaram um marco de livre circulação dos capitais e um mercado global que veio substituir o mercado mais restrito do estado nacional, e que pretende a uniformização de culturas, línguas, legislações, costumes, tradições, etc. Como digna filha do neoliberalismo ressurgente da década dos noventa do século XX, principalmente da mão de Reagan e Margaret Thatcher, pretende criar um «homo universalis», um «homo cosmopolita», sem pátria, sem costumes próprios, sem tradições, sem raízes, sem residência local estável e com uma disposição total de serviço total ao «deus-capital», convertido no verdadeiro feitiço ao que cumpre render culto e veneração. Dizia um dos dirigentes de  Coca Cola que há que fomentar o aluguer para que os obreiros tenham uma mobilidade total ao serviço da empresa. Nos últimos tempos esteve promovendo-se uma campanha nos meios de comunicação em contra da propriedade da vivenda, e, para convencer-nos do que consideram uma anomalia, acodem, como sempre, á comparação com outros países europeus, nos que o regime de propriedade está menos estendido, e assim poder concluir que cumpre corrigir esta disparidade. A simbologia que rege é a seguinte. europeu _ avançado _ regime de aluguer frente a espanhol _ mais atrasado _ regime de propriedade.

As oligarquias lograram pôr todos os recursos, tanto crematísticos como humanos, ao seu dispor. Hoje, a única educação que se impôs é a educação que interessa á empresa, e que se justifica por um objetivo mui louvável como é que a gente poda ocupar um emprego. Não é uma educação ao serviço do home integral, senão do homo «oeconomicus», único que tem autêntico valor; pois já a sociedade tem assumido que o demais não existe e que é unicamente um canto celestial. Os recursos econômicos, sob a forma de subvenções, perdão de dívidas, anistias fiscais, isenções fiscais, são também apropriados pelos oligarcas capitalistas. O discurso oficial justifica-o em que isso beneficia a todos porque criam postos de trabalho, mas o único que observa a cidadania é que a política e os recursos ecnômicos não se dedicam á criação de emprego e ao mesmo tempo que se produz um grande incremento das desigualdades como efeito da concentração da riqueza cada passo em menos mãos.

A globalização é um processo totalmente antidemocrático que chegou a ter um poder tal que é capaz de cambiar qualquer governo ou legislação que coarte os seus interesses crematísticos. Como exemplo, poderia servir o que passou em Madrid com o intento finalmente falido de Sheldon Adelson consistente em promover a construção em Madrid duma sucursal Las Vegas Sands Corporation, dito graficamente, de estabelecer o maior bordel europeu que viesse redimir os madrilenhos dos seu atraso e miséria e oferecer uma saída ás pulsões sexuais dos machos europeus, e especialmente dos ibéricos. Para efetivar este objetivo, o magnata estadunidense pedia um câmbio na legislação sobre o tabaco, porque parece que nesse ambiente não contamina, mas também uma «flexibilização» das relações laborais, eufemismo para indicar um recorte de direitos laborais, que também é lógico por estarmos num Estado que superprotege os seus cidadãos. A Esperanza Aguirre e Ignácio González imploravam aos deuses que se cambiasse a citada legislação para poder assim entrar na órbita do progresso. Quiçá a lei de reforma laboral do PP pretendesse responder em grande parte a esse objetivo ‹patriótico›, não seja que surjam novas oportunidades de negócio tão interessantes e estejamos desprotegidos. Os novos tratados internacionais, TTIP, TISA,... que nos querem vender dum modo ultra-secreto para apresentar uma situação de fatos consumados, são uma volta mais de rosca mais no des-empoderamento dos direitos laborais e de empoderamento das oligarquias, que com os seus gabinetes de estudo investem o tempo traçando e planificando as políticas que podem beneficiá-los, e que intentam impor, entre outros mecanismos, por meio das portas giratórias e a utilização dos meios de comunicação de massas. Supõem todos eles um vaziado do poder de decisão da democracia, do poder do «demos», do povo, o qual não deixa de ser um grande benefício para ele porque assim pode falar de temas mais transcendentes, como poderia ser o sexo dos anjos.

Esta política produziu um incremento das desigualdades nunca antes visto, que, junto com o controle sobre os mecanismos do Estado e dos meios de comunicação em benefício próprio inviabiliza qualquer classe de democracia real e somente permite um sucedâneo de democracia que é um remedo da real, ao tempo que atua como um narcótico para acalmar as protestas cidadãs, porque os cidadãos teoricamente votam livremente, embora seja mediante meios manipulados em benefício do poder e campanhas eleitorais em grande parte tele-dirigidas e pagadas com dinheiro negro da corrupção. Dizia Jeremy Bentham que a cumpre implantar uma democracia na que, além da votação secreta, se reja pelo princípio: «um home, um voto», mas isto é inviabilizado pelas desigualdades reais. A democracia reduziu-se a um regime oligárquico com votações, que lhes permite apropriar-se dos benefícios do sistema político imperante com o aplauso de benção da própria cidadania. A razão está em que cada oligarca não tem um voto senão milhares de votos.      

A livre circulação do capital viu-se auxiliada, além de pelas leis, pelos meios digitais, que facilitam que seja muito mais doado situar o dinheiro, fruto da exploração, o roubo e a extorsão, em paraísos fiscais, detraindo-os da economia produtiva e da criação de emprego, que deveria ser o seu objetivo. Facilitam também a engenharia fiscal, que impede que os governos disponham de recursos suficientes para pagar os serviços públicos, sobrecarregando em conseqüência a pressão fiscal sobre os habituais «paganos».

Uma das vítimas da globalização do cosmopolitismo liberal e do seu anseio de incrementar os seus benefícios crematísticos a curto prazo é a própria língua, e o executor desse crime de lesa cultura, por utilizar uma expressão de Castelao, ou seja, da política linguicida, fora,  nos casos galego, valenciano e maiorquino, o próprio governo que por lei deveria defendê-la. O Presidente Feijóo abriu o fogo, seguindo as políticas desenhadas pelo fundação FAES, associação de ultra-direita pagada com fundos públicos, que semeia a intolerância e a animadversão entre comunidades e entre os utentes das línguas respetivas, utilizando a este efeito pseudo-ideologias elaboradas por intelectuais orgânicos, preferentemente pertencentes á própria comunidade afetada, que se aprestam a servir ao poder; são pseudo-intelectuais que não superam o estádio de consideração da língua galega como um dialeto, e sentenciam que “a política de ‘normalização’ é a última das extravagâncias que atravessa a história de Espanha”. Os seus posicionamentos não se compadecem com os direitos que os organismos e tratados internacionais determinam para os utentes das línguas, mas que si tem um caldo de cultivo precioso na ignorância de determinados setores da população, ignorantes da história e valor que representa cada uma das línguas, e prejuizados desde os setores dominantes. 

No seu ataque contra a língua utilizaram-se as táticas usuais na política manipuladora, associando a hostilidade contra a língua própria de Galiza com símbolos valorados socialmente, como a liberdade individual e a democracia, negando-se a reconhecer que a prática lingüística é um direito coletivo. São os pais individualmente os que devem optar pela língua que querem utilizar e são os pais os que devem votar para decidir a percentagem de galego a utilizar nas aulas. Esta política hostil incrementou os prejuízos a respeito da própria língua na cidadania e produziu-lhe um dano enorme a nível comunitário. 

Outra simbologia que se utiliza para prejuizar o uso da íngua própria é a associação do espanhol com o êxito e o progresso e a do galego com o fracasso e o passado. Em vez de reconhecer o grande mérito das classes populares na transmissão da língua ás novas gerações, apresentam o idioma como menos útil, precisamente por ser falado por elas. Quando começava a docência nas aulas, a essa altura como PNN, tocou-me um Instituto no que o Diretor me dizia: “Varelinha, ti que és um home sensato, como falas o galego? eu ainda tenho familiares que utilizam o arado romano”. Há que ver que tenros se põem para intentar convencer a um professor novel! O Governo galego, com objeto de diminuir as horas de transmissão das matérias de ensino na nossa língua, utilizou o recurso de associar essa perda com um incremento do inglês, apresentado como a língua de futuro, e a que nos permitirá sair da nossa situação de atraso e ignorância.

Esta política hostil para com o língua galega por parte do seu governo, foi desqualificada pelo Conselho de Europa, que ditaminou que o decreto de plurilingüísmo da Junta “está claramente em contradição “com os compromissos adquiridos pelas autoridades espanholas na Carta Européia das Línguas Regionais e Minoritárias, ao tempo que recomenda que se promova o uso do galego “num nível apropriado” no ensino, e alerta do deficiente uso em Sanidade, Justiça e Administração Geral. Ou seja, que o Governo galego que assumiu o compromisso de elevar o galego até convertê-lo no idioma predominante, e que teoricamente deveria dar preferência ao nosso idioma, por mera questão de orgulho e dignidade, não só não o faz, senão que nem sequer cumpre a legislação que o Estado espanhol prometeu observar. Estes são os políticos que consubstancializam a democracia com a obediência á lei, quando lhes interessa, naturalmente. Esta é a política do galeguismo integrador, bilingüismo cordial e demais qualificativos distorcedores do sentido da realidade sócio-política e cultural.  


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