A globalização é
uma filha direta do liberalismo, que acede ao poder político com a Revolução
Francesa ao impor-se sobre a nobreza latifundiária. O liberalismo foi desde as
suas origens um sistema com vocação supranacional, como o demonstra o caso das
multinacionais, do capital internacional, etc., e o home liberal considera-se
um home do mundo, um cosmopolita. Essa vocação internacional baseia-se na
divisão internacional do trabalho e na conseqüente interdependência entre os
diversos países, e realiza-se pela concorrência pacífica entre todos os
estados, por considerar que as situações conflituosas deterioram o normal
desenvolvimento da atividade econômica. Carlos Marx considerava que a Revolução
Francesa era o paradigma de sociedade na que o modo de produção capitalista
gera um regime político ao serviço da burguesia, regime que deveria ser
superado e substituído por um regime político ao serviço dos trabalhadores.
Frente ao universalismo do capital, ele pregoou um universalismo ou
internacionalismo proletário. No fundo era um jacobinista, se bem criticava o
jacobinismo porque intentaram instaurar a república democrática numa sociedade
desigualitária própria do regime burguês.
Outra das
características do liberalismo é a igualdade de direitos, entendida como uma
igualdade formal, igualdade ante a lei, que se acompanha duma desigualdade real
dos indivíduos e dos povos. É um sistema que, de por si, fomenta uma
competitividade feroz e desapiedada entre empresas e indivíduos, na qual os
mais aptos na luta pela subsistência preservam-se e os demais são eliminados.
Mas, na prática, ao utilizar o poder político em benefício próprio, dotou-se de
mecanismos que temperam essa competência mediante a criação de oligopólios e
acordos secretos entre empresas para repartir-se o mercado mantendo preços
mutuamente beneficiosos. Caracteriza-se também pelo individualismo, por
considerar o indivíduo isolado como a célula básica da sociedade, considerada
como um conjunto de indivíduos, criando uma sociedade de átomos isolados,
necessitados de defesa e proteção dos seus direitos ante o poder. Isto explica
que seja a esta altura quando surgem as primeiras declarações de direitos
humanos: a Declaração de Independência do 4/07/1776, das 13 colônias dos EEUU,
e a Declaração dos Direitos do Home e do Cidadão da Revolução Francesa do
27/08/1789.
Os acontecimentos
posteriores terminaram consolidando o regime burguês capitalista, que se rege
pela ideologia liberal, especialmente quando a URSS colapsou e terminou
reconhecendo o seu fracasso no ano 1989. A partir deste momento, o único regime
vigorante é o liberalismo puro e duro, e sem que se intuam de momento
alternativas viáveis de substituição, pelo menos no curto prazo. O regime
capitalista rege-se pela dinâmica da acumulação de capital, á margem de
qualquer outra consideração. O que determina o êxito ou fracasso é o benefício
produzido pelo investimento de capital e a exploração da força de trabalho,
matérias primas, ...
A globalização, nos
nossos dias, é um processo, principalmente econômico, impulsado pelas
oligarquias transnacionais, que criaram um marco de livre circulação dos
capitais e um mercado global que veio substituir o mercado mais restrito do
estado nacional, e que pretende a uniformização de culturas, línguas,
legislações, costumes, tradições, etc. Como digna filha do neoliberalismo
ressurgente da década dos noventa do século XX, principalmente da mão de Reagan
e Margaret Thatcher, pretende criar um «homo universalis», um «homo
cosmopolita», sem pátria, sem costumes próprios, sem tradições, sem raízes,
sem residência local estável e com uma disposição total de serviço total ao
«deus-capital», convertido no verdadeiro feitiço ao que cumpre render culto e
veneração. Dizia um dos dirigentes de
Coca Cola que há que fomentar o aluguer para que os obreiros tenham uma
mobilidade total ao serviço da empresa. Nos últimos tempos esteve promovendo-se
uma campanha nos meios de comunicação em contra da propriedade da vivenda, e,
para convencer-nos do que consideram uma anomalia, acodem, como sempre, á
comparação com outros países europeus, nos que o regime de propriedade está
menos estendido, e assim poder concluir que cumpre corrigir esta disparidade. A
simbologia que rege é a seguinte. europeu _ avançado _ regime de aluguer frente
a espanhol _ mais atrasado _ regime de propriedade.
As oligarquias
lograram pôr todos os recursos, tanto crematísticos como humanos, ao seu
dispor. Hoje, a única educação que se impôs é a educação que interessa á
empresa, e que se justifica por um objetivo mui louvável como é que a gente
poda ocupar um emprego. Não é uma educação ao serviço do home integral, senão
do homo «oeconomicus», único que tem autêntico valor; pois já a sociedade tem
assumido que o demais não existe e que é unicamente um canto celestial. Os
recursos econômicos, sob a forma de subvenções, perdão de dívidas, anistias
fiscais, isenções fiscais, são também apropriados pelos oligarcas capitalistas.
O discurso oficial justifica-o em que isso beneficia a todos porque criam
postos de trabalho, mas o único que observa a cidadania é que a política e os
recursos ecnômicos não se dedicam á criação de emprego e ao mesmo tempo que se
produz um grande incremento das desigualdades como efeito da concentração da
riqueza cada passo em menos mãos.
A globalização é um
processo totalmente antidemocrático que chegou a ter um poder tal que é capaz
de cambiar qualquer governo ou legislação que coarte os seus interesses
crematísticos. Como exemplo, poderia servir o que passou em Madrid com o
intento finalmente falido de Sheldon Adelson consistente em promover a
construção em Madrid duma sucursal Las Vegas Sands Corporation, dito
graficamente, de estabelecer o maior bordel europeu que viesse redimir os
madrilenhos dos seu atraso e miséria e oferecer uma saída ás pulsões sexuais
dos machos europeus, e especialmente dos ibéricos. Para efetivar este objetivo,
o magnata estadunidense pedia um câmbio na legislação sobre o tabaco, porque
parece que nesse ambiente não contamina, mas também uma «flexibilização» das
relações laborais, eufemismo para indicar um recorte de direitos laborais, que
também é lógico por estarmos num Estado que superprotege os seus cidadãos. A
Esperanza Aguirre e Ignácio González imploravam aos deuses que se cambiasse a
citada legislação para poder assim entrar na órbita do progresso. Quiçá a lei
de reforma laboral do PP pretendesse responder em grande parte a esse objetivo
‹patriótico›, não seja que surjam novas oportunidades de negócio tão
interessantes e estejamos desprotegidos. Os novos tratados internacionais,
TTIP, TISA,... que nos querem vender dum modo ultra-secreto para apresentar uma
situação de fatos consumados, são uma volta mais de rosca mais no
des-empoderamento dos direitos laborais e de empoderamento das oligarquias, que
com os seus gabinetes de estudo investem o tempo traçando e planificando as
políticas que podem beneficiá-los, e que intentam impor, entre outros
mecanismos, por meio das portas giratórias e a utilização dos meios de
comunicação de massas. Supõem todos eles um vaziado do poder de decisão da
democracia, do poder do «demos», do povo, o qual não deixa de ser um grande
benefício para ele porque assim pode falar de temas mais transcendentes, como
poderia ser o sexo dos anjos.
Esta política
produziu um incremento das desigualdades nunca antes visto, que, junto com o
controle sobre os mecanismos do Estado e dos meios de comunicação em benefício
próprio inviabiliza qualquer classe de democracia real e somente permite um
sucedâneo de democracia que é um remedo da real, ao tempo que atua como um
narcótico para acalmar as protestas cidadãs, porque os cidadãos teoricamente
votam livremente, embora seja mediante meios manipulados em benefício do poder
e campanhas eleitorais em grande parte tele-dirigidas e pagadas com dinheiro
negro da corrupção. Dizia Jeremy Bentham que a cumpre implantar uma democracia
na que, além da votação secreta, se reja pelo princípio: «um home, um voto»,
mas isto é inviabilizado pelas desigualdades reais. A democracia reduziu-se a
um regime oligárquico com votações, que lhes permite apropriar-se dos
benefícios do sistema político imperante com o aplauso de benção da própria
cidadania. A razão está em que cada oligarca não tem um voto senão milhares de
votos.
A livre circulação
do capital viu-se auxiliada, além de pelas leis, pelos meios digitais, que
facilitam que seja muito mais doado situar o dinheiro, fruto da exploração, o
roubo e a extorsão, em paraísos fiscais, detraindo-os da economia produtiva e
da criação de emprego, que deveria ser o seu objetivo. Facilitam também a
engenharia fiscal, que impede que os governos disponham de recursos suficientes
para pagar os serviços públicos, sobrecarregando em conseqüência a pressão
fiscal sobre os habituais «paganos».
Uma das vítimas da
globalização do cosmopolitismo liberal e do seu anseio de incrementar os seus
benefícios crematísticos a curto prazo é a própria língua, e o executor desse
crime de lesa cultura, por utilizar uma expressão de Castelao, ou seja, da
política linguicida, fora, nos casos
galego, valenciano e maiorquino, o próprio governo que por lei deveria
defendê-la. O Presidente Feijóo abriu o fogo, seguindo as políticas desenhadas
pelo fundação FAES, associação de ultra-direita pagada com fundos públicos, que
semeia a intolerância e a animadversão entre comunidades e entre os utentes das
línguas respetivas, utilizando a este efeito pseudo-ideologias elaboradas por
intelectuais orgânicos, preferentemente pertencentes á própria comunidade
afetada, que se aprestam a servir ao poder; são pseudo-intelectuais que não
superam o estádio de consideração da língua galega como um dialeto, e
sentenciam que “a política de ‘normalização’ é a última das extravagâncias
que atravessa a história de Espanha”. Os seus posicionamentos não se
compadecem com os direitos que os organismos e tratados internacionais
determinam para os utentes das línguas, mas que si tem um caldo de cultivo
precioso na ignorância de determinados setores da população, ignorantes da
história e valor que representa cada uma das línguas, e prejuizados desde os
setores dominantes.
No seu ataque
contra a língua utilizaram-se as táticas usuais na política manipuladora,
associando a hostilidade contra a língua própria de Galiza com símbolos
valorados socialmente, como a liberdade individual e a democracia, negando-se a
reconhecer que a prática lingüística é um direito coletivo. São os pais
individualmente os que devem optar pela língua que querem utilizar e são os
pais os que devem votar para decidir a percentagem de galego a utilizar nas
aulas. Esta política hostil incrementou os prejuízos a respeito da própria
língua na cidadania e produziu-lhe um dano enorme a nível comunitário.
Outra simbologia
que se utiliza para prejuizar o uso da íngua própria é a associação do espanhol
com o êxito e o progresso e a do galego com o fracasso e o passado. Em vez de
reconhecer o grande mérito das classes populares na transmissão da língua ás
novas gerações, apresentam o idioma como menos útil, precisamente por ser
falado por elas. Quando começava a docência nas aulas, a essa altura como PNN,
tocou-me um Instituto no que o Diretor me dizia: “Varelinha, ti que és um
home sensato, como falas o galego? eu ainda tenho familiares que utilizam o
arado romano”. Há que ver que tenros se põem para intentar convencer a um
professor novel! O Governo galego, com objeto de diminuir as horas de
transmissão das matérias de ensino na nossa língua, utilizou o recurso de
associar essa perda com um incremento do inglês, apresentado como a língua de
futuro, e a que nos permitirá sair da nossa situação de atraso e ignorância.
Esta política
hostil para com o língua galega por parte do seu governo, foi desqualificada
pelo Conselho de Europa, que ditaminou que o decreto de plurilingüísmo da Junta
“está claramente em contradição “com os compromissos adquiridos pelas
autoridades espanholas na Carta Européia das Línguas Regionais e Minoritárias,
ao tempo que recomenda que se promova o uso do galego “num nível apropriado”
no ensino, e alerta do deficiente uso em Sanidade, Justiça e Administração
Geral. Ou seja, que o Governo galego que assumiu o compromisso de elevar o
galego até convertê-lo no idioma predominante, e que teoricamente deveria dar
preferência ao nosso idioma, por mera questão de orgulho e dignidade, não só
não o faz, senão que nem sequer cumpre a legislação que o Estado espanhol
prometeu observar. Estes são os políticos que consubstancializam a democracia
com a obediência á lei, quando lhes interessa, naturalmente. Esta é a política
do galeguismo integrador, bilingüismo cordial e demais qualificativos
distorcedores do sentido da realidade sócio-política e cultural.
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