João Carlos é o primeiro rei
de Espanha emérito, e suponho que seria elegido por analogia com os
catedráticos eméritos, se bem existe uma diferença clara entre ambos casos,
pois um professor emérito cobra uns 700 euros aproximadamente ao mês, além da
pensão, mentes que ele cobra 187.356 euros, e, á parte, o sofrido cidadão tem
que suportar os gastos que origina as suas viagens e a sua proteção pessoal
para assistir a presenciar carreiras de carros, vacações ininterruptas em
hotéis de luxo, ... Que se saiba não desenvolve nenhuma atividade produtiva
para o país, pois não se pode considerar tal a assistência a tomada de
possessão de governantes, onde há maneira de substituí-lo sem quebranto nenhum
para o país. Um professor emérito costuma ter uma atividade na Universidade, e
muitas vezes dá aulas gratuitas de cursos de doutoramento, e não lhe supõe
outro gasto ao contribuinte.
A monarquia é uma instituição
baseada na desigualdade, no privilégio, ocultação e mentira. A CE de 1978
estabelece que Espanha se constitui num Estado social e democrático de direito,
que propugna como valores superiores, entre outros, a igualdade. (Art. 1.1), e
que os poderes públicos promoverão as condições para que a liberdade e a
igualdade sejam reais e efetivas (Art. 1.2), e que todos os espanhóis somos
iguais ante a lei, sem que poda dar-se nenhuma discriminação por razão de
nascimento, sexo, idade, religião, (Art.
14), salvo na cimeira do Estado, na que uns já nascem para ser reis ou rainhas,
com preferência dos varões frente ás mulheres. No artigo 23 afirma-se que todos
têm direito a aceder em condições de igualdade ás funções e cargos públicos que
sinalem as leis, salvo na cimeira do Estado onde alguns acedem por nascimento.
Por tanto, esta igualdade não se aplica á Monarquia. Que espanhol pode aspirar
não só a continuar cobrando o que percebia na sua vida laboral? A primeira
constatação é que há pessoas que são iguais ante a lei e pessoas que são
desiguais e estão por acima da lei. Se falarmos da justiça, podemos dizer algo
parecido. É igual para todos, salvo para o tropel de aforados, entre os quais
está o rei João Carlos após a abdicação, e não digamos já o próprio rei que é
inviolável e não está sujeito a responsabilidade. Isto explica que o rei João
Carlos não pudesse, pelo menos entretanto era rei, ser submetido a juízo, não
só para que os seus filhos vejam reconhecida a sua paternidade, senão inclusive
se comete uma assassinato.
O ex-rei João Carlos I fez
umas declarações á Televisão francesa nas que, entre outras cousas, manifestou:
“A infância de Felipe foi diferente á minha. Ele estava no seu país, num
sítio seguro. Eu estava com eles. Com Felipe dialogamos muito. Ele tem uma
carreira e eu não". É evidente que sempre há diferenças entre pessoas,
e principalmente se pertencem a gerações distintas, mas creio que não se pode
fazer consistir essa diferença em
que Filipe estava num sítio seguro e ele não. Ao tratar-se
duma frase isolada, não se podem saber quem são esses “eles”, mas, seja quem
for, nem no exílio nem já na Espanha, se pode dizer que não estivesse seguro.
Tanto um como o outro levaram uma vida de intocáveis e de superprotegidos
social e politicamente, e uma prova disto é que quando o rei aos dezoito anos
matou ao seu irmão Afonso, quatro anos mais novo que ele, nem sequer foi
investigado como sucedeu essa morte, e o regime ditatorial espanhol atribui-a a
um acidente fortuito com a finalidade de tapar o assunto. Porém, não falta “quem
pensa que de não ter morto, Afonso teria sido o elegido por Dom João para
suceder-lhe, pela mesma razão que Franco pusera os seus olhos em «Juanito» ao
considerá-lo mais manejável, justo na linha do que necessitava para dar
continuidade ao Regime sob a direção dos seus seguidores” (SVERLO,
PATRICIA, Un rey golpe a golpe, p. 60). Afonso era o inteligente e o
favorito do seu pai, enquanto que o rebatizado por Franco como João Carlos era
um menino difícil, sempre condenado a estudar a dobre jornada para seguir o
ritmo que lhe correspondia á sua idade. Confirma isto também o que declarou a
respeito do sua formação no colégio das Jarilhas, a 18 quilômetros de Madrid: “Foi
uma escola que criaram somente para mim. Só acudia eu e outros poucos meninos
mais”. Franco ordenou que o acompanhassem na residência nesta escola oito
alunos extraídos de entre os membros da nobreza e da oligarquia. Que espanhol
pode eleger não só colégio senão também os companheiros de estudos e muito
menos de elite? Outra diferença, diz, é que Filipe tinha carreira e ele não,
mas isto somente pode dever-se á sua falta de competência e/ou motivação e
nunca á carência de meios para alcançar os mais altos grãos no estudo. Os
membros da realeza são pessoas que se criam numa borbulha á margem das
preocupações, problemas e necessidades da gente do comum, e volvem-se
totalmente incapazes de compreender a realidade na que vivem, e estes são os
que têm que reinar sobre os demais, o qual provoca que somente mediante a
mentira e o engano se podam manter no seu posto.
Aclara João Carlos I que não
era fácil persuadir a Franco das vantagens da democracia. Quiçá não necessitava
fazer esta aclaração a respeito de quem foi um dos ditadores mais tirânicos que
existiram no século XX. Não é fácil tão-pouco acreditar em que João Carlos,
que teve um tal mentor, seja o indicado para este cometido. Um home que
amostrou afeto e admiração pelo ditador e que prestou lealdade aos princípios
do movimento nacional. A sua submissão aparece na sua referência a um quadro
que tem no seu despacho: “Este quadro estava no Palácio Real e foi Franco
quem me disse que devia tê-lo no meu despacho. Desde então aqui está”, ou
seja, que a única justificação desta atuação é que lho disse o ditador.
Tão-pouco surpreende a afirmação de que "Franco tinha muitos seguidores
e não foi fácil convencê-los das vantagens da democracia”, o qual é
totalmente correto, nem chegaram nunca a convencer-se, mas a pressões e o
isolamento internacional faziam inviável a continuidade do regime. Também
acredito totalmente no que diz a seguir: “O dia antes de morrer, Franco
colheu-me a mão e disse-me que devia manter a unidade de Espanha, e isso fiz á
minha maneira”.
Isto explica as pressões
exercidas pela Chefia do Estado e por setores militares sobre os constituintes
a respeito do que se estabelece no artigo 2: “A Constituição fundamenta-se
na indissolúvel unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos
os espanhóis, e reconhece e garante o direito á autonomia das nacionalidades e
regiões e a solidariedade entre todas elas”. O relatório inicial dizia: “A
Constituição fundamenta-se na unidade de Espanha e a solidariedade entre os
seus povos e reconhece o direito á autonomia das nacionalidades e regiões que a
integram”. As diferenças são notórias. Desaparece o termo povos, que
somente fica no Preâmbulo e no artigo 46, sempre em relação com direitos
humanos, tradições, línguas e instituições, sem que isto na prática chegasse
nem sequer a cumprir-se, ficando reduzido a música celestial. Aliás, o referido
aos direitos humanos dos povos, tanto sociais como econômicos e políticos,
foram sistematicamente negados pelo regime monárquico. Acentua-se que existe
uma única nação espanhola, que monopoliza todos os direitos políticos, e
converte-se em sacrossanta a sua unidade e indivisibilidade. Isto seria
complementado com a missão que se lhe encomenda ás forças armadas no artigo 8:
garantir “a soberania e independência de Espanha, defender a sua integridade
territorial e o ordenamento constitucional”. Esta redação vai fazer inviáveis
as aspirações dos diversos povos que integram o Estado espanhol a ver
reconhecidos os seus direitos a estabelecer um novo marco de convivência
política entre eles, e principalmente a que o Estado de soberania única e
uninacional, se converta num estado de soberania compartida, plurinacional,
plurilingüístico e pluricultural.
A monarquia é uma instituição
sem legitimidade de origem, pois nunca os espanhóis tiveram a possibilidade de
decidir se querem uma monarquia, e, em caso afirmativo, de que classe, ou uma
república; é uma instituição arcaica, que não rendeu contas em que gasta o
dinheiro dos contribuintes, ou, como na atualidade, faz só um remedo de contas,
que se reduz a três fólios, frente aos 136 da monarquia britânica. O seu
orçamento real é ignorado, fracasso que há que atribuir á deficiente normativa
que a regula. É vergonhoso que vivamos num Estado onde os cidadãos não podem
saber o que lhe custa uma instituição como a coroa, mas ainda o é muito mais
que os próprios políticos nem sequer o saibam, ou, pelo menos, nunca respondem
quando se lhe pergunta a este respeito. Sabemos que agora se lhe assignam á
Casa Real nos PGE uns 7,86 milhões de euros, mas isto é uma mínima parte de
todo o que custa a monarquia, porque os gastos reais estão dispersos por vários
ministérios, e ninguém quer inteirar-se do que passa. O custo real da monarquia
eleva-se a uma cifra entre oitenta e cem milhões de euros. Ë uma instituição
que sai enormemente cara. A propósito da sua célebre caçada em Botsuana, o povo
inteirou-se de que também pagara e pagava a construção da mansão e manutenção
das queridas reais, com cargo ao Patrimônio Nacional. Sabemos também que o rei
cobra na atualidade uns 234 mil euros, Letizia perto de 129 mil; e a ex-rainha
Sofia uns 105 mil euros. Esta política, deliberadamente obscurantista, foi a
que propiciou que tenhamos a monarquia mais corrupta de toda Europa, que
amassou uma quantiosa fortuna, produzindo-lhe um grave dano a esta instituição,
e sobre todo ao país.
É uma monarquia protegida pela
censura e/ou autocensura tanto dos meios como das organizações políticas sempre
servis com a instituição. Criaram dela uma imagem falseada, uma imagem duma
família ideal, exemplar, unida e referente para todos os espanhóis, uma imagem
pré-fabricada que os factos vieram desmentir. Para saber do que passava na
monarquia espanhola, havia que instruir-se nos meios forâneos, que eram os
únicos que nos informavam sobre as infidelidades na família real, do seu trem
de vida, dos seus enormes dispêndios, a sua fortuna, etc., sem que o que se
denominavam representantes do povo espanhol fizesse nada a este respeito,
porque consideravam que era mais produtivo manter o povo na ignorância porque
assim sempre é mais dócil e mais proclive ao aplauso fácil dos membros duma
instituição que se apresentava como modélica, política que incrementou a
popularidade do rei emérito a percentagens dum 90 por cento. Havia que criar a
imagem dum rei campichano, popular, singelo, humilde e próximo ao povo.
Declarava faz uns anos o ex-presidente Zapatero que “A monarquia convém-nos
como país. A democracia do 78 só se entende com monarquia”, e isto diz-se
pretendendo arrogar-se a representação dum país ao que não se lhe consulta, e
sem justificação de nenhuma classe, como uma espécie de inspiração divina que
lhe permite adivinhar que regime é o melhor.
Além da falta de legitimidade
de origem, a monarquia atual perdeu, pelos comportamentos indicados, a
legitimidade de exercício. Como vai ter credibilidade ante a população aquele
que caça elefantes ao tempo que presida associação ecológica World Wildlife
Fund for Nature (WWF)/Adena que tem como objetivo proteger a biodiversidade?
Quê crédito merece aquele que caça ursos borrachos e amassa fortuna a conta de
comissões de contratos que incrementam o prezo final para o contribuinte? Como
diz Gregório Morán: “O seu com a corrupção foi um descaro, Os barcos...
Todo, todo João Carlos foi, sem nenhuma dúvida, o maior comissionista que houve
neste país. Onde cheirava dinheiro, ali estava. Uma obsessão que vinha de
Fernando VII, pura tradição borbônica. O graciosos é que o justificavam dizendo
que João Carlos tivera muitas dificuldades econômicas de moço. Isso é uma
mentira! Os Borbões não tiveram dificuldades econômicas nunca”. A vergonha
ainda é melhor se temos em conta que a monarquia é uma instituição que deve
basear-se na exemplaridade, e não pode depois pregar moralina para consumo de
incautos.
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