21 feb 2016

Declarações do rei emérito João Carlos I





João Carlos é o primeiro rei de Espanha emérito, e suponho que seria elegido por analogia com os catedráticos eméritos, se bem existe uma diferença clara entre ambos casos, pois um professor emérito cobra uns 700 euros aproximadamente ao mês, além da pensão, mentes que ele cobra 187.356 euros, e, á parte, o sofrido cidadão tem que suportar os gastos que origina as suas viagens e a sua proteção pessoal para assistir a presenciar carreiras de carros, vacações ininterruptas em hotéis de luxo, ... Que se saiba não desenvolve nenhuma atividade produtiva para o país, pois não se pode considerar tal a assistência a tomada de possessão de governantes, onde há maneira de substituí-lo sem quebranto nenhum para o país. Um professor emérito costuma ter uma atividade na Universidade, e muitas vezes dá aulas gratuitas de cursos de doutoramento, e não lhe supõe outro gasto ao contribuinte.

A monarquia é uma instituição baseada na desigualdade, no privilégio, ocultação e mentira. A CE de 1978 estabelece que Espanha se constitui num Estado social e democrático de direito, que propugna como valores superiores, entre outros, a igualdade. (Art. 1.1), e que os poderes públicos promoverão as condições para que a liberdade e a igualdade sejam reais e efetivas (Art. 1.2), e que todos os espanhóis somos iguais ante a lei, sem que poda dar-se nenhuma discriminação por razão de nascimento, sexo, idade, religião,  (Art. 14), salvo na cimeira do Estado, na que uns já nascem para ser reis ou rainhas, com preferência dos varões frente ás mulheres. No artigo 23 afirma-se que todos têm direito a aceder em condições de igualdade ás funções e cargos públicos que sinalem as leis, salvo na cimeira do Estado onde alguns acedem por nascimento. Por tanto, esta igualdade não se aplica á Monarquia. Que espanhol pode aspirar não só a continuar cobrando o que percebia na sua vida laboral? A primeira constatação é que há pessoas que são iguais ante a lei e pessoas que são desiguais e estão por acima da lei. Se falarmos da justiça, podemos dizer algo parecido. É igual para todos, salvo para o tropel de aforados, entre os quais está o rei João Carlos após a abdicação, e não digamos já o próprio rei que é inviolável e não está sujeito a responsabilidade. Isto explica que o rei João Carlos não pudesse, pelo menos entretanto era rei, ser submetido a juízo, não só para que os seus filhos vejam reconhecida a sua paternidade, senão inclusive se comete uma assassinato.

O ex-rei João Carlos I fez umas declarações á Televisão francesa nas que, entre outras cousas, manifestou: “A infância de Felipe foi diferente á minha. Ele estava no seu país, num sítio seguro. Eu estava com eles. Com Felipe dialogamos muito. Ele tem uma carreira e eu não". É evidente que sempre há diferenças entre pessoas, e principalmente se pertencem a gerações distintas, mas creio que não se pode fazer consistir essa diferença em que Filipe estava num sítio seguro e ele não. Ao tratar-se duma frase isolada, não se podem saber quem são esses “eles”, mas, seja quem for, nem no exílio nem já na Espanha, se pode dizer que não estivesse seguro. Tanto um como o outro levaram uma vida de intocáveis e de superprotegidos social e politicamente, e uma prova disto é que quando o rei aos dezoito anos matou ao seu irmão Afonso, quatro anos mais novo que ele, nem sequer foi investigado como sucedeu essa morte, e o regime ditatorial espanhol atribui-a a um acidente fortuito com a finalidade de tapar o assunto. Porém, não falta “quem pensa que de não ter morto, Afonso teria sido o elegido por Dom João para suceder-lhe, pela mesma razão que Franco pusera os seus olhos em «Juanito» ao considerá-lo mais manejável, justo na linha do que necessitava para dar continuidade ao Regime sob a direção dos seus seguidores” (SVERLO, PATRICIA, Un rey golpe a golpe, p. 60). Afonso era o inteligente e o favorito do seu pai, enquanto que o rebatizado por Franco como João Carlos era um menino difícil, sempre condenado a estudar a dobre jornada para seguir o ritmo que lhe correspondia á sua idade. Confirma isto também o que declarou a respeito do sua formação no colégio das Jarilhas, a 18 quilômetros de Madrid: “Foi uma escola que criaram somente para mim. Só acudia eu e outros poucos meninos mais”. Franco ordenou que o acompanhassem na residência nesta escola oito alunos extraídos de entre os membros da nobreza e da oligarquia. Que espanhol pode eleger não só colégio senão também os companheiros de estudos e muito menos de elite? Outra diferença, diz, é que Filipe tinha carreira e ele não, mas isto somente pode dever-se á sua falta de competência e/ou motivação e nunca á carência de meios para alcançar os mais altos grãos no estudo. Os membros da realeza são pessoas que se criam numa borbulha á margem das preocupações, problemas e necessidades da gente do comum, e volvem-se totalmente incapazes de compreender a realidade na que vivem, e estes são os que têm que reinar sobre os demais, o qual provoca que somente mediante a mentira e o engano se podam manter no seu posto.   

Aclara João Carlos I que não era fácil persuadir a Franco das vantagens da democracia. Quiçá não necessitava fazer esta aclaração a respeito de quem foi um dos ditadores mais tirânicos que existiram no século XX. Não é fácil tão-pouco acreditar em que João Carlos, que teve um tal mentor, seja o indicado para este cometido. Um home que amostrou afeto e admiração pelo ditador e que prestou lealdade aos princípios do movimento nacional. A sua submissão aparece na sua referência a um quadro que tem no seu despacho: “Este quadro estava no Palácio Real e foi Franco quem me disse que devia tê-lo no meu despacho. Desde então aqui está”, ou seja, que a única justificação desta atuação é que lho disse o ditador. Tão-pouco surpreende a afirmação de que "Franco tinha muitos seguidores e não foi fácil convencê-los das vantagens da democracia”, o qual é totalmente correto, nem chegaram nunca a convencer-se, mas a pressões e o isolamento internacional faziam inviável a continuidade do regime. Também acredito totalmente no que diz a seguir: “O dia antes de morrer, Franco colheu-me a mão e disse-me que devia manter a unidade de Espanha, e isso fiz á minha maneira”.

Isto explica as pressões exercidas pela Chefia do Estado e por setores militares sobre os constituintes a respeito do que se estabelece no artigo 2: “A Constituição fundamenta-se na indissolúvel unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis, e reconhece e garante o direito á autonomia das nacionalidades e regiões e a solidariedade entre todas elas”. O relatório inicial dizia: “A Constituição fundamenta-se na unidade de Espanha e a solidariedade entre os seus povos e reconhece o direito á autonomia das nacionalidades e regiões que a integram”. As diferenças são notórias. Desaparece o termo povos, que somente fica no Preâmbulo e no artigo 46, sempre em relação com direitos humanos, tradições, línguas e instituições, sem que isto na prática chegasse nem sequer a cumprir-se, ficando reduzido a música celestial. Aliás, o referido aos direitos humanos dos povos, tanto sociais como econômicos e políticos, foram sistematicamente negados pelo regime monárquico. Acentua-se que existe uma única nação espanhola, que monopoliza todos os direitos políticos, e converte-se em sacrossanta a sua unidade e indivisibilidade. Isto seria complementado com a missão que se lhe encomenda ás forças armadas no artigo 8: garantir “a soberania e independência de Espanha, defender a sua integridade territorial e o ordenamento constitucional”. Esta redação vai fazer inviáveis as aspirações dos diversos povos que integram o Estado espanhol a ver reconhecidos os seus direitos a estabelecer um novo marco de convivência política entre eles, e principalmente a que o Estado de soberania única e uninacional, se converta num estado de soberania compartida, plurinacional, plurilingüístico e pluricultural.

A monarquia é uma instituição sem legitimidade de origem, pois nunca os espanhóis tiveram a possibilidade de decidir se querem uma monarquia, e, em caso afirmativo, de que classe, ou uma república; é uma instituição arcaica, que não rendeu contas em que gasta o dinheiro dos contribuintes, ou, como na atualidade, faz só um remedo de contas, que se reduz a três fólios, frente aos 136 da monarquia britânica. O seu orçamento real é ignorado, fracasso que há que atribuir á deficiente normativa que a regula. É vergonhoso que vivamos num Estado onde os cidadãos não podem saber o que lhe custa uma instituição como a coroa, mas ainda o é muito mais que os próprios políticos nem sequer o saibam, ou, pelo menos, nunca respondem quando se lhe pergunta a este respeito. Sabemos que agora se lhe assignam á Casa Real nos PGE uns 7,86 milhões de euros, mas isto é uma mínima parte de todo o que custa a monarquia, porque os gastos reais estão dispersos por vários ministérios, e ninguém quer inteirar-se do que passa. O custo real da monarquia eleva-se a uma cifra entre oitenta e cem milhões de euros. Ë uma instituição que sai enormemente cara. A propósito da sua célebre caçada em Botsuana, o povo inteirou-se de que também pagara e pagava a construção da mansão e manutenção das queridas reais, com cargo ao Patrimônio Nacional. Sabemos também que o rei cobra na atualidade uns 234 mil euros, Letizia perto de 129 mil; e a ex-rainha Sofia uns 105 mil euros. Esta política, deliberadamente obscurantista, foi a que propiciou que tenhamos a monarquia mais corrupta de toda Europa, que amassou uma quantiosa fortuna, produzindo-lhe um grave dano a esta instituição, e sobre todo ao país.  

É uma monarquia protegida pela censura e/ou autocensura tanto dos meios como das organizações políticas sempre servis com a instituição. Criaram dela uma imagem falseada, uma imagem duma família ideal, exemplar, unida e referente para todos os espanhóis, uma imagem pré-fabricada que os factos vieram desmentir. Para saber do que passava na monarquia espanhola, havia que instruir-se nos meios forâneos, que eram os únicos que nos informavam sobre as infidelidades na família real, do seu trem de vida, dos seus enormes dispêndios, a sua fortuna, etc., sem que o que se denominavam representantes do povo espanhol fizesse nada a este respeito, porque consideravam que era mais produtivo manter o povo na ignorância porque assim sempre é mais dócil e mais proclive ao aplauso fácil dos membros duma instituição que se apresentava como modélica, política que incrementou a popularidade do rei emérito a percentagens dum 90 por cento. Havia que criar a imagem dum rei campichano, popular, singelo, humilde e próximo ao povo. Declarava faz uns anos o ex-presidente Zapatero que “A monarquia convém-nos como país. A democracia do 78 só se entende com monarquia”, e isto diz-se pretendendo arrogar-se a representação dum país ao que não se lhe consulta, e sem justificação de nenhuma classe, como uma espécie de inspiração divina que lhe permite adivinhar que regime é o melhor.   

Além da falta de legitimidade de origem, a monarquia atual perdeu, pelos comportamentos indicados, a legitimidade de exercício. Como vai ter credibilidade ante a população aquele que caça elefantes ao tempo que presida associação ecológica World Wildlife Fund for Nature (WWF)/Adena que tem como objetivo proteger a biodiversidade? Quê crédito merece aquele que caça ursos borrachos e amassa fortuna a conta de comissões de contratos que incrementam o prezo final para o contribuinte? Como diz Gregório Morán: “O seu com a corrupção foi um descaro, Os barcos... Todo, todo João Carlos foi, sem nenhuma dúvida, o maior comissionista que houve neste país. Onde cheirava dinheiro, ali estava. Uma obsessão que vinha de Fernando VII, pura tradição borbônica. O graciosos é que o justificavam dizendo que João Carlos tivera muitas dificuldades econômicas de moço. Isso é uma mentira! Os Borbões não tiveram dificuldades econômicas nunca”. A vergonha ainda é melhor se temos em conta que a monarquia é uma instituição que deve basear-se na exemplaridade, e não pode depois pregar moralina para consumo de incautos.

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