Na última
legislatura de Zapatero, a Igreja desatou uma campanha mui agressiva contra a
matéria Educação para a cidadania e os
direitos humanos, quiçá mesmo financiada com o dinheiro de todos e cada um
dos contribuintes, que nos surpreendeu enormemente aos que ensinávamos esta
matéria, pois dava a impressão de que, tal como Sócrates, nos dedicávamos a
corromper a juventude. Isto atribuísse por parte dos mídia a que a Igreja quer
seguir monopolizando a ideologia dos cidadãos e, por tanto, ostentar o controle
das consciências. Mas um dos temas que há que debater é se o cristianismo tem
uma ética própria, e, em segundo lugar, se é uma ética apta para os nossos
tempos.
Em primeiro
lugar, temos que precisar que se entende por ética e a sua distinção a respeito
da moral. Começando por esta, podemos dizer que a moral é um código de conduta
vigente numa determinada comunidade. Assim, na comunidade galega existe uma
percepção do que está bem e deve, por conseguinte, fazer-se, e do que está mal,
e deve, conseqüentemente evitar-se; e isto independentemente de que por vezes
se faça ou não. Todos, independentemente de que fique recolhido ou não na
legislação, louvamos e consideramos que obrou bem uma pessoa que socorreu a
outra em caso de necessidade, como pode ser um acidente, um ataque súbito,...
Todos criticamos a quem golpeou a outro, a quem violou a outro, seja home ou
mulher, e inclusive no matrimônio,... A ética é uma reflexão teórica sobre a
moral que pretende explicitar que significa «bom», «mau», «correto»,
«incorreto»,... e oferecer uns princípios dos que podamos derivar e que nos
permitam justificar os preceitos morais, por exemplo: Por que está bem ajudar a
outro? Por que não se pode violar uma mulher? Por que devemos respeitar os homo-sexuais?...
Os citados princípios devem ser claros e coerentes entre si, quer dizer, que
não se contradigam mutuamente, e devem servir para extrair todos os preceitos
concretos. O que não vale é acudir a um determinado princípio para condenar a
homo-sexualidade e a outro antitético e incompatível com o anterior para
explicar o celibato.
A mensagem do
cristianismo está na Bíblia, que concorda basicamente com o Judaísmo e
islamismo pelo que diz respeito ao Antigo Testamento e que contém como próprio
e específico o que se narra no Novo Testamento. Dos evangelhos é praticamente
impossível extrair uns preceitos morais para regular as consciências numa
determinada coletividade. A ver quem aceita o preceito de Jesus de que não nos
preocupemos pelo que imos comer ou vestir? Uns pais de família que obrassem
assim, mais bem diríamos que carecem de responsabilidade, e, por tanto, atuam
imoralmente. Quem tome como modelo de conduta as relações de escravidão ou a
prática da castração, seria fortemente doestado pela opinião pública. Os apóstolos defenderam a escravidão, a
desigualdade entre os sexos: mulieres in ecclesia taceant, as mulheres na
Igreja que calem, dizia São Paulo, apóstolo que enviou para o inferno de cabeça
aos homo-sexuais.
Que princípios
éticos utiliza o cristianismo? Para condenar as práticas da homo-sexualidade e
incesto utiliza o princípio de que se opõem á natureza humana e que inclusive
são rejeitadas pelos animais. Nestas justificações incorre no erro de derivar o
moral do natural, os preceitos dos factos, incorrendo assim na falácia
naturalista, um argumento falaz que consiste na derivação do que «deve ser» a
partir do que «é». A natureza nunca pode servir de padrão de conduta moral, é
totalmente indiferente aos princípios morais, pois a moralidade é algo que o
home acrescenta sobre a natureza. Pela contra, para defender a superioridade da
virgindade sobre o matrimônio, o celibato, a mortificação, os castigos cruéis e
inumanos, a superioridade do home sobre a mulher, etc. acode a princípios tirados
de textos bíblicos as mais das vezes de caráter mítico ou ás leis civis. Dizia
Santo Agostinho: “quando vemos que o
corpo dum ladrão cruelíssimo vai acabando lentamente no suplício, aprovamos
esta disposição das leis” (Do livre
alvedrio, 3,9,28).
Pelo que diz
respeito ás homo-sexualidade, p cristianismo opõe-se argumentando que o comportamento homo-sexual vai contra a natureza,
mas isto é infirmado pelo facto de que em muitas espécies do reino animal se
acharam condutas homo-sexuais, tanto gays como lesbianas: libelinha, pombos,
pato selvagem, cisnes negros, pingüim, abutres, doninhas, cães, leões,
carneiros, bisontes, macaco japonês, bonobos, praticamente todos os grandes símios
e outras espécies de primatas, golfinhos, elefantes, hiena, girafa,
lagartixa,... Isto levou a que alguns autores afirmem que “Não existem espécies
para as que não se encontraram comportamentos homo-sexuais, com exceção das espécies
que nunca têm sexo, como os ouriços marinhos e os áfidos. Ademais, uma parte do
reino animal é hermafrodita, realmente bi-sexual. Para eles, a homo-sexualidade
não é um problema” (Wikipedia, «1,500 Animal Species Practice
Homosexuality». News-medical.net, 2006-10-23). É digna
de menção especial a conduta homo-sexual dos bonobos, que praticam sexo tanto
homo-sexual como hetero-sexual, sendo especialmente freqüente o lesbianismo,
que representa o 60 por cento da conduta sexual das fêmeas. Apresentar-se-ia,
por outra parte, outra objeção importante para os que combatem a homo-sexualidade,
se se chega a demonstrar que a homo-sexualidade tem raízes genéticas, porque
neste caso estariam condenando a mesma natureza criada por Deus. A ver quem
ressarce depois ás vítimas da perseguição eclesial!
Outras vezes
recorre á glória de Deus e á salvação das almas. A mais brutal inquisição e
genocídio de povos que conheceram a humanidade desencadeou-se pelo tandem a espada
e cruz, para salvar as almas dos pretensamente dissidentes. Mas, em que
fundamentam a autoridade para decidir da salvação dos demais? Neste caso, o
princípio utilizado é o da sua seleção por Deus para dirigir os destinos da
Igreja, porque expressões como «todo o que atareis na terra será atado no céu»
chega para desencadear a mais brutal repressão dos demais, para saciar as tendências
agressivas dos seus autores, e, por acima, fazê-lo com boa consciência e em
benefício de Deus e da própria vítima. Isto permite-lhe alcançar o céu e
beneficiar com este prêmio á própria vítima. Muitas vezes esta pretendida
eleição por Deus fez-lhe perder o sentido da realidade aos seus hierarcas. Isto
foi o que aconteceu quando o papa Nicolau V promulgou a bula Dum diversas, o 18/06/1452,
pela que autorizava o rei Afonso V de Portugal a reduzir os muçulmanos
(sarracenos), pagãos e os outros incrédulos a escravidão perpétua, naturalmente
a após expressar a sua habitual queixa contra os inimigos da fé, que buscam
eliminar a religião cristã, e declarar que o faz inflamado pelo ardor da fé e
fortificado com o amor divino Dizia o científico alemão Bondi que “o poder desapiedado exercido pela igreja e
outras instituições religiosas ao longo dos séculos situa a estar organizações
na bancarrota moral” (DAVIES, PAUL, Dios
y la nueva física, p. 5). Escreveu este físico que “em grande parte da Europa cristã o temor de Deus usou-se para queimar
anciãs acusadas de bruxaria, um árduo dever que parecia vir imposto claramente
pela Bíblia. Os factos sobre a queima de bruxas são suficientemente explícitos.
Em primeiro lugar, a fé fez cometer a pessoas decentes atos de crueldade
arrepiante, amostrando como os sentimentos humanos naturais de bondade e
repulsão ante a crueldade podem ser e foram anulados pelas crenças religiosas.
Em segundo lugar, demonstra que é completamente falsa a afirmação de a a religião
tem uma base moral absoluta e imutável”.
Noutros casos
recorre ao escândalo, que foi o que moveu a muitos hierarcas eclesiais para não
delatar aos que incorrem em delitos de pederastia, pedofilia, seqüestro ou
retenção de pessoas. Tanto a justificação exposta no apartado anterior como
neste, baseiam-se no mais grosseiro conseqüencialismo, quer dizer que são as
conseqüências as que determinam a moralidade das ações, que se opõe a outro
princípio freqüentemente propalado pelos moralistas cristãos que diz que «o fim
não justifica os meios».
Noutras ocasiões,
a justificação utilizada é a filosofia de Platão e principalmente Aristóteles,
como no caso da justificação da escravidão por parte de São Tomás de Aquino,
quem, ainda no século XIII, sustinha que a escravidão é de direito
natural pela razão de utilidade que se deriva para o Senhor e porque é útil
para o escravo reger-se por quem é mais sábio que ele e para o Senhor ser ajudado
por servos (1-2, q 94 a. 5 ad 3; 2-2 q. 57 a. 3 ad 2). Já dizia Orígenes que Celso “Se
pôs a contestar a nossa moral, sustendo que os preceitos que dá não tem nada de
singular nem de novo, e que não seja comum com todos os das outras filosofia”
(Contra Celso, 1,4). Por conseguinte,
Celso considerava que o cristianismo não tinha uma moral própria, senão que
coincide com as dos filósofos, mas eu diria que não é inteiramente correto,
porque também foi extraída em grande parte dos textos míticos.
Entendemos que uma
instituição que não tem princípios éticos coerentes, que defendeu e praticou a
escravidão de pessoas, a castração pelo reino dos céus, que defendeu a
desigualdade de gêneros apresentando-a como de direito divino para favorecer a
sua perduração a través do tempo, que condena ao inferno aos que tem
inclinações sexuais diferentes, que sumiu a humanidade na maior repressão
conhecida, que condenou praticamente todos os direitos humanos quando se
promulgaram..., não é capaz de sintonizar com a cidadania e é impossível que
poda ser considerada como modelo moral para a sociedade dos nossos dias. Temos
que ir a uma ética laica, baseada nas necessidades e aspirações humanas a um
futuro melhor, mais livre, fraterno e igualitário no que as exigências básicas de
todos a uma vida digna se vejam satisfeitas, porque toda ética deve focar-se
para a superação das privações e a consecução da felicidade dos seres humanos
em vez da felicidades de ultra-tomba. Este modelo somente pode ser desenvolvido
a partir do intercâmbio de opiniões e aspirações e propostas dos diversos
indivíduos e dos distintos povos. Creio que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 foi um bem início nesta longa andadura que nos fica por
recorrer para dar-lhe a humanidade um novo marco de direitos e liberdades de
caráter universal, que tenha em conta também os restantes animais, vegetais e o
meio ambiente; a nova ética tem que ser uma ética profundamente ecológica e orientada
a procurar a sustentabilidade das condições de vida digna no nosso planeta.
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