A cultura do que
é correto e incorreto politicamente falando vem determinado pelas elites que
ostentaram o poder dominante num determinado espaço de dominação
econômico-político, e, por tanto, os que controlam os recursos econômicos
comunitários e os que estabelecem as normas, que normalmente atuam em simbiose
entre si.
Num país no que
arraigou tanto a inquisição, quiçá o que mais no mundo, isso deixa os vestígios
que são difíceis de desenraizar. Aqui a democracia nunca arraigou, e ainda a
que temos na atualidade é uma democracia de ínfima qualidade, pois, entre
outras cousas, não existe transparência nas contas públicas e os governantes
têm introjectada uma política-poder em vez duma política-serviço. Este é o país
campeão dos privilégios e dos aforamentos, que cria uma justiça discriminatória
entre os diversos sectores da população. Tão-pouco existe separação de poderes,
o qual favorece extraordinariamente aos partidos governantes na Espanha, pois o
chefe do partido controla o executivo, legislativo e judicial, além da
interpretação favorável das sentenças emitidas pelo Tribunal Constitucional.
Este é um país
no que não basta que o reconhecimento de certos direitos na Constituição e as
leis para evitar que se desate um ostracismo em toda regra em contra de certos
partidos que querem efetivar certas faculdades ou idéias legais. A defesa da
independência é uma idéia, direito ou liberdade fundamental amparada dentro da
liberdade de pensamento e expressão, e se algo está permitido parece que
deveria poder ser realizado sem desatar na contra dos promotores uma campanha
da macartismo mediático, mas não é assim. São idéias-adorno, idéias estéticas,
que estão mui bem para presumir de democracia perante próprios e estranhos, mas
das que está proscrita a sua realização prática, são propostas vitandas,
propostas que cumpre evitar, e que todos os cidadãos, se fôssemos como Deus
manda, deveríamos condenar com horror e consternação.
Vem isto a conto
do ostracismo imposto por PP, PSOE e C’s aos partidos catalães
independentistas. Como todo o mundo sabe, na Espanha sempre governaram os
partidos do bi-partido PP-PSOE com a ajuda dos bascos e/ou catalães, e creio
que era algo socialmente mui bem aceitado, mas os mesmos que desataram uma campanha
tremendamente hostil contra Catalunya, recorrendo um estatuto, já referendado pela
sociedade catalã, após ser limpada como uma patena pelo Congresso dos Deputados,
–Afonso Guerra dixit-, ante um Tribunal Constitucional ilegalmente constituído,
que deixou aos catalães com um marco legal que não reconhecem, são os que, em
vez de realizar um mínimo de auto-critica pela política desafortunada implementada
que nos levou a esta situação, promovem esta campanha de fustigação e descrédito
contras os partidos independentistas catalães. Isto tem como resultado que, em
vez de termos uma legalidade que se adapta aos cidadãos, pretende-se que sejam
os próprios cidadãos os que se adaptem a uma legalidade imposta, que é
exatamente a denegação da democracia.
Perante este
desatino histórico, a sociedade catalã, sentindo-se ferida no seu ser e no seu
orgulho de povo, uma vez que se lhe fecha toda opção de desenvolver uma
política própria adaptada ás suas necessidades e se lhe impede a possibilidade
de explorar em referendo qual via seguir, decide abrir a via da independência a
respeito dum hostil Estado espanhol.
Os partidos do
bipartido, em vez de fazer autocrítica e intentar chegar a acordos com eles,
oferecendo-lhe uma via a este beco sem saída, decidem desatar a maior
animadversão na sua contra, numa sintonia total entre PP e PSOE. O PP não está
para solucionar os problemas que cria senão, todo o mais, para deixar que se solucionem
só ou que apodreçam. O PSOE, apesar de propugnar historicamente o direito de
autodeterminação ou de decisão, tanto monta, defende que aos independentistas
nem auga; o que há que fazer é afogá-los politicamente na procura de que se
reconvertam nuns bons rapazes e auto-imolem no altar da pátria única e
indivisível, que é a proposta que cumpre que todos defendamos, a proposta
implenda, a proposta que cumpre realizar..
Neste momento da
formação de governo, o PSOE é capaz de desvirtuar o programa com o que se
apresentou ás eleições, pactuando com um partido de direitas xenófobo, a quem
demonizou na campanha eleitoral, mas ao que se abraçou imediatamente depois de
conhecer os resultados, com quem os números não dão, em vez pôr em pratica uma
política de esquerdas, que lhe permite pôr em prática o seu programa eleitoral
e com quem os números si dão, se se evita o ostracismo contra os catalães por
ter aberta a via independentista. O problema do PSOE do Sr. Sánchez, se realmente
é problema e não mero taticismo para poder aplicar outras políticas, para
satisfazer ao patrão Felipe González e aos seus interesses, não quer, não já
pedir-lhe o voto aos independentistas, senão nem sequer que se abstenham sem
chegar a nenhum pacto com eles, como eles insinuaram. O exercício do direito
democrático de autodeterminação tem a culpa. Fora com estes catalães insubmissos!
Os que se
consideram donos da parcela que se denomina Espanha, que até o momento foram os
partidos dominantes, PP e PSOE, aos que agora lhe saiu um competidor
ultra-espanholista, que é C’s, alegam que o exercício do direito de
autodeterminação implica romper Espanha, com o ânimo de criar uma situação de
alarma e vazio na cidadania. A isto cumpriria retrucar quatro cousas: em
primeiro lugar, delata que os que assim argumentam têm mui pouca confiança em
si mesmos e na sua argumentação para convencer os cidadãos catalães; em segundo
lugar, que, embora existe uma remota possibilidade de que se opte pela
independência, o resultado mais provável é que contribua precisamente a
reforçar os vínculos entre o povo espanhol e o catalão; em terceiro lugar, que
constituiria um exemplo magnífico de democracia e um método civilizado a seguir
para solucionar os problemas políticos, que somente podem ter uma solução
política; em quarto lugar, que a ruptura de Espanha de facto já existe, ou,
pelo menos, semi-ruptura, que veio originada pelas políticas implementadas até
este momento, que foi uma política de fustigação contra os povos com mais
personalidade do Estado: Países catalães, Euskal Herria, e Galícia, que são
considerados como inquilinos molestos duma pequena parcela dum território que pertence em propriedade aos
governam Espanha.
Considero que é
o momento de abrir vias de entendimento e colaboração com todos e que isto não
se pode realizar desde a imposição e o ordeno e mando. Creio também que seria
uma magnífica oportunidade para intentar atrair a sociedade catalã a uma
política de colaboração mútua num novo marco legal consensuado entre todos, e
que seria a melhor maneira de poder celebrar uma consulta com resultados
satisfatórios também para os espanhóis. Como afirma reiteradamente Vicenç
Navarro, direito de autodeterminação não é consubstancial com independência,
ainda que, digo eu, esta poda ser uma possibilidade remota a esta altura.
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