As pessoas necessitam ter fé nos seus dirigentes para que o sistema de dominação duns sobre outros seja aceito para comprovar que, além dos falhos normais que sempre se produzem quando há que tomar decisões complexas, não se produzam deviações do poder em benefício de determinadas elites sociais ou dos mesmos que o ostentam. Essa fé só se pode manter ao longo do tempo se os cidadãos observam que o partido tem um projeto coerente, pessoas preparadas e competentes para pô-lo em prática e que não estão sumidas num clima abafante de corrupção.
Nas duas primeiras décadas do século XX, o PSOE era o partido ilusionante por excelência no Estado espanhol, frente aos caducos partidos Liberal e Conservador, que passavam por uma crise muito semelhante ao que lhe acontece hoje ao binômio PP-PSOE. Deles dizia Ortega em 1915 que cumpre aniquilar esses dous partidos monstruosos –o conservador e o liberal- que ainda estão em pé, como dizem que depois de mortos seguem em pé os elefantes. “Estes dous partidos foram os grande fabricantes da desesperança espanhola; produziram-na a torrentes, inundaram dela toda a área nacional” («Un discurso de resignación», España, 14/05/1915, em Obras Completas, T. 10, p. 314). Creio que o que dizia Ortega nesse momento se pode trasladar ao que acontece na atualidade nos dous partidos do bipartito. A resposta á crise foi tardia e desacertada e, Em realidade, os partidos governantes o único que fizeram foi aplicar a nível do Estado espanhol as políticas que lhe indicou a troika, pois tanto o PSOE como o PP deixaram num caixão o seu próprio programa e aplicaram, ponto por ponto, o que lhe prescreveram instituições não elegidas pólos cidadãos. Hoje a sensação mais freqüente na cidadania é a desesperança e a falta de credibilidade no sistema, que foi o que provocou o movimento do 15 M, e que hoje invade a amplas capas da população. Se nos limitamos ao PSOE, creio que podemos afirmar que foi um partido historicamente ziguezagueante tanto no que se refere ao modelos de Estado como ao modelo de sociedade.
A respeito do modelo de Estado, é difícil saber a que ater-se com este partido. No mês de julho de 1918, quando o nacionalismo começa a despontar, o PSOE matiza a sua posição em torno das nacionalidades, deixando-o ao arbítrio das consciências, conscientização cidadã, e subordinado aos demais direitos individuais: "Confederação republicana das nacionalidades ibéricas, reconhecidas a medida que vaiam demonstrando indubitavelmente um desenvolvimento suficiente e sempre sobre a base de que a sua liberdade no entranhe para os seus cidadãos míngua alguma dos seus direitos individuais já estabelecidos em Espanha e de aqueles que são patrimônio de todo povo civilizado", (Cores Transmonte, Baldomero, Ramón Suárez Picallo, Ediciós do Castro, Sada, 1983, p. 76), posição, como vemos, com suficientes condicionantes como para inviabilizá-la na prática, e que só se modificará num sentido autonomista a raiz do fracasso nas eleições do 19/11/1933, em que o PSOE galego não consegue ter representação nas Cortes. A posição autonomista de 1918 é mui semelhante á que ainda mantêm os socialistas hoje sobre a língua, que consiste em afirmar que nós imos a onde nos empurre a gente.
O 19/03/1936 o Programa do PSOE experimenta um giro de clara tendência autonomista, e agora defende a "Confederação das nacionalidades ibéricas, incluindo o atual Protetorado de Marrocos, e reconhecimento do seu direito á autodeterminação política em todo instante, incluso á independência. Supressão da língua oficial, obrigatória do Estado, e igualdade de direitos de todas as línguas que se falem dentro da Confederação ibérica" (RUBIO CABEZA, MANUEL, Crónica de La dictadura de Primo de Rivera, Sarpe, Madrid, 1986, p. 79. No transcurso da guerra retornarão a posições anteriores, de franca suspicácia cara o tema autonômico, e de novo, a partir dos anos 1970 volvem outra vez a defender o direito de autodeterminação, como vimos em artigos anteriores, para terminar negando-a na etapa da transição política. Atualmente, esta negação forma parte dos dogmas imutáveis e inalteráveis do partido socialista, que prefere não governar com Podemos antes de sair elegido com a abstenção dos que manifestaram a sua vontade de exercer esse direito consultando á cidadania. Foi este partido quem, junto com a UCD, impulsou em junho de 1982, a LOAPA, com objeto de invalidar na prática todo resquício de autonomia digna deste nome, porque as leis das CCAA teriam que adaptar-se ao marco fixado por eles de antemão, o qual vinha a estabelecer que as CCAA teriam autonomia para aprovar leis sempre que concordem com o que eles tiveram decidido.
Durante a Ditadura de Primo de Rivera manifestam num primeiro momento tanto o PSOE como a UGT.que não oporão resistência á Ditadura, mentes outros sindicalistas sofrem dura repressão (Crónicas, p. 79), terminando por afastar-se dela no ano 1929, em que se pronunciam pela República e a democracia, que parece ser para eles algo acidental.
Sobre a monarquia, o seu posicionamento é também ziguezaqueante, se bem, em última instância sempre se inclinou pela monarquia. Um dos seus líderes mais destacados, Indalécio Prieto, foi um dos políticos que mais lutou pela re-instauração duma instituição que fora desqualificada pela cidadania espanhola em abril de 1931. O 17/12/1946 advoga pela união com os monárquicos e retira-lhe a confiança ao governo republicano de Giral, provocando a sua caída. Em outubro de 1947, Prieto e Gil Robles reúnem-se em Londres com objeto de lograr um acordo de socialistas e monárquicos para derrubar a Franco (SUEIRO, DANIEL e DÍAZ NOSTY, B, Historia del franquismo, Sarpe, Madrid, 1986, p. 259); e o 30/08/1948 assina-se o Acordo de São João de Luz, entre os socialistas, representados por Prieto, e os monárquicos, representados pelo Conde dos Andes. Este pacto, de 8 pontos, deixa a organização política definitiva de Espanha para uma consulta á «nação» (Historia del franquismo, p. 260). Por tanto, o que se decide é perguntar á nação o seu parecer sobre esse acordo já pré-cozinhado, conscientes de que o apoio dos socialistas inclinará a balança a favor da instituição monárquica. Já durante a etapa da transição abençoaram a monarquia ás primeiras de câmbio, apesar de pregoar aos quatro ventos o seu republicanismo, e agora esta instituição é para eles inegociável, ao tempo que foram os principais responsáveis de que degenerara numa instituição opaca e na que proliferam os casos de corrupção, ao tempo que adoece de falta de sintonia com a cidadania.
Tocante ao modelo de sociedade passa algo parecido. Em teoria pregoa o socialismo, mas na prática aplica medidas neo-liberais. Foi este partido quem impulsou e, junto com o PP, aprovou a modificação do artigo 135 de CE, para consagrar as políticas de austeridade e dar-lhe preferência no cobro da dívida aos oligarcas em vez dos próprios cidadãos aos que dizem representar, e adotou muitas das medidas laborais lesivas para os trabalhadores desde a etapa dos governos de Felipe González. Imediatamente depois das eleições de 2015, o que fez foi estabelecer uma maridagem a prova de bombas com o partido xenófobo e ultra-liberal de C’s, a quem doestara na campanha eleitoral, assumindo muitas das propostas deste partido e compartilhando o seu jacobinismo, em vez de intentar pactuar com Podemos, e poder assim cumprir o seu programa, mas a este partido só lhe ofereceu unir-se a um pacto já acordado com a direita, intentando pressioná-lo dum jeito indecente se não o fazia, aproveitando os meios de comunicação ou mídia amigos. O que pretendem estes dous partidos é que Podemos desnaturalize o seu projeto, ao tempo que eles mantêm o essencial do seu, e que faça presidente do governo a quem se embarcou neste despropósito. Está persuadido este partido que a propaganda e a intoxicação suprirá a falta de argumentos e que será capaz de evitar que as urnas lhe passem fatura por esta covardia política, agora que quedou sem argumentos para fazer-lhe frente com êxito á direita, que tão bons resultados lhes deu em dezembro.
O estado atual dos partidos do bipartito carateriza-se pela corrupção a mãos cheias, o afastamento da cidadania, o desacertos nas políticas de governo em geral e frente á crise em particular, a incapacidade para resolver o problema territorial, que está presente na sociedade espanhola desde faz já mais dum século. O PP só oferece imobilismo, aplicando na prática o lema de Ortega que dizia que o problema territorial não se pode resolver e o único que cumpre fazer é conlevá-lo, ou seja, esperar a que os nacionalistas se cansem. O PSOE e Cidadãos oferecem uma reforma da CE sem precisar em que consistiria e sem ter poder para efetivá-la sem o concurso do PP, partido que só acederá se o Mariano Rajoy é presidente do governo e também sem concretizar em que consiste, condicionando a resolução dum problema premente a que eles ocupem a chefia do Governo de Espanha; ou seja, que uns não querem cambiar nada e os outros oferecem-lhe aos catalães algo que ninguém pede. Isto si que é democracia e da orgânica. Nem sequer são capazes de pôr-se de acordo em eliminar as deputações provinciais, órgãos residuais do centralismo jacobinista importado da França revolucionária.
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