Na
primeira parte deste artigo intentamos dilucidar se a Igreja representa valores
democráticos, para o qual é requisito indispensável que um seja democrata, e
vimos que a Igreja não cumpre este requisito. Na moção revogatória do PP de
Lalim não se diz propriamente que a Igreja seja democrata senão que representa
valores democráticos, mas, como se pode dizer de alguém que não é democrata que
representa valores democráticos? Os valores democráticos concretizam-se na
proposta do PP na justiça, liberdade e igualdade, mas, se é um requisito para
que um país seja democrático que exista igualdade entre os seus concidadãos,
nenhum país ocidental seria democrático, porque criaram as maiores
desigualdades até agora conhecidas, traduzidas numa concentração escandalosa da
riqueza em mui poucas mãos, e a desapropriação dos mínimos recursos de subsistência
de centos de milhões de pessoas. E certo que Jeremy Bentham um dos pilares da
democracia atual defendia uma certa igualdade para que se cumprisse o lema «um
home, um voto», mas isto não se cumpriu na prática nas democracias liberais.
Como se pode afirmar que se cumpre esta condição quando algumas pessoas tem um
patrimônio maior que o de muitos estados, podem impor candidatos, tombar
governos, etc. enquanto que outros não têm um mínimo de influência social?
Enquanto á justiça, um dos requisitos que exigia Montesquieu para que exista
democracia é que se dê divisão de poderes, o qual já não o cumpre a própria
Espanha porque o poder judicial está subordinado ao executivo. Referente á
liberdade, podemos dizer que é um termo abstrato que em si é pouco
significativo. A liberdade é a escolha que um pode fazer, entre diversas
alternativas, a nível econômico, social, político, cultural, de ócio, etc. Pois
bem, com as escandalosas desigualdades econômicas, alguns podem quase todo
mentes que outros quase não podem quase nada. São liberdades formais fundadas
numa igualdade ante a lei, mas compatível com as maiores desigualdades reais.
Aliás, devemos fugir de associar qualquer valor ético positivo com a democracia
liberal, pois a aspiração á liberdade e igualdade era já o lema da Revolução
Francesa de 1789, mentes que o direito ao sufrágio feminino somente foi
reconhecido na Espanha em 1933, e algo semelhante podemos dizer pelo que afeta á
justiça.
Os
proponentes da moção de Lalim afirmam que “foi precisamente o cristianismo
quem introduz na história, como novidade absoluta, a independência da religião
com respeito ao poder político e vice-versa” e pretendem fundamentar esta
tese afirmação na resposta de Jesus a discípulos dos fariseus, teóricos
representantes do povo, e a partidários de Herodes, simpatizantes da causa
romana, que queriam encerrá-lo numa trampa na que tiver que inclinar-se quer
pelos seus concidadãos que pediam a liberdade nacional frente a Roma, quer pela
potencia imperial Roma em contra dos seus concidadãos. Ele sai da trampa com
uma expressão vazia de contido, mas efetiva e inteligente: “Dai, pois, a César
o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Mt. 22, 21. Dizemos vazia de contido por duas
razões: porque Jesus não concretiza se há que pagar ou não tributo ao César, e,
em segundo lugar, porque não aclara que é o de Deus e que é o do César. Não há
nada nesta resposta tocante ás relações do estado e da igreja, e quando Jesus a
emitiu nem sequer havia Igreja, que nunca existiu em vida de Jesus, senão que
foi fundada após a sua morte.
Tampouco
a Igreja pretendeu nunca basear a sua doutrina ao respeito nesta resposta de
Cristo, e se alguém afirma tal cousa teria que defender também que a Igreja foi
radicalmente infiel ao pensamento de Jesus de Nazaré pois sempre defendeu a
tese contrária, e condenou em muitos dos seus textos a separação da Igreja e do
Estado. Como seria prolixo e impróprio dum artigo jornalístico referir-me a
todos eles, vou selecionar alguns, extraídos do Denzinger, que considero
significativos, e estou disposto a completar-lhe a informação a aquele que o
deseje.
A Igreja, na Encíclica Quanta Cura, do papa Pío
IX de 1864, defendeu que o Estado não pode ser governado independentemente da
religião e não pode destruir-se “aquela mútua união e concórdia de desígnios
entre o sacerdócio e o império, «que foi sempre fausta e saudável o mesmo á
religião que ao Estado»”, (1688) e condenou aos que “contra a doutrina
das Sagradas Letras, da Igreja e dos Santos Padres, não duvidam em afirmar que «a
melhor condição da sociedade é aquela na que não se lhe reconhece ao governo o
dever de reprimir com penas estabelecidas aos violadores da religião católica,
senão enquanto o exige a paz pública»” (1689). A denúncia contra Rita
Mestre entra dentro deste suposto de conivência entre a sacerdocio e o poder
político, pois realiza-se de acordo ao artigo 208 do Código Penal que castiga a
ofensa aos sentimentos religiosos, e amparando-se nele setores clericais
intentaram que fosse condenada por profanação do espaço religioso uma moça que
aos 18 anos se manifestou pacificamente e numa causa justa para pedir a separação
da Igreja e do Estado.
O
mesmo papa condenou no Silabo também de 1864 aos que afirmam que “na nossa
idade não convém já que a religião católica seja tida como a única religião do
Estado, com exclusão de qualquer outra. De ai que louvavelmente se tem provido
por lei nalgumas regiões católicas que os homes que lá migram podam exercer o
seu próprio culto qualquer que for”” (1777-8). Ou seja, que isso de
liberdade de cultos nada, religião católica que queiras que não. Creio que é um
novo objetivo que os proponentes devem formular, porque estão convencidos de
que a religião católica é a única democrática.
O
papa Leão XIII na Encíclica Inmortale Dei,. De 1885, reitera uma condena
de Gregório XVI de 1832, contra os que dizem que “cada um pode julgar da
religião o que melhor lhe acomode, que ninguém tem outro juiz que a consciência;
que é ademais lícito publicar o que cada um sinta” (1867). Ou seja, que
cada um de nós não podemos pensar da religião o que consideremos oportuno, senão
que a única instituição autorizada para fazê-lo é a própria Igreja. O mesmo
papa na Encíclica Vehementer Nos, dirigida ao povo de França em 1906
expressasse veementemente a respeito da relação da Igreja e do Estado com ocasião
da lei que estabelecia o laicismo na França. “Nos, pela suprema autoridade
que de Deus temos, reprovamos e condenamos a lei sancionada que separa da
Igreja a República Francesa, e isso pelas razões que temos exposto: porque com
a maior injúria ultraja a Deus, de quem solenemente renega, ao declarar por
princípio á República isenta de todo culto religioso; porque viola o direito
natural e de gentes e a fé pública devida aos pactos; porque se opõe á
constituição divina, á íntima essência e á liberdade da Igreja, porque destrói
a justiça, conculcando o direito de propriedade legitimamente adquirido por
muitos títulos e até por mútuo acordo, porque ofende gravemente a dignidade da
Sé Apostólica, a nossa pessoa, a ordem dos bispos, o clero e os católicos
franceses. Portanto, protestamos com toda veemência contra a apresentação,
aprovação e promulgação de tal lei e testificamos que nada há nela que tenha
valor para debilitar os direitos da Igreja, que não podem cambiar por nenhuma
força nem atropelo dos homes”, (1995) Desde logo, aos concelheiros de Lalim
que impulsaram a moção de aconfessionalidade do Concelho já podem temer o que
lhes espera, e podem ter claro que os seus múltiplos pecados somente se podem
curar com a pertinente retificação, penitência pública vestidos com sacos, rezo
diário ás seis da manhã de litanias a todos os santos e santas de Deus e
propondo uma reforma constitucional na que a religião católica se declare
religião oficial do Estado per saecula saeculorum e estatua que se castigue
devidamente a todos os desviantes ideológicos em temas religiosos. Amem
A
respeito da reforma constitucional da que tanto se fala, e na que alguns
pretendem introduzir a derrogação do Concordado entre a Igreja e o Estado, convênio
que inclui o compromisso unilateral do Estado de favorecer a Igreja Católica
com toda uma série de privilégios, especialmente de caráter fiscal, sem
compromisso nenhum por parte da instituição eclesial, que tenham presente que o
papa Pio IX condenou no Silabo de 1864 aos que afirmam que “O poder Laico
tem autoridade para rescindir, declarar e anular –sem o consentimento da Sé
Apostólica e até contra as suas reclamações- os solenes convênios (concordados)
celebrados com aquela sobre o uso dos direitos relativos á imunidade eclesiástica”
(1743).
Pelo
que levamos dito, parece que alguns defensores da conivência Estado -Igreja,
ou, noutros termos, da espada e da cruz, não estão mui bem informados quando
afirmam que a Igreja introduziu como novidade histórica a sua separação a
respeito do Estado, e queda-lhes agora reconhecer que esta maridagem lhe
acarretou grandes benefícios á instituição eclesial a expensas do dinheiro dos
contribuintes. O Estado também sai beneficiado porque acha na Igreja um modelo de exercício
do poder dum modo piramidal, hierárquico, autoritário, e que goza da benção
divina, fator importante para garantir a sua estabilidade, dota-se duma ajuda
inestimável para conseguir o assentimento, a adesão e a submissão popular e dum
modelo de discurso único que fomenta a homogeneidade social, ainda que seja á
custa dum empobrecimento da criatividade intelectual e artística e da
pluralidade social, permite-lhe contar aos partidos conservadores com um
celeiro de votos garantido para aceder ou manter-se no poder, e, finalmente,
apresenta um conceito do perdão lapso e confidencial que lhe permite enviar ao
céu aos maiores criminais com rezar uns quantos pais nossos.
A respeito da liberdade individual, da que dizem os proponentes que se vê afetada, cumpre dizer que é verdade, mas incompleta, porque toda norma limita certas liberdades para garantir outras, como, por exemplo um passo de zebra sem semáforo elimina a minha preferência de passo como condutor de veículo, mas dá-lhe o direito de preferência a um peão; uma manifestação autorizada ou um evento esportivo, podem-me impedir circular pelas vias afetadas, mas garante o direito de manifestação aos que solicitassem, e assim nos demais casos. Isto põe de relevo que a liberdade não consiste em fazer todo o que um quer, senão realizar certos atos dentro duma ordem. No caso da norma que proíbe a não assistência a atos religiosos em qualidade de membros da corporação municipal, impede que ninguém o faça em qualidade de tal, mas garante que todos se sintam representados pelo seu alcaide e concelheiros. Tocante aos ateus, dos que se fala com desprezo na moção revogatória, creio que têm os mesmos direitos que os demais a estar representados, e, por outra parte, representam uma percentagem em Europa dum trinta por cento, quantidade nada desdenhável. A alternativa a isto seria a carência de normas e, por tanto, a anomia social que se traduz em dis-sociedade. Aliás, neste caso não se trata de limitar a capacidade duma pessoa a nível individual, senão como membro duma corporação, o qual é totalmente lícito sempre que se faça por uma ordem que foi tomada legitimamente, e, num sistema democrático, também democraticamente.
A respeito da liberdade individual, da que dizem os proponentes que se vê afetada, cumpre dizer que é verdade, mas incompleta, porque toda norma limita certas liberdades para garantir outras, como, por exemplo um passo de zebra sem semáforo elimina a minha preferência de passo como condutor de veículo, mas dá-lhe o direito de preferência a um peão; uma manifestação autorizada ou um evento esportivo, podem-me impedir circular pelas vias afetadas, mas garante o direito de manifestação aos que solicitassem, e assim nos demais casos. Isto põe de relevo que a liberdade não consiste em fazer todo o que um quer, senão realizar certos atos dentro duma ordem. No caso da norma que proíbe a não assistência a atos religiosos em qualidade de membros da corporação municipal, impede que ninguém o faça em qualidade de tal, mas garante que todos se sintam representados pelo seu alcaide e concelheiros. Tocante aos ateus, dos que se fala com desprezo na moção revogatória, creio que têm os mesmos direitos que os demais a estar representados, e, por outra parte, representam uma percentagem em Europa dum trinta por cento, quantidade nada desdenhável. A alternativa a isto seria a carência de normas e, por tanto, a anomia social que se traduz em dis-sociedade. Aliás, neste caso não se trata de limitar a capacidade duma pessoa a nível individual, senão como membro duma corporação, o qual é totalmente lícito sempre que se faça por uma ordem que foi tomada legitimamente, e, num sistema democrático, também democraticamente.
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