O liberalismo é a
ideologia do capitalismo que eclodiu com a Revolução Francesa de 1789, na que
os setores progressistas das sociedade a essa altura, os burgueses e os proletários,
logram desbancar a nobreza latifundiária e alcançar o poder político, além do
econômico. Uma vez consolidados os logros da Revolução, a burguesia prescinde
dos seus companheiros de viagem, os proletários, e impõe-se como poder e
ideologia única sobre toda a sociedade. Para contra-arrestar esse poder
omnímodo, da burguesia, que equivale a dizer dos capitalistas, os setores
progressistas, de tendência marxista, desencadeiam a revolução proletária de
outubro de 1917, que exerceu uma influência enorme na sociedade e logrou que os
oligarcas tivessem que aceitar no século XX o Estado do Bem-estar, que
pretendia ser uma síntese entre o capitalismo e os setores mais desfavorecidos
da população, que lograram ter jornadas de trabalho racionais, vacações
pagadas, pensões de jubilação, viuvez e orfandade, seguros sociais contra o
azar da fortuna, sanidade e educação universais, direitos individuais
reconhecidos formalmente embora muitas vezes não se pudessem viabilizar, o
parlamentarismo como câmara de representação da cidadania, etc. Aqui, sobre
todo, o que nos interessa é o liberalismo econômico, e a democracia liberal.
Algumas das principais caraterísticas do liberalismo são:
a) Propriedade privada
dos meios de produção e consumo
b) Livre iniciativa
privada que véu romper o corpete que espartilhava a economia gremial.
c) Estado mínimo ou
Estado gendarme, que devia limitar as suas funções a proteger a segurança dos
cidadãos.
d) Igualdade ante a
lei, compatível com as desigualdades sociais com conseqüência da propriedade
privada e livre iniciativa.
As conseqüências do
liberalismo econômico foram o estabelecimento de condições de trabalho
infra-humanas. Os trabalhadores, incluídas as mulheres e meninos, eram
obrigados a vender a sua força de trabalho numas condições indignas:
salários misérrimos, despido totalmente livre e gratuito, jornada laboral
mínima diária de 14 horas para os homes e de 12 a 14 para as mulheres e os
meninos, incluídos sábados e domingos, carência de segurança social de nenhuma
classe, vacações nem jubilações. Como podemos observar, a esta situação é a que
nos está conduzindo nos nossos dias a oligarquia, numa sociedade muitíssimo
mais rica que a do século XIX.
A democracia, como
é bem sabido, tem a sua origem em Grécia, e tem como traço mais caraterístico
que as decisões mais importantes são tomadas pelo povo reunido em assembléia
que pode decidir de todo sem limitações. Os indivíduos não têm garantido nenhum
direito individual por acima da vontade geral do povo no seu conjunto. Nisto diferencia-se
a democracia grega da democracia liberal que tem que respeitar os direitos
fundamentais individuais reconhecidos nos códigos principais de direitos.
Segundo Ortega e
Gasset dá-se um conflito entre liberalismo e democracia, porque esta é uma
solução ao problema de quem deve mandar, enquanto que o liberalismo, mais
importante para ele que a democracia, diz que mande quem mande, ninguém poderá
mandar sobre o que há em mim de inalienável. O
absolutismo e o liberalismo são duas respostas antagônicas á pergunta sobre os
limites do Poder. O Poder soberano, de extensão ilimitada, é característico da
mais pura democracia, e que, por ser só democracia, é antiliberal. Esse “Poder
soberano ilimitado foi sempre o constituinte da pura democracia -que não é a nossa:
a nossa é liberal”
Não é surpreendente
a falta de apego democrático num ideólogo espanholista que defendeu a
escravidão como uma das maiores conquistas da humanidade, a guerra de Marrocos,
a ditadura de Primo de Rivera, a guerra civil espanhola, contemporizou com a
ditadura de Franco, apoiou os estatutos de autonomia incluso pela força ao
tempo que participava em manifestações contra o Estatuto catalão, e evitou que
Espanha se convertesse numa República Federal no ano 1931. Com todo, neste ideólogo
espanholista, também eram circunstanciais as suas convicções liberais, pois
para ele a liberdade, princípio básico do liberalismo, e “a democracia tem que determinar-se em vista das demais necessidades do
Estado e não descolgando-se de princípios abstratos”. O próprio liberalismo
ao igual que a democracia, deve ser reduzido a um mínimo. Não surpreendem estas
declarações em que foi um dos ideólogos principais da Falange de José Antônio
Primo de Rivera, e com uma volubilidade nas convicções que o levou a cambiar de
parecer tanto como se cambia de traje, se não se tem um vestiário tão surtido
como o de Corina Aquino; por isto surpreendeu-me quando já faz vários anos,
Felipe González afirmara que hoje necessitávamos outro Ortega para analisar a realidade
espanhola, que indicava claramente que não lera a este autor. Também me
surpreendeu que alguém fizer um trabalho laudatório sobre Ortega como máximo
filósofo espanhol, e que ao fazer-lhe observar o que escrevi acima,
respondeu-me: eu fixem-no assim porque é o único filósofo que temos, ou seja,
por louvor patriótico. Ortega si foi um bom escritor e teorizador político, um
filósofo mui medíocre e um mal político, apesar do apoio do seu pai, que era o
diretor do jornal mais importante da Restauração, o Imparcial, que punha e
sacava governos; a sua memória é conservada principalmente pelo jornal El Pais.
Isto indica que o autor do trabalho citado não seguia o lema aristotélico:
«Amicus Plato, sed magis amica veritas» (amigo Platão, mas mais amiga a
verdade).
Vicente Risco
critica a opinião de Ortega de que são realidades antitéticas e de distinta
procedência. O liberalismo, de procedência germânica
medieval, significa direitos individuais, mentes que a democracia, de origem
greco-romano, significa governo do povo. A democracia responde á pergunta sobre
quem deve exercer o Poder público, e assigna esta função á coletividade; em quanto
que o liberalismo, responde á pergunta de quais devem ser os limites do Poder
público, e responde que não pode ser absoluto senão que existem direitos
individuais prévios que tem que respeitar.
Risco responde que pensa que não há home consciente da sua dignidade que
esteja disposto a renunciar aos direitos individuais, próprio do liberalismo, e
tampouco ao direito a escolher aos governantes, que é a democracia. Ora bem,
unha cousa é que um considere pertinente corrigir a democracia com uma certa
dose de liberalismo, de direitos individuais, para não abocar no absolutismo, e
outra distinta que não exista uma tensão entre ambos conceitos, tal como
afirmava Ortega. Porém, a conclusão de Risco é que a democracia não se opõe essencialmente
ao liberalismo, senão que é um sistema de defensa das liberdades. "Não
há contradição interna no sistema liberal-democrático”
Uma vez que o
sistema econômico implantado na URSS a partir de 1917 se véu abaixo em 1989,
ficou o liberalismo como única alternativa, e, a partir de finais da década dos
oitenta do século XX, os oligarcas consideraram que é o momento de desmantelar
o Estado do bem-estar que se criou nas sociedades ocidentais avançadas, com o
objetivo de que o dinheiro que se vinha empregando para este cometido seja
apropriado pelos oligarcas para assim incrementar o seu patrimônio. Estamos no
momento de apoteose do liberalismo do século XIX redivivo, que, de ser uma
parte importante da sociedade, encarregada de promover riqueza e prosperidade
por meio da criatividade e a iniciativa privada, se converte no todo social,
que afoga todas as iniciativas que se oponham ao seus desígnios e a todas os
demais classes sociais, e, mui especialmente ás trabalhadoras.
Os métodos que utilizam para realizar esta apropriação
são:
a) A globalização do
capital que se converte em transnacional e investe ali onde obtenha mais
benefício sem importar-lhe para nada as considerações patrióticas, porque a sua
pátria verdadeira é o incremento constante da acumulação de dinheiro, e, por
tanto, a propriedade privada em benefício próprio.
b) Os tratados
internacionais, como TTP, CETA, TTIP, etc., que limitam a capacidade de tomada
de decisões dos governos, conculcando a soberania nacional. Deste modo, o
Estado que tem como principal atributo distintivo a soberania fica despossuído
dela e os seus órgãos de governo limitam o seu labor a converter-se em gerente
dos capitalistas. Esta limitação da soberania nacional tem como conseqüência a
anulação da democracia, porque os cidadãos somente podem eleger representantes
sem poder real. Esta democracia deturpada e impotente serve perfeitamente para
justificar o seu sistema de dominação porque evita os sobressaltos ligados a um
domínio no que se fizer mais patente a imposição.
c) A engenharia fiscal
que limita a percentagens irrisórias o seu contributo dos grandes oligarcas aos
serviços públicos, e, por acima o fazem legalmente e, por tanto, com a
conivência dos governos que não fazem nada para remediá-lo.
d) Os paraísos fiscais
com a finalidade de salvaguardar o fruto do espólio acumulado durante a sua
atividade extrativa. A sua existência é devida á falta de vontade política dos
governos para acabar com eles, porque os políticos são os gestores do capital e
têm interesse em manter esta situação tal qual. E quando deixam este cometido,
passam a ocupar postos de assessoramento e de conselheiros nos Conselhos de
Administração das multinacionais, e retribuídos generosamente em compensação
dos serviços prestados e que lhe prestarão com a sua capacidade de influência
antes as administrações. O de gestores do capitalismo parece que devemos
matizá-lo trás a vitória de Trump e os informes sobre o seu governo e afirmar
que são os mesmos oligarcas quem ocupam diretamente os postos governamentais. O
efeito combinado da engenharia fiscal e dos paraísos fiscais é que não há
dinheiro para a sanidade, educação e pensões, numa sociedade muito mais rica
que em nenhuma época anteior.
e) Controle dos
sistemas de informação, opinião e persuasão, salvo alguns meios de mui limitada
incidência e, em parte, as redes sociais, por onde lhe vêem alguns rompe
cabeças que intentam, na medida do possível, contra-arrestar. Desta arte,
garantem não só ter o poder econômico, e, por tanto, também político, senão
também dispor de porta-vozes que bendigam o seu sistema de dominação e de
narcotização da sociedade. Os grandes grupos oligárquicos dispõem de Think
Tanks, ou seja, de laboratórios de estudo e idéias mais potentes muitas vezes que
os mesmos governamentais, com o cometido de investigar o modo de
acrescentamento da extração e drenagem dos recursos dos cidadãos em benefício
próprio. Uma das idéias postas em prática foi a do Conselho Empresarial da
Competitividade, formado por uns 15 plutocratas mais representativos, que
pretendiam atuar como uma terceira câmara, além do Congresso e do Senado, a
câmara da Plutocracia. Não saiu, entre outras cousas, porque se lhe via muito o
plumeiro, e, no mundo dos negócios, é muito melhor passar o mais despercebido possível.
Limitam o seu labor a aconselhar-lhe aos governos de turno por onde devem ir as
cousas, para que as cousas vaiam bem para os seus interesses, que procuraram
que sejam identificados com os do país.
f) A prevalência dos
grupos de poder oligárquico sobre os interesses gerais da cidadania, do qual
provém que se favoreça: a) aos fabricantes de armas que darão lugar á carreira
armamentista e ás guerras; b) os combustíveis fósseis, causantes do câmbio
climático; c) a atuação irresponsável dos setores financeiros, que obrigarão a
cidadania a custear o seu resgate.
Na União Européia,
o déficit democrático ainda é maior, porque as decisões não são tomadas pelos
representantes elegidos pelos cidadãos senão pelos Chefes de Estado e de
Governo dos países da EU, cada um dos quais somente representa aos seus
concidadãos, e, por tanto, terá que assumir o que os demais decidam ainda que
contradiga o seu programa eleitoral. Em realidade, como muitas das decisões se
tomam por maioria e não por unanimidade, os países pequenos vem reduzido o seu
rol a atuar de comparsas dos grandes, em especial de Alemanha, que, como é quem
tem mais poder por ter mais população e ser quem mais acarreta ao orçamento
comunitário, pode impor, a grande maioria das vezes, as suas teses aos demais.
A Comissão, também elegida indiretamente pelos cidadãos, praticamente reduz o
seu rol a executar as decisões dos Chefes de Estado e de Governo, sem poder
real de iniciativa, como se demonstrou bem claramente na crise dos refugiados.
No hay comentarios:
Publicar un comentario