O Governo e os partidos políticos
da grande coligação estão preocupados pela questão catalã, que eles mesmos
criaram, que tem difícil solução pela falta duma autêntica vontade política e
por uma inércia operativa renitente a qualquer câmbio real no status dos povos
que se auto-definem em maior ou menos grau como nações. O PP entra em crise
quando ouve que qualquer destes povos se declara uma nação, porque, como já diz
a imutável CE somente existe a nação espanhola, e um texto legal circunstancial
é suficiente para matar a mesma realidade viva e operativa; o PSOE pretende
resolvê-lo com um câmbio léxico e/ou desvirtuando a noção de nação, e C’s fez
da hostilidade cara aos naionalistas e as suas reivindicações a sua razão de ser.
Hoje vou intentar analisar a proposta do PSOE.
Como é sabido, este partido
defendeu historicamente o direito de autodeterminação dos povos, mas agora
pretende condená-lo como o maior dislate que poda proferir qualquer adversário
político, fazendo honor ao «español» do seu logotipo. Este direito é uma
propriedade fundamental dos povos que se declaram nações. Creio que devemos começar
a análise esclarecendo o conceito de nação, sobre o qual há muita confusão e
diversidade.
O facto nacional apresenta-se sob
modalidades muito diversas. Há estados que se correspondem com uma nação, ex.:
Holanda; e estados com várias nações, ex.: Bélgica, França, Reino Unido, Rússia,
Suíça, etc. Nações divididas em dous estados, ex.: Coreia, Alemanha antes da
reunificação. Nações com vários estados: U.S.A., Alemanha, etc. Nações
repartidas em distintos Estados, ex.: os curdos, repartidos por Irão, Iraque,
Turquia, Síria, Transcaucásia, etc.; a nação palestina, que esteve repartida pelo
Líbano, Jordânia, Tunísia, etc.
A nação foi definida pelo
professor de Filosofia do Direito, o cacerense J. Delgado Pinto "como a
comunidade humana estável que, em base a uma série de vínculos objetivos naturais
e culturais, adquire consciência da sua singularidade respeito doutras
comunidades históricas similares e tende a desenvolver uma vida política autônoma"
(Nación em Gran
Enciclopedia Rialp, Tomo 16, Madrid
1973, pp. 537-9). Esta definição dum autor nada suspeitoso de nacionalismo periférico,
creio que contêm os ingredientes necessários e suficientes do conceito de nação.
Toda nação é uma comunidade dotada de certa estabilidade no tempo que ultrapassa
a vida dos indivíduos que a compõem; é um sócio-sistema, um sistema sociológico,
quer dizer, uma estrutura social com partes interdependentes e hierarquizadas,
que não se reduz a um conjunto de partes ou elementos constitutivos. Dá-se no
grupo uma certa coesão social, que o dote do caráter de povo com certa homogeneidade
interna entre os conterrâneos, ou seja, o conjunto de vínculos objetivos
naturais e culturais, de que fala Delgado Pinto, e o diferencie doutros sócios-sistemas,
diferença que pode residir na língua, cultura, tradições, história, religião,
economia, etc., Toda nação tem que ter pelo menos um, se bem pode ter vários ou
todos estes elementos nacionalitários. Tem também que ter consciência da sua
especificidade, toda nação tem que ser uma etnia, ou seja, um grupo que é
percebido como distinto dos demais e os demais os sentem como distinto por
razões culturais, entendidas num sentido amplo. Mas uma nação não se reduz a
uma etnia ou a uma nação cultural, como propõe o PSdG, porque falar de nações
culturais é vaziar de contido o contido específico do conceito nação, que é,
desde o momento em que surgem em Europa as nações, que é com a Revolução
Francesa, o seu componente político, que não é outra cousa que o direito a
poder decidir o seu autogoverno e as relações que mantêm com os outros povos. Para
que um povo alcance a categoria de nação e não ficar em simples etnia, tem que
estar revestida de caráter político, e a divisão das nações em culturais e
políticas é um invento dos nacionalistas espanhóis, tão propensos a deformar a
realidade e recorrer aos eufemismos. Este direito de autodeterminação não é
equivalente ao de independência, senão que somente implica que um povo é uma pessoa
coletiva que quer viver uma vida de seu, quer seja dum jeito autônomo, soberano
ou independente. O que decida vai vir condicionado pelas sua percepção da
realidade política e das vantagens e desvantagens que a vida em comum lhe
apresenta.
Muitos intelectuais e políticos
espanhóis defendem que Espanha é a primeira nação européia, pois já se teria
constituído como tal dizem- durante o reinado dos Reis Católicos, e, por tanto,
na segunda metade do século XV, mas isto é totalmente inaceitável, pois
confunde o surgimento dos Estados com o surgimento das nações, que são
realidades totalmente distintas. A essa altura, a nação significava o lugar de
nascimento, e assim era utilizado este vocábulo quando se referiam ao
agrupamentos dos estudantes nas universidades européias. Na universidade de Bolonha
os alunos agrupavam-se em quatro nações: Lombardia, Toscana, Roma e
ultramontanos. Na de Paris, agrupavam-se nas de França, Picardia, Normandia e Germânia.
O cronista dos Reis Católicos,
Zurita, falando da Galiza escreve: "Naquele tempo começou-use a domar
aquela terra de Galícia, porque não só os senhores e cavaleiros dela pero toda
a gente daquela nação, eram uns contra outros mui arriscados e guerreiros"(S.G., 374). Neste sentido também o
utilizavam na Espanha os escritores Cervantes, Lopes de Veja e Gracião, etc.
Por tanto, ainda muito tempo após os Reis Católicos, o único sentido da palavra
nação era o de lugar de nascimento. Mas há outra razão pela qual não se pode
considerar que existiam a essa altura as nações. O rei era, pelo menos até a
Revolução Inglesa de 1688, o autêntico e único soberano que decidia de jeito omnímodo
dos destinos e partição do país. Para que exista nacionalismo e, por
conseguinte nação, é mester que os destinos do país sejam assumidos pela
comunidade dos cidadãos, que a maioria decida ostentar a soberania, despojando
de tal prerrogativa ao monarca, situação que se produz, a respeito de Holanda e
Inglaterra no século XVII, e no século XVIII, pelo que se refere ao continente
europeu, no que jogará um papel difusor mui decisivo a Revolução Francesa. Como
afirma H. Kohn "O NACIONALISMO, tal como o entendemos nós, não é
anterior aos últimos cinqüenta anos do século XVIII. A Revolução Francesa foi a
sua primeira grande manifestação, dando ao novo movimento unha força dinâmica
crescente” (Historia del
nacionalismo, FCE, Madrid, 1984, p. 17. É impossível que exista nação sem
nacionalistas. A noção de nação está ligada estreitamente á de soberania
popular, ou seja á de legitimação do poder em nome da comunidade, que virá no século
XVII a substituir á legitimação pessoal do monarca. A execução do rei Estuardo
Carlos I de Inglaterra em 1649 por ter atraiçoado ao povo indica que já não se
admite mais legitimação do poder que a que procede da comunidade. Por tanto, a
comunidade ou povo ou nação converte-se na última e decisiva instância
legitimadora do poder político Em França, será a Revolução a que consagrará o
principio da soberania nacional, na Declaração de Direitos do Home e do Cidadão,
que no artigo 3º estatui: "A origem de toda soberania reside essencialmente na
Nação. Nenhum órgão, nem nenhum indivíduo podem exercer autoridade que não
emane expressamente dela”. Falar de nação de nações é um autêntico galimatias
e um sem-sentido, porque se dizemos nação dizemos instância suprema de
legitimação do poder político, se lhe acrescentamos, nação de nações, estamos
defendendo que somente a nação, neste caso Espanha, legitima o seus poder pela
comunidade, enquanto que as nações ficam desprovidas dessa instância
legitimadora.
A nação não é, como pretendem alguns
autores contemporâneos, um mero referente imaginário para o nacionalismo, nem um
mero elemento mítico, como afirma Miller, senão que é unha realidade viva na
que um sócio-sistema diferente dos demais assume reivindicações políticas. É
evidente que também existe um componente imaginário e mítico, tanto nas nações
reconhecidas como nas nações negadas que se pode traduzir numa magnificação do
passado ou numa projeção ideal dum futuro de maior prosperidade e bem-estar.
A nação somente existe por obra e
graça dos nacionalistas, que são quem inoculam no corpo social a consciência
nacional, em luta dialética tanto com os setores exteriores como contra a
resistência interior dos elementos que apóiam o statu quo de subordinação a
poderes alheios á própria nação. Como diz Recalde, o nacionalismo "concretiza
como nações certas coletividades", que não existem como nações senão
por obra do nacionalismo, que, deste jeito, precede á nação, a qual, não
obstante, é unha comunidade real e não meramente fictícia. A ideologia nacionalista,
que dá contido á consciência nacional, alvorecer dum espertar coletivo, alimentar-se-á
com argumentos econômicos, que acentuem a marginação que produze na própria
nação a convivência estatal; políticos, por considerar que os
connaturais não devem ser mandados por pessoas extra-comunitárias por ser eles
quem melhor conhecem e podem dirigir o país; culturais, por ver como a sua
língua e cultura são desprezadas e deslocadas por outra língua imposta pela força
coativa do poder político, afogando e impedindo a vida e normal difusão do próprio
engenho criativo; sociais, ao constatar a desaparição das formas próprias
de regulação social, etc.
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