Rodeio com aspas o nome deste
partido para sublinhar que considero que não é um nome galego autêntico, senão um
galego deturpado que comumente se chama castrapo, o qual não é outra cousa que
uma mistura de expressões galegas com castelhanas. É uma pena que tendo
popularizado Cristina Senlle os seus Cantos na Maré não se seguisse já uma
grafia que está muito bem aceitada popularmente, ainda que a fala popular
normalmente utiliza «Marea», mas também no
ano 1970 todos os galegos utilizavam expressão popular «pueblo», que hoje consideraríamos anômalo. Uma observação semelhante se pode
fazer a respeito do «Bloque», pois ainda
que neste caso está consagrado por um uso dilatado, a opção desta força na
atualidade polo reintegracionismo deveria propiciar um câmbio deste nome polo
de Bloco.
Contudo,
isto só é um inciso porque do que me proponho falar não é do nome senão do devir
da formação política «Em Marea», um produto híbrido mistura de nacionalismo galego e nacionalismo espanhol. Os partidos que se
integraram nela, Anova, IU e Podemos basicamente concordam no modelo de
sociedade, pois os três são de esquerda rupturista, mas divergem no modelo de
estado, ou seja, no status político que cada um deles demanda para Galiza, que
vai desde o independentismo, como é o caso de algumas formações integradas em
Anova, como a Frente Popular Galega, ao federalismo como é o caso de todas as
demais formações. O tipo de federalismo não o explicitam, que eu saiba, e,
portanto, não sabemos qual vai ser o grau de ruptura com o caduco sistema da
transição do 78. Já sabemos como o Castelao se opunha a um federalismo que se
reduza a chamar-lhe estados federados ao que hoje são as autonomias, porque,
segundo ele, isso implicaria multiplicar a nação espanhola, dando-lhe uma
representação e um poder que não se correspondem com o peso que deveria ter na
futura federação. O PSOE, que se proclama agora seguidor de Castelao, deveria
inspirar-se também nisso e evitar que a qualquer demanda de autonomia respondam
os barões dos territórios mais espanholistas que não consentirão nenhuma
discriminação.
O compromisso dalguns dos membros da
formação IU com o direito de autodeterminação pôs-se de manifesto com as
declarações de Alberto Garzón nas que se opõe ao referendo catalão. "O referéndo do um de outubro não soluciona
nada e, portanto, não o podemos apoiar". Fixemo-nos que não recorre ao
consabido tópico de que é ilegal senão que não soluciona nada, pretexto que também
se pode aplicar no futuro a qualquer referendo ainda que seja legal, e quem
decide se soluciona algo ou não são os partidos espanholistas governantes na
capital do Estado que consideram Espanha como o seu patrimônio e ao único que
estão dispostos é a tolerar de má ganha a uns inquilinos molestos como são para
eles os nacionalismos periféricos. Ele prosseguiu
declarando que “por solidariedade creio
melhor uma República Federal e o direito autodeterminação expressado com
garantias”. Suponho que nisto coincidiram praticamente todos os que são
autenticamente democratas, incluídos os nacionalistas, ainda que não seja
prioritariamente por solidariedade por não ser esta o fim dum partido político,
senão por conveniência, se se faz por pacto livre, mesmo para o interesse dos
povos respetivos, mas a questão não é o que um deseja em abstrato, senão o que
se pode fazer num momento concreto e o que não aclara o Sr. Garzón é como se
consegue todo isto, que, em todo caso, estaria subordinado a que se consiga:
que cambie na Espanha o modelo de estado e se implante a república, opção à que
se opõe tanto o PSOE como o PP e C’s; em segundo lugar, que se pactue que essa
república seja federal, alternativa à que se opõe frontalmente o PP, mas si
coincidem, com a esquerda rupturista, o PSOE e C’s, se bem parece que só
nominalmente, quer dizer na decisão de chamar-lhe federal ao que não é mais que
outro sistema autonômico mais ou menos disfarçado. Mas o problema não é nominal
senão principalmente de competências e garantias, e qualquer pode ver que o
trajeto que se pode andar com qualquer destes partidos, especialmente com o
xenófobo C’s é bem curto como se comprova com as suas manifestações quotidianas;
e, em terceiro lugar, que essa república esteja de acordo em convocar um
referendo de autodeterminação para Catalunya para que tenha todas as garantias,
solução à que se opõem tanto o PP como o PSOE e C’s. Em realidade estes
pretextos mais bem parecem desculpas de mal pagador e o que escondem no fundo é
uma grande renitência a que os povos se expressem livremente. Essas proclamas
verbais que faz por vezes a esquerda espanhola parece que só pretendem garantir-se
o apoio imediato dos provincianos e deixar a solução do problema da reordenação
territorial ad calendas grecas. Lembremos que já IU urgia que se priorizasse o
problema social, ou seja, o seu interesse como esquerda, sobre o problema
nacional antes de fundar-se AGE, e, surpreendentemente, acederam a isto incluso
os dirigentes da FPG, como se houver que optar entre montar a cabalo e
assobiar.
Recordemos também que esta formação
foi a substituta de AGE, um experimento com um notável êxito eleitoral nas
primeira eleições às que se apresentou mercê em grande parte à personalidade
carismática do Beiras. Os promotores da criatura, Anova e IU, consideraram
fracassado o invento trás uma curta singradura, corroída por dissensões internas
que se saldaram com várias cisões parlamentares. Os ostentosos abraços do
Beiras com a Yolanda Díaz dos inícios da travessia foram sucedidos por azedos
reproches ao final do cruzeiro. O labor do grupo reduziu-se a alardes
estridentes de gesticulação teatral no Paço do Hórreo. Uma vez fracassada a AGE
havia que substituí-la por algo distinto e consideraram que o salva-vidas viria
da mão duma formação à essa altura em ascenso acelerado como era Podemos, que
viesse dar-lhe oxigênio a uma desacelerada IU e aos debilitados
nacional-esquerdistas de Anova, e isto deu como resultado «Em Marea». Na Galiza criou uma dose de
otimismo e esperança em muitas capas da população, mesmo entre os
nacionalistas, por crer que seria quem de aglutinar a cidadania num projeto
ganhador que lhe reconhecesse ao nosso país o direito de autodeterminação e
muitos nacionalistas consideraram que havia que defenestrar ao elanguescente
BNG e subir-se ao novo salva-vidas que nos lançavam os podemitas
capitalinos.
Pessoalmente
nunca comparti semelhante ola de entusiasmo porque sempre considerei que
ninguém nos vai dar nada regalado por muitas galantarias com as que se adube,
como no-lo fez ver o processo de emancipação das mulheres, dos negros, dos
escravos, dos homossexuais,... que nunca lograriam os seus objetivos se fiassem
no apoio dos homes, dos brancos, homes livres e heterossexuais. Sempre
considerei que o nacionalismo espanhol, seja de direitas ou de esquerdas, nunca
vai propiciar um câmbio que implique maiores quotas de autogoverno dos povos
submetidos do Estado espanhol, salvo se estes povos têm a força suficiente para
obrigar a que sejam tidos em conta. Tenhamos presente que o nacionalismo
jacobinista do PSOE foi quem participou em 1982, junto com a UCD, na aprovação
da LOAPA que vinha a mutilar os já raquíticos estatutos de autonomia e
submetê-los ao ditado dos partidos espanholistas com objeto de fazer-lhe um
aceno aos setores golpistas. A prova é que em agosto de 2015 escrevia: “Apelar á candidaturas de unidade popular, onde a cidadania seja a
principal impulsora do processo e os partidos, os motores auxiliares, parece-me
que é uma burla e um insulto a esta mesma cidadania. Estes dias estamos
presenciando uma atitude pedinchona e os abraços do Beiras com os
representantes dos partidos espanholistas de esquerda para que acedam a pautar
com ele uma candidatura de unidade popular, e estava sumamente preocupado
porque o Pablo Iglesias lhe propunha uma saída que seria uma humilhação pública
do líder de Anova ante as suas hostes reduzindo-o a sacristão do grande
sacerdote madrilenho, convertido no galo do poleiro, impondo a sua marca
Podemos como nome da candidatura, seguido doutra cousa, porque os galegos
devemos ficar reduzidos a «outra cousa». O Beiras, insatisfeito, pugnou
embravecidamente para que na candidatura figurasse «Marés-Podemos», em vez de
«Podemos-Marés», permitindo que o seu grande Chefe madrilenho, dirija o
processo e as políticas”. O recurso à unidade popular ficou
num mero reclamo eleitoral e foi arrombada polos seus mesmos promotores; em si
não é outra cousa que uma enteléquia que, em caso de existir faria
desnecessária a pluralidade de partidos políticos. Tenhamos presente que a
crise de fundo agora com Villares vem precisamente de que os partidos
promotores saíram malparados na confrontação com o porta-voz parlamentar no
Consellho de En Marea, porque precisamente os que montaram a invento e vem como
se lhe escapa das mãos.
A esta altura «Em
Maré» esmorece perante os reiterados ataques dos seus
dirigentes mais mediáticos: Julio Ferreiro, Suárez, Martinho Noriega e Beiras,
e alguns deles, como o Beiras, não se arredam de proclamar aos quatro ventos o
seu fracasso. Agora falam de que necessitam discutir pausadamente o processo,
como se não tivessem tempo de fazê-lo até agora. Isto indica que se vão
ensimesmar em vez de procurar soluções para o país. Vai também acentuar-se a
larvada luta polo poder, que é o que realmente subjaz no fundo, e,
evidentemente, vão-lhe complicar muito mais o liderado a Villares, que é o que,
em realidade se pretende. Apesar do seu êxito eleitoral significativo, ainda
que menor do esperado, o seu futuro é problemático, e não surpreenderia que
haja uma nova reordenação. O problema é agora a credibilidade que têm os que já
fracassaram nos dous intentos anteriores.
Finalmente, quero lembrar uma
chamada à unidade de Rafa Cuiña, alcaide de Lalím, cheira de sensatez e sentido
comum: unamo-nos todos os que pensamos igual. Isto deveria fazer reflexionar a
todo o nacionalismo desde o centro esquerda à esquerda rupturista, para que
façam um esforço e não consumam as forças inutilmente em combater-se entre si,
e por acima coligando-se com formações com as que existe uma disparidade
qualitativa sobre o modelo de estado, que ao único que conduz é a converter o
conglomerado numa gaiola de grilos.
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