A
repressão da leitura da Bíblia durante a época do iluminismo
No
século XVII surge na Inglaterra um movimento intelectual progressista que teve
o seu máximo apogeu na França do século XIX, que se vai converter no epicentro
a partir do qual se vai irradiar por toda Europa. É um movimento que tem
confiança na razão humana, uma razão legisladora na que não existem ideias
inatas. Concede grande importância ao saber, especialmente ao saber científico,
declara-se deísta, ou seja, manifesta a sua crença em Deus, mas rejeita as
religiões positivas, entre elas o cristianismo, que ficam relegadas ao âmbito
privado e concebe a natureza humana como autônoma, independente e imanente.
Surgem também novos movimentos no seio da Igreja que oferecem uma nova
interpretação dos textos bíblicos, da graça, do pecado, da liberdade e da predestinação,
como é o jansenismo. A Igreja católica vai reagir condenando as novas ideias,
ao tempo que renova as condenas antigas, como a da leitura e estudo dos livros
sagrados, com o objetivo de controlar a consciência das pessoas.
A
Constituição Dogmática, Unigénitus, emitida polo papa Clemente XI (1700-1721)
condenou como erros em 1713 várias teses do sacerdote e teólogo jansenista Pascasio Quesnel (1634-1718), defensor das
correntes conciliaristas, ou seja, da superioridade do concílio sobre o papa, e
galicanas, ou seja, a autonomia das igrejas locais face à igreja romana. No
aspeto dogmático e moral as suas teses amostram parentesco com as doutrinas
protestantes. Entre as proposições condenadas figuram as seguintes:
“- É útil e necessário sempre, em todo lugar
e para toda classe de pessoas, estudar e conhecer o espírito, a piedade, e os
mistérios das Sagradas Escrituras.
- A leitura da Sagrada Escritura é para todos.
-
A sagrada obscuridade da Palavra de Deus não é razão para que os laicos se dispensem
de lê-la.
-
O Dia do Senhor deve ser santificado polos cristãos com a leitura de obras pias
e sobre todo das Sagradas Escrituras. É pernicioso para um cristão renunciar a
esta leitura.
- É uma ilusão persuadir-se a si mesmo que o
conhecimento dos mistérios da religião não devem ser comunicados às mulheres
pola leitura das Sagradas Escrituras, não pola simplicidade das mulheres senão
porque do vaidoso conhecimento dos homes surgiu o abuso das Escrituras e
nasceram as heresias.
- Arrebatar das mãos dos cristãos o Novo
Testamento, ou mantê-lo fechado contra eles sacando-lhe os meios de entendê-lo,
é para cerrar para eles a boca de Cristo.
- Proibir-lhe aos cristãos ler a Sagrada
Escritura, especialmente o Evangelho, é para proibir o uso da luz aos filhos da
luz, e para fazer-lhe sofrer uma espécie de excomunhão”1.
Podemos
comprovar que este texto é uma justificação das limitações e impedimentos
impostos pola Igreja à leitura da Bíblia, por parte dos destinatários, que são
todos os fiéis cristãos, e assim mesmo justifica a misoginia ao basear a
proibição da leitura ás mulheres na sua simplicidade. Confirma e justifica o
abuso eclesial de retirar-lhe aos cristãos o Novo Testamento, que se continuou
fazendo até meados do século XX.
O
papa Bento XIV (1740-1758), com data 9/07/1753, publica a constituição
Sollicita ac provida na que regula o exame dos livros sagrados de cara à
autorização da sua leitura e tradução. “Com uma vigilância solícita e
prudente dos romanos pontífices predecessores nossos se cuidaram de afastar os
féis cristãos da leitura de aqueles livros dos que os incautos e simples
pudessem receber algum detrimento, e ser impregnados de opiniões e doutrinas
que se opõem à integridade dos costumes ou aos dogmas da religião cristã. Pois
para remitir-nos ao antiquíssimo decreto
do São Gelásio I, consideramos que ninguém ignora as cousas que foram
executadas diligentemente polos nossos predecessores Pio IV, Pio V e Clemente
VIII, para que recebida uma obra salubérrima polos Padres do Sínodo do
Sacrossanto Tridentino, discutida sem demora, e conduzida quase ao seu fim,
preparando um índice dos livros de leitura proibida e e espalhando-o, não só a
terminaram e aperfeiçoaram, senão que a fortificaram também com sapientíssimos
decretos e regras”2. O papa quer fazer frente às críticas que se vertiam contra os membros da
congregação que decidia acerca da proibição dos livros. “Mas dado que
descobrimos e exploramos que muitas proscrições dos livros, sobre tudo dos que
os autores são católicos, se abduzem alguma vez para repreensão em querelas
públicas e injustas, como se se trata-se aquela cousa temerária e
superficialmente nos nossos tribunais, pensamos que vale a pena, propor por
esta constituição, de valor perpétuo, certas e firmes regras de acordo com as
quais se realize depois o exame e juízo dos livros; ainda que pode afirmar-se
abertamente, que isto mesmo depois de longo tempo se fez constantemente por
essa ou uma razão equivalente”3.
Em
plena eclosão do iluminismo, o O papa Pio VI (1775-1799) promulgou a Constitução
Autorem Fidei no 1794, no período álgido da Revolução Francesa, na que
ratifica a condena contra Pascasio Quesnel: “A doutrina de que «só a
verdadeira impossibilidade» escusa da leitura das Sagradas Escrituras, e de que
por si mesmo se delata o obscurecimento que do descuido deste preceito caiu sobre
as verdades primárias da religião, é falsa, temerária, perturbadora da
tranquilidade das almas, condenada noutro lugar do Quesnel”4. Portanto, ainda que um possa ler as
Escrituras, não passa nada se não o faz e não se produziu nenhum obscurecimento
das verdades religiosas da desídia da leitura da Bíblia. A conclusão lógica é
que Deus perdeu o tempo em inspirar uns livros que são totalmente
prescindíveis.
Século
XIX: incrementa-se a repressão contra a leitura e tradução da Bíblia
O
século XIX vai estar dominado, no eido filosófico, polas correntes idealistas
de tendência fortemente racionalista, que vão ser substituídas pola filosofia
ateia marxista, a irracionalista e ateia de Nietzsche, a evolucionista de
Darwim e Wallace, e a psicanalítica e ateia de Sigmund Freud. Surge também um
movimento filosófico difuso que se conhece com o nome de modernismo, que vai
atirar sobre si as condenas da Igreja. No eido religioso, vai surgir um
movimento crítico de interpretação das Sagradas Escrituras, criam-se as
sociedades bíblicas para a difusão das Sagradas Escrituras que vai concitar
também sobre si as iras do Papado, que se opõe frontalmente a que a Bíblia
esteja a disposição de todo o mundo, e surgem toda uma série de autores muito
críticos com os dogmas eclesiásticos.
Pio
VII (1800-1823), na Carta Magno e acerbo, ao arcebispo de Mohilev, o
3/09/1816, declara: “De grande e amarga dor consumimo-nos, quando soubemos o
pernicioso desígnio, não faz muito tomado, de divulgar correntemente em
qualquer língua vernácula os livros sacratíssimos da Bíblia, com interpretações
novas e publicadas à margem das salubérrimas regras da Igreja, e essas
astutamente torcidas em sentidos depravados”5. O papa amostra um tom apocalíptico para
tentar não perder o controlo da Bíblia e, portanto, das consciências. Se “os
Sagrados Livros se permitem correntemente e em língua vulgar e sem
discernimento, disso ha resultar mais dano que utilidade. Ora bem, a Igreja
Romana que admite só a edição Vulgata, por prescrição bem notória do Concilio
Tridentino, rejeita as versões das outras línguas e só permite aquelas que se
publicam com anotações oportunamente tomadas dos escritos dos Padres e doutores
católicos, a fim de que tão grande tesouro não esteja aberto às corruptelas das
novidades e para que a Igreja, difundida por todo o orbe, seja «dum só lábio e
das mesmas palavras» (Ge. 11. 1)”6. Como vemos, o que pretende a Igreja
católica é impor obsessivamente o pensamento e discurso únicos sob a sua
reitoria. Alude a um suposto dano, mas sem precisar qual é, ao tempo que impõe
o que sempre foi a obsessão da Igreja, o pensamento e discurso únicos, que se
pretende impor não só aos católicos senão a toda a sociedade. “Em verdade,
como na linguagem vernácula advertimos frequentíssimas vicissitudes, variedades
e câmbios, não há dúvida que com a imoderada licença das versões se destruiria
aquela imutabilidade que se refere com os testemunhos divinos, e a mesma fé
vacilaria, sobre todo quando alguma vez se conhece a verdade dum dogma por
razão duma só sílaba”7. A interpretação da realidade por parte da instituição eclesial é
frontalmente oposta à heraclitiano-nietzschiana, que concebe a realidade como
radicalmente mutável e cambiante, conceição que sintoniza muito bem com o que
nos diz a física dos nossos dias a respeito do constante movimento das
partículas. A Igreja, como herdeira do idealismo platônico creia um mundo
imutável de ideias abstratas para reger a nossa realidade, que fica reduzida a
uma sombra imperfeita das ideias. Este argumento que aduz o Papa implicaria que
tampouco os diferentes clérigos, muitas vezes ignorantes, poderiam pregar
porque distorceriam essa unidade. Em última instância, somente poderia pregar o
papa e em latim e os demais nem sequer deveriam pensar senão executar mecanicamente
o que disser o Papa. “Ora bem, se nos doemos que homes muito conspícuos pola
sua piedade e sabedoria falharam não raras vezes na interpretação das
Escrituras, que não é de temer se estas são entregadas para ser livremente
lidas, traduzidas a qualquer língua vulgar, em mãos do vulgo ignorante, que as
mais das vezes não julga com discernimento algum senão levado de certa
temeridade?”8. Se homes muito formados falharam várias vezes na interpretação da
Bíblia, quem nos garante que não falhem os hierarcas nomeados a dedo polo Papa
e incluso o mesmo pontífice interpretem bem as Escrituras, que muitas vezes o fazem em contra do critério de mui
insignes professores que lecionam aulas desta matéria? Pio VII, para ratificar
a validez da sua doutrina, recorre aos documentos repressivos da leitura dos
seus antecessores. “São muito conhecidas as constituições não somente de
Inocência III, que se acaba de mencionar, senão também de Pio IV, de
Clemente VIII, e de Bento XIV nas que se alertava que, de estar a
todos patente e ao descoberto a Escritura, quiçá se envileceria e estaria
exposta ao desprezo ou, por ser mal entendida polos medíocres, induzisse a
erro. Em fim, qual seja a mente da Igreja a respeito da leitura e interpretação
da Escritura, a tua fraternidade encontrá-lo-á muito claramente na muito
célebre constituição Unigenitus, de outro predecessor nosso, Clemente
XI, na que expressamente se reprovam de maneira explícita aquelas doutrinas nas
que se afirma que é útil e necessário em todo momento, em todo lugar e a toda
classe de pessoas conhecer os mistérios da Sagrada Escritura da que se afirma
que a leitura é para todo o mundo e que é nocivo apartar dela o povo cristão,
que é incluso cerrar aos fiéis a boca de Cristo o quitar-lhe das mãos o Novo
Testamento”9.
O
papa Leão XII (1823-1829) promulgou o 5/05/1824, oito meses depois de
ser nomeado papa, a encíclica Ubi
Primun, dirigida, como grande parte delas, a todos os patriarcas, primados,
arcebispos e bispos, na que condena as sociedades bíblicas, surgidas, em 1804,
com a fundação da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (SBBE) em Londres,
a esta altura em rápida expansão, que se propunham como objetivo a divulgação e
conhecimento da Bíblia. Esta encíclica vai ser o prelúdio de documentos
apocalípticos e integristas como as encíclicas de Gregório XVI, Mirari vos
e Quanta cura, e o Sylhabus Errorum de Pio XII.
Opõe-se
ao livre exame da Bíblia não só a nível individual, senão também grupal. “Certa
seita, que leva em si uma espécie branda de piedade e liberalidade professa um
tolerantismo (assim o chamam) ou indiferentismo e alça-se não só nas cousas
civis, do que não tratamos, senão também no âmbito da religião, ensinando que
foi feita por Deus uma ampla liberdade para cada qual, de modo que o que lle
tiver convido a cada seita segundo o seu juízo ou opinião, pode abraçá-la e
adotá-la cada um sem perigo da salvação (Contra isto aduz-se Rom. 16,
17ss)”10.
Não
se arreda o Pontífice de criticar mesmo a proliferação de livros religiosos que
considera hostis à própria religião, o qual indica que está perdendo claramente
o controlo da opinião pública. “... A iniquidade dos nossos inimigos chega a
tanto que, afora o aluvião de livros perniciosos por si mesma hostil à
religião, esforçam-se em traduzir em detrimento da religião as Sagradas
Escrituras que nos foram dadas divinamente para edificação da mesma religião.
Tendes observado uma sociedade, comummente chamada sociedade bíblica,
espalhando-se ousadamente em todo o mundo. Rejeitando a tradição dos Santos
Padres e infringindo o bem conhecido decreto do Concilio de Trento, trabalha
com todos os meios para ter traduzida toda a Bíblia, ou melhor mal traduzida,
às línguas ordinárias de cada nação. Há boas razões para temer que (como
aconteceu nalgum dos seus comentários e noutros aspetos pola interpretação
distorcida do evangelho de Cristo) produzirá um evangelho dos homes, ou o que é
pior, um evangelho do demo!
Para
previr este dano, os nossos predecessores publicaram muitas constituições. Mais
recentemente Pio VII escreveu duas cartas, uma a Ignácio, arcebispo de Gniezno,
a outra a Estanislao, arcebispo de Mohileu, citando cuidadosamente e sabiamente
muitas passagens dos sagrados escritos e da tradição para mostrar como é
pernicioso para a fé e costumes este desprezível empreendimento.
Em
virtude do nosso dever apostólico, nós também exortamos procurar por todos os
meios guardar a tua manada destes terríveis lugares de pastagem. Argui, rogai,
instai oportuna e importunamente com toda paciência e doutrina (2 Tim. 4, 2) para que os vossos fiéis aderidos com exatidão
às regras da Congregação do nosso Índice, se persuadam que se se permite que a
Sagrada Bíblia se traduz indiscriminadamente à língua vulgar causar-se-á por
isso por culpa da precipitação humana mais mal que bem”11. Como os comentários os fazem os homes, são
estes quem, segundo o papa, creiam também o evangelho do demo. Creio que está
mui claro o que expressa o Papa. Destaquemos o costume eclesial de tratar os
seres humanos como rebanho ou manada de animais. Fixemo-nos também que se
pretende justificar por textos bíblicos que não se devem traduzir os livros
sagrados.
O
24/05/1829, o papa Pio VIII promulgou a encíclica Traditi Humilitati,
dirigida a patriarcas, primados, arcebispos e bispos, na que delineia o programa
para o seu papado, e nele ocupa um lugar importante a proibição de publicar
bíblias sem autorização e as novas interpretações, muito mais racionais, das
Sagradas Escrituras, mas isto opõe-se frontalmente ao monopólico interpretativo
da Igreja, que significa dos hierarcas vaticanistas, que reagem como uma
instituição atacada e de ai a sua obsessão em defendê-lo compulsivamente em
contra de toda sensatez. A partir de Trento a Igreja católica obriga a
acompanhar as traduções com comentários dos Padres, concebidos como uma elite
monolítica no seu pensamento, em realidade inexistente. “Nós devemos ser
desconfiados desses que publicam a Bíblia com novas interpretações contrárias
às leis da Igreja. Eles distorcem habilmente o sentido com as sua própria interpretação.
Imprimem a Bíblia na língua vernácula e, absorvendo um gasto incrível,
oferecem-nas grátis inclusive aos não educados. Ademais, as Bíblias estão
raramente sem perversas inserções breves para segurar que o leitor assimile o
veneno letal em vez da auga redentora da salvação. Faz tempo a Sede Apostólica
admoestou sobre este sério perigo para a fé e amostrou a lista destes perigosos
conceitos. As regras do Índice foram publicadas polo Concilio de Trento; o
decreto requereu que a tradução da Bíblia às línguas vernáculas não seriam
permitidas sem a aprovação da Sê Apostólica e ademais exigiu que fossem
publicadas com os comentários dos Padres. O Sagrado Sínodo de Trento decretou,
para reprimir as personagens impudentes, que ninguém, confiando na sua própria
prudência em matérias de fé e de conduta que se relaciona com a doutrina
cristã, possa retorcer a Sagradas Escrituras à sua própria opinião, ou a uma
opinião contrária à da Igreja ou os papas. Ainda que tales maquinações contra a
fé católica foram atacadas muito depois por estas proscrições canônicas, os
nossos predecessores recentes fizeram um esforço especial para censurar estes
estendidos perigos. Com estas armas vós tendes também que combater as batalhas
do Senhor que põem em perigo as ensinanças sagradas, para que este vírus mortal
não se estenda á vossa manada”12. Ou
seja, que um não pode seguir a sua própria opinião, o qual representa a negação
da liberdade de pensamento e expressão. O colmo do dislate! Além de impedir um
direito humano fundamental como é o de poder traduzir e ler o que um considera
conveniente, sem interferências alheias, o Papa não se arreda de formular
qualificativos de grosso calibre contra os discrepantes. Insiste na
incapacidade alheia para interpretar a Bíblia, oferecendo como saída a adesão á
interpretação dos vaticanistas.
O
papa, Gregorio XVI (1831-1846), publica o 8/05/1844, a encíclica Inter
paecipuas, na que condena as sociedades bíblicas. Nela começa informando
das supostas intrigas ou maquinações que sempre vêem os papas por todas partes,
e a elas opõem a sua suposta sensatez e ponderação, para, a seguir, condenar as
sociedades bíblicas por dedicar-se a traduzir e espalhar as Sagradas
Escrituras:
“1.
Entre as intrigas especiais com as que os não-católicos maquinam contra os
aderentes da verdade católica para desviar as suas mentes da fé, são
proeminentes as sociedades bíblicas. Foram estabelecidas por primeira vez em
Inglaterra e divulgaram-se e estenderam-se tanto que agora nós vemo-las como um
exército em marcha, conspirando para publicar em grande número de cópias os
livros da Escritura divina. Estas são traduzidas a todas classes de línguas
vernáculas sem discriminação entre cristãos e infiéis. Por conseguinte, as
sociedades bíblicas convidam a todos a lê-las sem guia. Assim é exatamente como
Jerome se lamentava no seu dia: eles fizeram a arte de incompreensão das
Escrituras «comum a velhas linguareiras, velhos loucos e sofistas loquazes», e
para todos os que podem ler, sem interessar o seu status. Em verdade, o que é
inclusive mais absurdo, e quase sem precedentes, não excluem a gente vulgar dos
infiéis de compartir esta classe de conhecimento”13. Como vemos, não se trata só de que não se
impulsasse a leitura da Bíblia, senão que houve uma teimosa campanha organizada
desde a Igreja para que não se lesse.
Estabelece também o Papa nesta Encíclica a defesa da hierarquia lingüística, e
a discriminação em direitos dos seres humanos em função da classe social e a
formação, destacando especialmente a animadversão papal com a gente chamada
«vulgar». Considera o Pontífice que a tradução da Bíblia não pode ser igual
para os crentes e os infiéis, os mais e os menos formados, e a solução para
estes últimos não é que façam caminho ao andar, senão que não andem.
Especialmente
condenável para o papa é que se leiam as bíblias em reuniões secretas porque,
deste modo, escapam ao controlo eclesial, a leitura por parte dos hereges e as
feitas em reuniões da laicos e mulheres. Como vão poder aceder estas ao
conhecimento da Bíblia! “4. Ademais, a respeito da tradução da Bíblia à
língua vernácula, inclusive muitas centúrias antes os bispos em vários lugares
a vezes exerceram a maior vigilância quando devieram conhecedores de que tais
traduções estavam sendo lidas em reuniões secretas ou eram distribuídas a
hereges. Inocêncio III emitiu admoestações a respeito das reuniões de laicos e
mulheres, sob o pretexto de piedade, para a leitura da Escritura na diocese de
Metz. Havia também uma proibição especial de traduções da Escritura tanto na
Gália um pouco mais tarde como na Espanha antes de 1500"14. A seguir, trai a colação o Papa a
acentuação da campanha quando os luteranos e calvinistas começaram a difundir a
Bíblia nas línguas vernáculas e a proibição sob Pio IV, no Concilio de Trento “no
que nas normas escritas polos pais escolhidos polo Concilio de Trento,
aprovadas por Pio IV, e colocadas no Índice de livros proibidos, lemos o
decreto declarando que as bíblias vernáculas estão proibidas salvo as de
aqueles dos que se julgou que a leitura contribuiria «ao incremento da fé e
piedade”15. Estas normas foram limitadas e
suplementadas por Bento XIV: “Para o futuro, as únicas traduções vernáculas
que podem ser lidas são aquelas que «foram aprovadas pola Sê Apostólica» ou
polo menos foram publicadas com anotações tomadas dos Santos Padres da Igreja,
ou dos autores instruídos e católicos”16. O papa volve condenar de novo as sociedades
bíblicas: “Nós de novo condenamos todas as sociedades bíblicas acima
mencionadas que os nossos predecessores desaprovaram. Além disso, confirmamos e
renovamos pola nossa autoridade apostólica as proposições registadas e
publicadas antigamente a respeito da publicação, difusão, leitura e possessão
de traduções vernáculas das Sagradas Escrituras”17. “Em particular, vigiai cuidadosamente
sobre aqueles aos que se lhe assignou fazer leituras públicas da Santa
Escritura, de tal modo que atuem diligentemente no seu ofício dentro da
compreensão da audiência; baixo nenhum pretexto seja qual for ousarão explicar
e interpretar os divinos escritos contrariamente á tradição dos Padres ou a
interpretação da Igreja Católica”18.
O
papa Pio IX(1846-1878), quiçá o papa mais anti todo da história, na
encíclica Qui pluribus, arremete contra as sociedades bíblicas, contra a
leitura da Bíblia principalmente por parte dos não formados e contra o livre
exame: “Este é o objetivo das astutas sociedades bíblicas, que renovam a velha
habilidade dos hereges e incessantemente impõem à gente de todas classes,
inclusive os não formados, ofertas da Bíblia. Publicam estas em grande número e
com grande custo, em traduções vernáculas, o que infringe as santas regras da
Igreja. Os comentários que se incluem contêm frequentemente explicações
perversas; assim, tendo rejeitado a tradição divina, a doutrina dos Padres e a
autoridade da Igreja Católica, eles todos interpretam as palavras do Senhor
consoante ao seu juízo privado, pervertendo o seu sentido. Como resultado, caem
em grandes erros. Gregório XVI, de feliz memória, o nosso último predecessor,
seguiu a guia dos seus próprios predecessores ao rejeitar estas sociedades nas
suas letras apostólicas. É a nossa vontade condená-las igualmente”19.
Na
Alocução Quibus quantisque, de 20/04/1849, num momento de perda do poder
temporal da Igreja, o papa Pio IX ataca as doutrinas perversas que semeiam os
inimigos da Igreja interpretando a Bíblia segundo o seu juízo próprio e
criminal, pervertendo com interpretações desviadas o seu sentido autêntico, que
seria o da Igreja : “E para chegar mais facilmente aos fins que se propõem,
para excitar mais sedições e desencadear mais tempestades, marchando sobre o
passo dos hereges, e anunciando o desprezo mais absoluto pola autoridade
soberana da Igreja, não temem invocar, interpretar, perverter e desviar do seu
sentido verdadeiro as palavras, testemunhos e declarações das santas
Escrituras, para aplicá-las ao seu sentido privado e criminal, e, em exercício
da sua impiedade, não retrocedem ante o abuso sacrílego do muito santo nome de
Jesus Cristo”20. Em dezembro deste mesmo ano, 1949, volve a empreendê-la contra as
sociedades bíblicas. “Os astutos inimigos da Igreja e sociedade humana,
intentam seduzir as gentes de diversas maneiras. Um dos seus principais métodos
é o abuso das novas técnicas de produção de livros. Estão totalmente absorvidos
na incessante e diária publicação e proliferação de panfletos ímpios, jornais e
folhetos que estão cheios de mentiras, calunias e sedução. Ademais, sob a
proteção das Sociedades Bíblicas que foram desde faz muito tempo condenadas por
esta Santa Sê, distribuem ao fiel sob pretexto de religião, a santa Bíblia em
traduções vernáculas. Desde essa altura estes infringem as normas da Igreja,
são consequentemente subvertidas e muito ousadamente retorcidas para consentir um sentido vil”21.
No
Silabo, de 8/12/1864, compêndio
de oito encabeçados sobre erros atuais, que afeta a todas as ordens; no IV
encabeçado, condena o “Socialismo, comunismo, sociedades secretas,
sociedades bíblicas, sociedades clérico-liberais”. Estas pestilentes doutrinas
foram muitas vezes condenadas e com as mais graves palavras na carta Encíclica
Qui pluribus, de 9/12/1846; na alocução Quis quantisque, de 20/04/1849; na
carta Encíclica Nostis et Nobiscum; de 8/12/1849; na alocução Singulari quadam,
de 9/12/1854; na carta Encíclica Quanto conficiamur moerore, de 10/08/1863"22.
2. BENEDICTUS XI, -
Sollicita ac Provida [1753-07-09],
www.documentacatholicaomnia.eu/.../z_1753-07-09__SS_Bened...
3. BENEDICTUS XI, -
Sollicita ac Provida [1753-07-09], § 2, www.documentacatholicaomnia.eu/.../z_1753-07-09__SS_Bened...
4. Denzinger, 1567.
5. Denzinger, 1602.
6. Denzinger, 1603.
7. Denzinger, 1604.
8. Denzinger, 1604.
10. Denzinger, 2720, http://catho.org/9.php?d=byf (3 of
11)2006-08-16 22:34:50
11. LEÃÓ XII, Ubi Primum,
Papal Encyclicals Online www.papalencyclicals.net/Leo12/l12ubipr.htm?.
Cf. Denzinger, 1607-1608.
12. Pio VIII, Traditi humilitati, Papal Encyclicals Online www.papalencyclicals.net/Pius08/p8tradit.htm?,
nº. 5
13. GREGÓRIO XVI, Inter Praecipuas, Papal Encyclicals
Onlinewww.papalencyclicals.net/alh.htm, 1.
14. GREGÓRIO XVI, Inter Praecipuas, Papal Encyclicals
Onlinewww.papalencyclicals.net/alh.htm, 4.
15. GREGÓRIO XVI, Inter Praecipuas, Papal Encyclicals
Onlinewww.papalencyclicals.net/alh.htm, 4.
16. GREGÓRIO XVI, Inter Praecipuas, Papal Encyclicals
Onlinewww.papalencyclicals.net/alh.htm, 4.
17. GREGÓRIO XVI, Inter Praecipuas, Papal Encyclicals Onlinewww.papalencyclicals.net/alh.htm,
11.
18. GREGÓRIO XVI, Inter Praecipuas, Papal Encyclicals
Onlinewww.papalencyclicals.net/alh.htm, 12.
19. Pio IX, Qui pluribus, Papal Encyclicals
Onlinewww.papalencyclicals.net/alh.htm,14.
20. Pio IX, Alocução Quibus Quantisque,,
www.virgo-maria.org/.../1849-04-20_SS_PIUS_IX,,
21. Pio IX, Nostis e Nobiscum, Papal Encyclicals
Onlinewww.papalencyclicals.net/alh.htm, 14.
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