No mundo ocidental hoje em dia seria surpreendente que
alguém puser em questão que os ateus podam ter uma conduta ética igual de
correta que os religiosos praticantes sejam cristãos, judeus ou muçulmanos, e
incluso se observamos o que passa no nosso entorno parece que a conduta moral
dos não praticantes parece competir exitosamente com os que se proclamam
religiosos praticantes. Mas não sempre se considerou que os ateus, que em
Europa oscilam arredor do trinta por cento, podiam levar uma vida exemplar. Dizia
John Locke em 1689 na Primeira carta
referente á tolerância que “não serão tolerados os que negam a existência de
Deus. As promessas, pactos e juramentos, que são os vínculos da sociedade
humana não podem sustentar-se sobre o ateísmo. A eliminação de Deus, incluso no
pensamento, dissolve todo. Além de que aqueles que polo seu ateísmo minam e destruem
toda religião, não podem pretender depois disso pôr em causa o privilégio duma
tolerância. Polo que diz respeito a outras opiniões práticas, ainda que não
estejam absolutamente livres de erro, se não tendem a estabelecer um domínio
sobre outros, ou impunidade na Igreja na que foram instruídos, não existe razão
para que não sejam toleradas”. (Awnsham Churchill, London, 1690, p. 60).
Pola sua parte, Voltaire perguntava-se “Que restrições
podem ser impostas á cobiça, ás transgressões secretas
cometidas com impunidade, distintas da ideia dum patrão divino cujo olho está
sobre nós e que julgará incluso os nossos pensamentos mais privados” (MANUEL,
F. E., The changing of the gods, University Press, Hanover, 1983, p. 66).
Historicamente, independentemente do que se diz nos
textos fundacionais, o cristianismo converteu-se num instrumento de classe,
neste caso da classe oligárquica, e, no Estado espanhol, também de
espanholismo, como se pôs de relevo no pronunciamento da Conferência episcopal
espanhola em prol da unidade de Espanha e em contra do direito dos povos a
decidir o seu autogoverno e o seu futuro, justificando-o em base a que a
unidade de Espanha é um bem moral prioritário. A isto último não haveria nada
que objetar se precisassem que a citada unidade tem que estabelecer-se desde o
acordo e o pacto e não desde a imposição. Com todo é sintomático que não
alegaram nada quando o Tribunal Constitucional ilegalmente constituído e
politicamente ancorado cara ao bipartito PP-PSOE invalidou o estatuto de
autonomia de Catalunya depois de ter sido referendado polo povo catalão. Basta
com escutar os programas dos seus mídia para dar-se conta destes extremos. O
facto de atuar como instrumento de classe e de espanholismo provocou que fosse
abandonado polos obreiros já desde o século XIX e polos membros mais ativos do
nacionalismo periférico, especialmente da esquerda.
Tendo isto em conta, a pergunta que temos que fazer-nos é
se as classes sociais, grupos e pessoas da esquerda, menos religiosos e que
integram uma percentagem maior de ateus, têm um comportamento moral mais ou
menos correto, justo e equitativo que as classes sociais, grupo e pessoas que
se costuma ubicar á direita, mais praticantes e defensoras dos privilégios
eclesiásticos. A melhor maneira de focar esta questão seria estabelecer várias
variáveis de caráter ético que nos sirvam de referência para focar melhor o
problema. As mais representativas seriam as referidas á paz, justiça,
liberdade, igualdade, meio ambiente, humanismo, corrupção,..., numa palavra, as
referidas aos direitos humanos e á honestidade na conduta. É mais pacífica a
direita ou a esquerda? É mais pacífico o tandem PP-PSOE-C’s, ou Podemos, ERC,
BNG? E qual deles é menos corrupto? O PSOE não pode, nestes momentos, ser
considerado um partido de esquerdas porque pactua todos os assuntos importantes
com a direita, do que é um exemplo bem eloquente a revisão do artigo 135 da CE
e a renovação do TC. É mais pacífico Trump, Obama ou Sanders? Foi a direita ou
a esquerda quem nos meteu na guerra do Iraque? Quem é o culpável do rearme
atualmente em marcha? Defende uma sociedade mais justa a direita ou a esquerda?
E uma sociedade mais igualitária? Defende melhor a liberdade a esquerda ou a
direita? Pode-se considerar mais livre uma sociedade controlada por
determinados oligopólios ou uma sociedade na que se respeite a pluralidade e
que meios públicos supram as carências que a oferta de por si não corrige? Para
concretizá-lo mais, é melhor o modelo de controlo dos mídia estabeleceu
Zapatero, neste caso com uma política mais de esquerdas, ou a de Rajoy? Quem
respeita melhor o meio ambiente e tem mais sensibilidade para legar ás novas gerações
um mundo mais habitável?
Se em vez de referir-nos ao eido político, focamos o tema
desde o ponto de vista religioso, perguntamos: Defende melhor as variáveis
aludidas uma religião como o budismo ateu, o hinduísmo politeísta,
confucionismo moral, taoísmo, ou as grandes religiões monoteístas do livro? Quem
desencadeou mais perseguições no decurso da história? Quem tem um ideal mais
integral de humanidade? Quem respeita melhor os direitos humanos?
Quando os aderentes a uma
religião defendem que não é possível fundamentar qualquer ética se se prescinde
de Deus têm que justificá-lo não só em princípios teóricos abstratos, senão
respondendo aos interrogantes anteriores, pois somente assim pode merecer a
credibilidade da gente.
Com todo, o propósito
que nos move hoje não é tanto falar dos interrogantes anteriores senão
principalmente da pegada da conceição que tem o cristianismo da
responsabilidade pessoal e da maneira de inculcá-la nos seus seguidores. Desde os seus inícios, na celebração da
eucaristia os irmãos confessavam publicamente os seus pecados e não existia
nada parecido á confissão individual ao confessor. Mas, a partir do século V,
em concreto durante o papado de Leão I o Magno (440-461), este decretou que “se bem parece plenitude laudável de fé a que
por temor de Deus, não teme a vergonha perante os homes; sem embargo, como não
todos têm pecados tales que quem pedem penitência não temam publicá-los, há
desterrar-se costume tão reprovável... Basta, com efeito aquela confissão que se
oferece primeiro a Deus e logo ao sacerdote, que é quem ora polos pecados dos
penitentes. Porque se não se publica nos ouvidos do povo a consciência de quem
se confessa, então si que poderão ser movidos muitos mais a penitência” Carta 158, II, Denzinger, 145). Como
vemos, um razoamento puramente consequencialista, ou seja, que o fim justifica
os meios.
A
confissão tal como se praticou na Igreja em vez de fomentar a responsabilidade
contribuiu a debilitá-la. Diz Helen Ellerbe que os cristãos “desenharam uma organização não para
estimular a espiritualidade, senão para gerir um grande número de pessoas. Simplificaram
os critérios de membrecia. A Igreja católica decidiu que é cristão “qualquer
que confessa o credo, aceite o batismo, participa na adoração, obedeça á
hierarquia católica e creia a única e sozinha verdade, que é transmitida pola
Igreja” (The dark side..., pp.
15-16). Considerar que o mero facto de confessar os pecados exime de toda culpa
e deixa expedito o acesso ao céu para os maiores criminais não fomenta
precisamente a responsabilidade senão que desincentiva os seres humanos que
procuram ter um comportamento correto em todo momento. É bem eloquente do que
dizemos a resposta dum sacerdote italiano que se dedicava a visitar prostíbulos
e contratar serviços de prostitutas. “Ninguém
se mete comigo porque aqui topas-te com gente casada e prometida. Se vêm a
dizer-me algo, digo-lhes que os conheço e que lho vou dizer á sua mulher. Eu
logo confesso-me”. Uma conduta chantagista e pouco respeitosa com os seus
compromissos de celibato fica perdoada polo simples facto de comunicar-lho a
outro sacerdote e com uma penitência que pode reduzir-se ao rezo de alguma
oração ritual, e sem nenhum propósito efetivo emenda.
Um
dos modos de inculcar a responsabilidade e a submissão á Igreja foi o terror
sobre os cidadãos. Nós vivemos numa sociedade cristã que protagonizou o maior
etnocídio inter-cristão da história e que ostenta a paternidade das matanças
das cruzadas e da Inquisição, a autoria do Índice de Livros Proibidos, da
proibição de ler a Bíblia, etc. Com o pretexto de salvar as almas forçaram-se
conversões de povos inteiros, mas o objetivo da Inquisição não era tão elevado,
se isto tem alguma elevação, senão que, como rezava o Directorium Inquisitoram, escrito por Nicolau Aymerich: “Devemos recordar que o principal objetivo do
juízo e a pena de morte não é salvar a alma do acusado, senão promover o bem
público e aterrorizar á gente” (GREEN, TOBY, La inquisición, Ediciones B,
Barcelona, 2008, p. 37). Isto quer dizer que se pode edificar o bem público
sobre assassinato dos acusados por dissidência. O terror está profundamente
está incrustado nos genes da religião judeu-cristã e, consequentemente da sua
ética. A Bíblia exorta reiteradamente que cumpre temer a Deus. “Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos;
porque isto é todo o dever do home” (Ecl.
12, 13). “Bem-aventurado todo aquele que
teme ao Senhor e anda nos seus caminhos” (Sal. 128, 1). “Mas eu vos
mostrarei a quem é que deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem
poder para lançar no inferno; sim, digo, a esse temei” (Lc. 12, 5). Este parecer é compartido polos Santos Padres e foi
usual na prática cristã. Como rezava no frontispício das portas do Seminário de
Santiago: “Timor Dei, principium sapientiaie”, (o temor de Deus é o princípio
da sabedoria). Os sermões que se pregavam aos fieis durante a Santa Missão
pretendiam que a gente se atemorizasse e o confessionário também se utilizou
com esta finalidade, além de para controlo da cidadania. Um dos temas
preferidos para lograr atemorizar os fieis era a descrição do inferno como um
castigo eterno sofrido polos condenados que são queimados em enxofre fervente e
que obrigaria a Deus a mantê-los com vida milagrosamente para poder atormentá-los.
A responsabilidade cristã, pois, em vez de ser resultado da persuasão e da
convicção é produto do imposição e do terror, mas uma responsabilidade fruto do
terror não é propriamente responsabilidade, porque esta implica que a ação seja
consciente, livre e voluntária. Isto não significa que um crente não poda obrar
responsavelmente, que seria um absurdo, mas si que os atos que estão condicionados
polo medo ou o terror são tanto menos responsáveis quanto maior seja a míngua
da liberdade do crente e/ou religioso produzida polo terror sobre a mente
humana.
Uma
das maneiras de semear o terror entre a população por parte da inquisição foi o
secretismo, que impedia o acusado conhecer o nome do acusador com a finalidade
de fomentar as delações entre os cidadãos, de maneira que ninguém podia
sentir-se seguro, salvo os acusadores. Foi um recurso mui utilizado para
eliminar aos que tinham rixas com os seus vizinhos. A Inquisição papal teve no Estado
espanhol uma duração de 350 anos e deixou uma profunda pegada na conduta das
pessoas que tardará em desaparecer totalmente. Quiçá por influxo da Inquisição
se pode explicar alguns do episódios políticos que se vivem na atualidade,
como, por exemplo, o amparo prestado pola Associação da Imprensa de Madrid a
uns quantos jornalistas dos que os que concedem o amparo se negam a facilitar
os nomes e os cargos exatos contra a formação política Podemos, pretextando que
os nomes e os cargos lhes pertencem aos denunciantes, e concedeu o citado
amparo sem dar audiência ao acusado para que alegue o que creia oportuno, o
qual invalida totalmente o valor moral desta acusação. É a maneira perfeita de
fomentar as acusações sem fundamento contra aquele ao que se quer afundir
politicamente. Conseguem gratuitamente e com total impunidade o objetivo de
desprestigiar o adversário político, que é uma tática mui utilizada nos nossos
dias polos que ostentam o poder. Dado que a citada associação foi totalmente
negligente em amparar as numerosíssimos jornalistas que sofrem acosso e
pressões no seu trabalho e não precisamente por parte de Podemos, a sensação
que transmitem é que o problema do jornalismo em Espanha é a formação morada, o
qual constitui uma imagem burdamente destorcedora da realidade.
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