As
noções de verdade e certeza são mui distintas como imos pôr de manifesto. Uma
cousa pode ser certa, mas ser falsa e/ou verdadeira e duvidosa e incerta. A
certeza é o estado da mente a respeito duma proposição, enquanto que a verdade é
a conformidade duma proposição com a realidade. Quando temos uma confiança
total a respeito da verdade ou falsidade duma proposição dizemos que temos
certeza acerca do contido dessa proposição. Se uma proposição expressa
adequadamente o que é a realidade, dizemos que a proposição é verdadeira e se não
a reflete corretamente dizemos que é falsa. Por exemplo, a proposição: «os
corpos estão constituídos por átomos», segundo a física atual é uma proposição
verdadeira, mas se lhe perguntássemos a um filósofo medieval diria que é uma
proposição falsa, e que a verdadeira é que «os corpos estão constituídos polos
quatro elementos». O constitutivo dos corpos não cambiou com o tempo, mas o que
mudou é o estado mental a respeito da proposição. A realidade não é verdadeira
nem falsa, senão que a verdade ou falsidade é uma propriedade duma proposição.
A realidade nunca foi, é ou será verdadeira ou falsa, mas si o são os juízos
dos seres pensantes a respeito dela.
A
certeza pode ser lógica, física, moral e histórica. A certeza lógica baseia-se
na coerência do discurso e em proposições analítica. Por exemplo: «Uma pessoa
solteira é uma pessoa não casada». O sujeito da proposição «Uma pessoa
solteira» já significa «pessoa não casada», e, por tanto, com o predicado somente
explicamos o sujeito, mas sem acrescentar-lhe nada. Afirmar o contrário duma
proposição analítica implica não só uma falsidade, que também, mas uma
contradição. Por exemplo: «Uma pessoa solteira é uma pessoa casada», «Duas mais
duas somam cinco
. A certeza física baseia-se nas leis da natureza. Por
exemplo: «Os corpos são atirados para abaixo pola gravitação». O contrário duma
proposição baseada nas leis da natureza é falso, mas não contraditório. Por
exemplo: «O sol rota arredor da terra». A certeza moral baseia-se nas leis
psicológicas humanas: «A mãe A quere os seus filhos». No 99,9 % dos casos assim
é, mas de vez em quanto topamo-nos com supressas. A certeza histórica é uma
certeza baseada no testemunho, e, igual que a moral e, em menor medida, segundo
a mecânica quântica, a física, equivale somente a uma grande probabilidade. Alguns
dizem que este testemunho pode ser humano ou divino, segundo proceda do que nos
diz outro home ou do que diz uma divindade. Eu considero que somente existe o
testemunho humano e que o que se chama testemunho divino não consiste noutra
cousa que em atribuir a Deus o que dizem algumas pessoas humanas.

A
certeza e a verdade estão relacionadas entre si num sentido, que é que nós
temos por certo o que consideramos que é verdadeiro, mas por vezes damo-nos
conta que uma proposição que creiamos que era verdadeira resultou ser falsa,
como por exemplo: «A terra está imóvel no centro do universo».
Praticamente
todo o que sabemos da religião, filosofia e ciência é produto do testemunho
doutras pessoas, e dependendo da confiança que nos mereça esse testemunho
consideraremos que as proposições que nos transmitem merecem mais ou menos
credibilidade e dão-nos, por tanto, uma maior ou menor certeza. Tanto as
religiões como a filosofia e a ciência são criaturas humanas, mas, com a
finalidade de reforçar a credibilidade da sua mensagem alguns filósofos, como é
o caso de Parmênides de Eleia, e praticamente todas as religiões costumaram apresentar
o seu discurso como uma revelação duma divindade com objeto de reforçar a sua
credibilidade ante os seus destinatários, complementando-a muitas vezes com
mecanismos intimidatórios, como ser sepultado no inferno para ser queimado
eternamente em enxofre fervendo, e com incentivos para os bons aderentes, como
gozar com Deus no paraíso. Platão defendeu a imortalidade da alma como um
mecanismo de controlo social com objeto de dissuadir os que se portam mal e
incentivar os que se portam bem com um castigo eterno no Tártaros fervente ou
uma vida ditosa nas Ilhas Afortunadas, e manifestou que devemos repetir essa
ideia como um encantamento para terminar crendo nela, porque o prêmio que nos
espera é magnífico e o castigo aterrador. Epicuro justificava que não devemos
ter medo á morte da seguinte maneira: “Assim que o
mais espantoso dos males, a morte, nada é para nós, posto que enquanto nós
somos, a morte não está presente, e, quando a morta se apresenta, então não
existimos. Com que não afeta aos vivos nem aos mortos, porque para aqueles não
existe e os outros não existem já" (Carta a
Meneceo, 92). Assim que não se consola quem não quer porque encantamentos não
faltam.
Apresentar uma mensagem como de procedência divina tem
as suas consequências, umas positivas e outras negativas. Entre as positivas
estão que os seus aderentes sabem mui bem a que ater-se e que conduta se espera
deles em todo momento. Além disso, ter todos os problemas solucionados de
antemão com a condição de que rezes umas jaculatórias, lhe contes as cuitas a
um clérigo, e de vez em quando pratiques a caridade cristã contribuindo a
sanear a sua economia é uma solução muito barata, inclusive para os maiores
criminais. Além disso, a morte sempre suscita interrogantes e produz a
correspondente angústia, que as religiões contribuem a solucionar oferecendo um
futuro idílico no mundo de ultra-tomba. Com todo, Nietzsche pensava que os
filósofos não estão para propor consolos artificiais: "As nossas premissas são: nenhum Deus; nenhum
fim, força final. ¡queremos guardar-nos de excogitar e prescrever aos humildes
o modo de pensar que lhes é necessário!". (A vontade de poder, liv.
3º, I, 592). Uma cousa é desde logo oferecer um discurso racional e outra
propor consolações frente á angústia, que, por outra parte, são muito distintas
nas diferentes religiões e filosofias.
Entre as consequências negativas citamos as seguintes:
que essa mensagem se vai considerar como atemporal como é atemporal a mesma
divindade e qualquer ética fundamentada nelas vai ser uma ética absolutista, no
sentido de que o que Deus diz não se pode cambiar no decurso do tempo ainda que
mudem as circunstâncias. Resulta-me chocante que um teólogo me tenha dito faz
pouco tempo que a ética cristã não é uma ética absolutista porque já se
encarregam na Cúria de buscar-lhe as voltas para acomodá-la aos tempos, porque
qualquer acomodação tem que respeitar o sentido dos textos sagrados ou
considerá-los, como eu defendo, como livros históricos como os demais. Disto
deriva-se que os custódios desta mensagem vão ter muitas dificuldades para
acomodá-la ás novas circunstâncias sociopolíticas, políticas e científicas,
como vemos que sucede com os temas referidos á homossexualidade e
transexualidade. Lembrando o velho Heráclito e a Nietzsche temos que dizer que
a realidade muda sem cessar, e qualquer discurso deveria mudar com as
circunstâncias cambiantes. Quiçá este seja o maior problema que tem as
religiões, que sempre andam na procura dum aggiornamento que não chega nunca.
Lembremo-nos que essa era já a finalidade principal do concílio Vaticano II. A
filosofia e a ciência ou estão ao dia ou perdem o seu caráter de tais. Uma
filosofia para ser filosofia tem que responder aos retos que se apresentam hic
e nunc, aqui e agora, ou, em caso contrário converte-se numa repetição de
filosofias que sim puderam ter sido autênticas no momento em que se
desenvolveram mas que hoje não são. Isto é o que explica que na Galiza a
filosofia merecedora deste nome no século XX não foi a que desenvolveu Amor
Ruibal, por mui inteligente que for, senão autores como Vicente Risco, Vicente
Viqueira, Losada Diéguez e Castelao. A única filosofia que se considera perene
é a tomista, a filosofia hoje menos autêntica, mas que o cristianismo utiliza
para veicular o seus dogmas, e que no fundo, não é outra cousa que teologia
disfarçada.
A respeito da verdade, temos que reconhecer que o imaginário
mental cristão e parte dos seus dogmas foram falsados polos factos, tal como
temos demonstrado no livro O cristianismo
contra a ciência. e como ratificaremos noutro de próxima aparição. Uma
proposição como «A Bíblica foi inspirada por Deus» ou «O Romano Pontífice é
infalível», não se podem suster por mais tempo, e isso implica que esta
religião tem que reformular a sua mensagem reconhecendo que os Livros Sagrados
são livros históricos, merecedores de todo respeito e consideração, mas nunca
livros inspirados por nenhuma divindade. Isto implica reconhecer, e creio que é
uma verdade palmaria, que não há outro modo de conhecimento que o que nos
subministra a razão, e que, portanto, não tem sentido pretender conciliar a
razão com a fé, porque esta não é nenhum modo de conhecer, senão uma adesão
cega a dogmas incompreensíveis e a confiança numa suposta revelação que não
existe. O que se chama revelação não é outra cousa que um conhecimento arcaico
e mítico que alguns querem vender como o conhecimento real e verdadeiro.
Para fazer mais aceitável alguns dogmas utilizaram-se
vários métodos. Um foi a manipulação e deturpação do sentido dos textos bíblicos
para que dissessem o que alguns querem que digam. Cumpre ter presente que
alguns dos dogmas cristãos baseiam-se em textos claramente deturpados, como é o
texto “em quem todos pecamos” que se
utiliza para justificar o pecado original e a primazia da fé sobre a razão: “Se não crerdes não entendereis”. Outro
foi o uso do sentido alegórico, que lhe faz dizer aos textos o que cada autor
quer que digam, sentido abandonado a partir de Lutero, e, por isso, não deixou
de surpreender-me que um leitor do livro O
cristianismo contra a ciência, manifestasse que botava em falta que não
falasse do sentido alegórico. A minha resposta foi que se pretendeu que fosse
um livro sério e rigoroso.
Tem um efeito pernicioso manter a duplicidade de modos
de conhecer porque produz esquizofrenia no ensino das nossas crianças, e, á
longa, um desprestígio da própria religião. No catecismo oferecesse ao menino
uma visão pueril e imaginativa do surgimento do mundo, e mais tarde, já no
ensino meio e superior um ensino científico que pouco tem que ver com aquele.
Este ensino primário é muito difícil de desarraigar, como no-lo testemunha
Francisco Ayala com o que lhe acontece a ele em Estados Unidos, em que os
estudantes lhe dizem que dirão o que ele quer, mas que não crêem na explicação
científica.
O cristianismo, como todas as religiões, oferece
certezas para quem crê na sua mensagem, porque a certeza é um estado subjetivo
da mente, mas não temos que esquecer que, em Europa, a terceira parte dos
habitantes se declara ateia, percentagem que está a se incrementar
progressivamente, e que muitos dos que se declaram crentes têm muitas dúvidas
sobre muitos aspetos da sua fé. Tem verdades o cristianismo? Os que crêem nele
dirão que sim, enquanto que outros o negarão. Se lhe fazemos caso a Nietzsche a
resposta não teria dúvida.
"«A religião não conteve nunca, nem mediata nem imediatamente, nem em
dogmas nem em parábolas,
uma só verdade». Pois todas elas nasceram do medo e da necessidade e fundaram a
sua existência sobre os erros da razão;" (Humano,
Demasiado humano, 3ª parte, nº. 110. Também nºs. 111 e 112. Eu gostaria, antes
de pronunciar-me ao respeito, que alguém manifestar quais são as verdades mais
salientáveis que são patrimônio desta religião e após realizar uma análise das
mesmas.
Nas
ciências formais, lógica e matemáticas, praticamente todas as proposições são
verdadeiras, mas isso à custa de não dizer nada sobre a realidade, ou seja, são
proposições vazias de contido. Em astronomia, além doutros, creio que é um
logro o heliocentrismo; em química também parecem proposições definitivas as
relativas á composições dos corpos em elementos mais simples, polo menos até o
nível dos prótons e nêutrons. Mais problemático é o referido ás teorias
científicas, pois sempre pode surgir uma nova que invalide as anteriores. O
cometido de qualquer científico ou filósofo é precisamente procurar falsar as
teorias anteriores para buscar uma mais acertada e/ou simples e englobante. A
filosofia não é um conjunto de verdades adquiridas definitivamente senão mais
bem um conjunto de problemas ou questões que nos interpelam. Os interrogantes
aos que pretenderam responder os nossos antepassados devem ser
re-problematizados á vista de novos dados e novas situações. A religião, polo
contrário, parece ser o único saber impermeável a qualquer falsação e por
muitos contra-exemplos que se aduzam quer manter-se incólume contra vento e
mareia, mas isso não pode por menos de minguar à longa a sua credibilidade.
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