Perseguição dos judeus durante a I cruzada
Como
vimos na entrega anterior, o cristianismo lançou, durante os primeiros séculos,
os mais grossos qualificativos contra os judeus justificadas no facto de terem
dado morte a Jesus Cristo, definido polo concílio de Niceia do 325 como
consubstancial com o Pai eterno, o qual equivaleria, de ser ajustada esta
proclamação, de terem dado morte ao mesmo Deus. Ao mesmo tempo, considerou-se
como o novo povo elegido e preferido por Deus, e o guarda e garante de que se
realize a sua vontade. Isto legitimá-lo-ia a perseguir a quem não aceitasse
submeter-se aos desígnios que Deus lhe confiou aos seus vice-gerentes na terra.
A auto-proclamação como povo elegido e a qualificação do carpinteiro Jesus de
Nazaré como Deus vão ser os eixos de legitimação das maiores perseguições
contra os judeus. Quando uma instituição tem uma história como o cristianismo
não está legitimada para protestar e denunciar que se ferem os seus sentimentos
religiosos, porque os demais também os têm e ela nunca os respeitou nem os
respeita na atualidade, como vemos nestes textos e nos seus pronunciamentos
contra os homossexuais. As confissões religiosas declaram alguns espaços como
sagrados, que não se diferenciam em nada dos demais salvo numa declaração
eclesial que assim o estipula, e isso, segundo ela, permite-lhe perseguir a
quem, dissentindo do seu critério,
realiza algum ato, decisão ou manifestação, que elas consideram incompatível
com a citada declaração. Igualmente, estabelecem que Jesus é filho de Deus e
ele mesmo Deus consubstancial com o Pai, e este pronunciamento, apesar de ser
contrário ao que dizem as Escrituras e os Santos Padres, serve-lhe para
descarregar todo o seu ódio e agressividade contra todo um povo, ainda que a
maioria dos seus membros nem sequer saibam quem foi esse Jesus nem conheçam os
pormenores da sua morte. Tenhamos presente que o objeto deste trabalho não é
sacar a reluzir os trapos sujos do cristianismo senão manifestar a nossa
desconformidade contra as reiteradas denúncias apresentadas polos cristãos
contra manifestações muitas vezes humorísticas pretextando que isso fere os
seus sentimentos religiosos. Pretendemos demonstrar que quando faz isto está
quebrantando o concelho evangélico de Mt. 7, 3, que diz: “E por que vês o
argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?”.
As
cruzadas medievais são expedições militares impulsadas polo poder religioso
contra os infiéis, principalmente os muçulmanos com a finalidade de
arrebatar-lhe os santos lugares e pô-los sob o controlo dos reinos cristãos. O
papa era a esta altura um soberano mais, chefe dos Estados Pontifícios,
dominação legitimada pola falsa doação de Constantino supostamente ao papa
Silvestre, e, com o objetivo de criar uma teocracia medieval universal põe no
seu ponto de mira o controlo dos santos lugares. Com esta finalidade,
substituiu a doutrina cristã contrária a participar em guerras dos três
primeiros séculos polo conceito de guerra justa agostiniana, e introduziu o
conceito de «paz de Deus», destinado a proteger os bens da Igreja e dos pobres,
coordenado com o de «trégua de Deus», ou seja, o cesse das atividades bélicas
em certos dias da semana, principalmente o domingo e sábado, que normalmente
não se cumpria. Ao mesmo tempo, converteu a guerra justa, em guerra santa,
noção tomada do Islame, aplicada precisamente à luta contra os infiéis
muçulmanos e judeus, e que racha com a política anti-belicista da Igreja dos
três primeiros séculos, que considerava a guerra como um assassinato em massa,
o qual explica que se negassem a combater no exército imperial romano. “A
morte no campo de batalha não se considerava gloriosa, nem a morta em luta
contra o infiel se considerava como martírio; o mártir morria só armado com a
sua fé. Lutar contra o infiel era lamentável, ainda que a vezes não podia
evitar-se; lutar contra irmãos cristãos resultava duplamente mau”1. A cruzada estava a cargo da Igreja, e, para
dirigi-la o papa nomeou a Ademaro de Montiel, bispo de Puy. O papa Urbano II
focou duas possibilidades: contratar um exército de mercenários, que era uma
solução cara e não muito fiável, ou explorar o sentimento religioso dos fiéis,
que foi a solução elegida e explorada com notável sucesso.
Historicamente não se conhecem
nenhuma campanha de perseguição do povo hebreu contra outros povos, como
aconteceu com o cristianismo a partir do momento em que foi declarado religião
oficial do Império Romano e muito especialmente durante as cruzadas e a
inquisição, e com os muçulmanos especialmente durante as cruzadas e nos séculos
XIX - XX, mas não se pode achacar este facto a um especial pacifismo inato do
povo israelense, senão que quiçá cumpre explicá-lo pola ausência de poder suficiente
num mundo em minoria e pola consequente incapacidade para dominar coativamente
aos seus vizinhos. Aliás, a sua dedicação a atividades financeira, que requere
um clima de paz para ter êxito, criou neste povo uma cultura mui pouco
favorável à violência, numa época em que a nobreza feudal, com uma mentalidade
baseada no honor, se propôs e resolver conflitos, endireitar tortos, e se
dedica a empreender façanhas nas que era usual o recurso às armas. Devido á sua
negativa experiência histórica os judeus associam o cristianismo com momentos
álgidos de grande perseguição contra os judeus e a aplicação de métodos de
castigo desapiedados: cruzadas, inquisição, queimas do Talmude, torturas, ódio
e anti-semitismo, se bem alguns exculpam disto a Jesus e reconhecem a grande
projeção que alcançaram com ele muitos dos valores do povo hebreu.
Na
Espanha visigótica, os judeus foram perseguidos pola monarquia e pola Igreja
Católica, a partir do momento em que Recaredo se converte ao catolicismo e
impulsa a homogeneização religiosa dos seus súbditos, que vai ser especialmente
premente nos reinados de Sisebuto (612-621), que endureceu as leis anti-judias
e se decretou a conversão forçosa dos judeus, e de Ecija (687-702) que decretou
a escravidão de judeus e conversos. Quando os muçulmanos desembarcaram em
Espanha no ano 711, os judeus experimentaram uma sensação de alívio por
considerar que permitiria mitigar a sua situação de fustigação a que estavam
submetidos nos reinos cristãos, e, realmente, nas zonas de domínio muçulmano,
ainda que numa situação de subordinação, gozaram de paz e de liberdade de
culto.
No
século XI, as elites monárquico-nobiliárias e clericais fervem com ânsias de
proezas, aventuras e sucessos bélicos e empreendem as cruzadas de libertação
dos santos lugares a esta altura em poder dos sarracenos. Os predicadores ao
tempo que exortam à paz interior, fomentam a guerra com o exterior, pois os
nobres somente podem verter sangue pola causa de Deus. O objetivo primordial
das cruzadas era a luta contra o infiel muçulmano para libertar Jerusalém do
seu domínio e restabelecer o culto cristão, mas, de facto, converteram-se
também numa cruenta perseguição e extermínio dos judeus. Segundo o rabino
Eliezer Bar Nathan, “levantou-se gente arrogante de fala estranha, uma nação
fria e impetuosa, franceses e alemães, de todas as direções. Decidiram partir
para a Cidade Santa, para buscar a sua casa de idolatria, banir os ismaelitas e
conquistar o território para si mesmos”2. Muitos historiadores aprestam-se a exonerar
a Igreja deste massacre e afirmam que vários bispos se opuseram a este
genocídio, mas, sem restar-lhe validez a esta afirmação, também é certo que
vários os atraiçoaram apesar das somas de dinheiro recebida para protegê-los e
outros somente acederam a protegê-los se se convertiam ao cristianismo, e, por
outra parte, não pode ser eximido de culpa quem cria um caldo de cultivo
baseado na animadversão contra uma etnia por, supostamente, ter dado morte a
Deus. De ser certa esta afirmação, pouco crédito mereceria este Deus que não só
se amostra impotente para remediar as misérias alheias senão que nem sequer é
capaz de defender-se a si mesmo, se bem se constitui num potente reclamo para
semear a morte e a destruição. Aliás, os desmandos das mesnadas cristãs nunca
foram condenadas, que eu saiba, por nenhum documento papal apesar de ser os
pontífices os máximos impulsores destas correrias, e nunca foi submetido a
juízo nenhum dos participantes neles apesar da sua gravidade, e o pretexto foi
sempre que os seus autores não apareceram. Item mais, não se tomaram medida
alguma para evitá-los nem sequer nas cruzadas posteriores. Há um elemento que
vai propiciar o incremento da participação nas cruzadas e a subsequente
violência exercida contra o povo judeu que é a dispensa de pagamento das
dívidas dos devedores com os acredores, que eram normalmente judeus.
Neste
clima de incitação à violência contra os infiéis participaram os pontífices
Alexandre II que pregou a cruzada contra o infiel muçulmano ibérico
prometendo indulgências aos cristãos que combatessem pola cruz na Espanha. O
papa Gregório VII, que acunhou a expressão milites Christi, soldados de
Cristo, convidou os príncipes da cristandade a implicar-se na contenda no reino
espanhol que, a esta altura, pertencia à Sé Pontifícia. O seu sucesso contra os
muçulmanos peninsulares induziu-o a prometer indulgências aos cristãos que se
decidissem a ajudar o império bizantino, após a sua derrota na batalha de
Manzikert ante os turcos em Ásia Menor, mas a promoção das cruzadas deve-se
principalmente ao papa Urbano II (1088-1099) que, para satisfazer a
petição de ajuda do imperador bizantino Alejo Conmeno, em dezembro do
ano 1093, II (1088-1099) celebrou um concílio em Limoges, onde se tratou da
cruzada contra os sarracenos, e em novembro do ano 1095 convocou um concílio
que se celebrou em Clermont-Ferrand no que se decidiu perfilar o tema da
cruzada “ou da expedição para a libertação da terra santa, que ele propusera
também no concílio de Piasença de março deste mesmo ano. Como vemos, o papa
insiste na ideia de guerra contra o infiel ao que pretende derrotar com objeto
de estabelecer o domínio religioso cristão em todo o mundo por meio de
expedições bélicas de puro aventureirismo político-religioso que se converteram
nas primeiras campanhas ocidentais em território estrangeiro. A seguir
redigem-se 32 cânones dos que recolhemos os quatro primeiros:
“1.º
A paz ou a trégua de Deus será guardada todos os dias para com os clérigos, os
monges e as mulheres; a respeito das outras pessoas, será guardada, polo menos
a quinta feira, sexta feira, sábado e domingo.
2º.-
A cruzada será substituta de toda classe de penitência para os cruzados que
façam a viagem a Jerusalém, por um motivo de devoção, e não para adquirir
gloria ou riquezas.
3º.-
Somente se darão os deados e os arciprestados das igrejas aos presbíteros e os
arquidiáconos aos diáconos.
4º.-
As eclesiásticos não levarão armas”3. Ou seja, que antes de empreender esta
aventura já decidem perdoar os pecados, repartir o botim e fixar os dias de
trégua. A cruzada devia iniciar-se em agosto de 1096, mas já na primavera
partiram as primeiras expedições de bandas ávidas de combate e de sangue pola
glória de Deus, muito pouco organizadas e disciplinadas.
Uma
vez terminadas as deliberações o papa dirigiu um chamamento a uma multidão de
seculares e clérigos descrevendo a lamentável situação dos cristãos dos santos
lugares a mãos dos sarracenos ou muçulmanos, que já tomaram as cidades de
Antioquia, Éfeso e Niceia e ameaçam as nações cristãs. “A raça dos elegidos
sofre atrozes perseguições, e a raça ímpia dos sarracenos não respeita nem às
virgens do Senhor nem os colégios dos sacerdotes. Atropelam os débeis e os
anciãos, às mães quitam-lhes os seus filhos para que possam olvidar, entre os
bárbaros, o nome de Deus”4. Como vemos, agora o cristianismo também se apresenta como a raça
elegida e, portanto, abre-se a via para matar em nome do seu Deus protetor. O
papa exorta-os a empreender sem demora a guerra santa contra os muçulmanos pola
libertação do povo de Deus prometendo-lhe o perdão dos seus pecados. “À
todos os que partirão e que morrerão no caminho, quer em terra ou por mar, ou
que perderão a vida combatendo os pagãos, ser-lhe-á acordado o perdão dos seus
pecados. E eu concedo-lho a aqueles que participarão desta viagem em virtude da
autoridade que tenho de Deus... São as recompensas eternas o que vão ganhar os
que se faziam mercenários por um soldo. Trabalharão por um dobre honor os que
se fatigavam em detrimento do seu corpo e da sua alma. Eram aqui tristes e
pobres; serão além alegres e ricos. Aqui, eram inimigos do Senhor; além serão
os seus amigos”5. Por conseguinte, o papa promete-lhe uma vida regalada em além-túmulo a
câmbio de imolar-se ad majorem Dei gloriam no presente, e todo garantido polo
vice-gerente de Deus na terra sem gastar nem um cêntimo. Também lhe ofereciam
uma libertação das suas dívidas, o qual motivou que muitos pessoas endividados
se animassem a alistar-se nestas expedições, que eram consideradas como
legítimas e justas porque eram obrigações contraídas com uma raça ímpia que
tinha dado morte a Cristo.
Em
realidade, em vez duma cruzada houve duas: uma do papado e a nobreza,
integrada por cinco grandes exércitos nobiliários, ao mando de Godofredo de
Bulhão, duque da baixa Lorena, e Roberto de Normandia, e outra dos mendigos,
caraterizada esta por ser um movimento anti-semita surgido majoritariamente nas
capas baixas da população, fundamentalmente entre os campesinos de França e
Alemanha. A violência estala na cidade francesa de Rouen, onde os
cruzados arrastaram à Igreja os judeus e mataram a todos os que se negaram a
ser batizados, e estende-se polas
renanas de Mainz, Espira, Worms e Köln (Colónia). A cruzada dos mendigos estava
comandada, num princípio, por Pedro de Amiens ou o eremita (ca.
1050-1115), que em vez de matar judeus preferiu utilizar a extorsão para
procurar dinheiro dos judeus; levava uma carta dos judeus da França na que se
pede aos judeus de Trier que doem provisões aos cruzados, ainda que na sua viagem
por Hungria as suas tropas tomaram por assalto a cidade de Semlim e mataram
perto de quatro milhares de húngaros. O seu liderado foi-se disseminando, mas
como fruto da sua predicação, progressivamente outros tomaram o seu relevo. Um
dos novos líderes foi o conde Emicho de Flonheim, um cavaleiro e bandido
de Renânia, grande inimigo dos judeus, que foi quem congregou a tropa mais
numerosa, ao que se uniram grande quantidade de singelos peregrinos que
confiavam na sua inspiração divina, em total, uns dez mil homes, mulheres e
meninos. Outros chefes surgidos também como resultado da predicação de Pedro o
eremita foram o sacerdote Volkmar que, desde finais de abril, perseguiu
os judeus em Magdeburgo e em Praga, Boêmia, onde massacraram todos os judeus da
cidade, mas, quando em Hungria começaram as pilhagens, o seu exército foi
massacrado polo exército de Coloman; e o
monge alemão Gottschalk, discípulo de Pedro, que dirigiu uma cruzada
desde Renânia a Hungria, e perto de Taplany, massacrou a população, e, à sua
vez, as suas hostes foram massacradas polo exército húngaro de Coloman, a
finais de 1096, a causa das suas pilhagens. Os ataques dos cruzados
produziram-se em lugares muito dispares e ao uníssono e algum autor sugere que
obedeceram a uma inspiração violenta, mas esta explicação é totalmente
desacertada já que não se acredita nenhuma inspiração nem sequer da Bíblia, e o
lógico é que obedeça a que o zelo das autoridades cristãs produziu um caldo de
cultivo que se traduziu num clima de fervor e fanatismo na população que teve
como resultado estes massacres generalizados de judeus. Aliás, uma inspiração
nunca é violenta, senão que são violentos os efeitos da inspiração.
As
mesnadas cristãs, antes de dirigir-se contra os muçulmanos de Oriente provaram
sorte matando a judeus nas cidades próximas, e “Quando passam por povos onde
havia judeus diziam entre eles «Viajamos a terras distantes para buscar a casa
de idolatria e tomar vingança nos ismaelitas, mas aqui estão vivendo entre nós
os judeus, cujos antepassados o mataram e crucificaram sem motivo. Primeiro
tomemos vingança neles, destruamo-los
como povo para que o nome de Israel não se volva a recordar ou de modo que
sejam iguais a nós e se submetam ao filho da luxúria (Jesus)»”6.
O
3/05/1096, os cruzados atacaram Espira e, apesar da proteção do bispo,
não pudo evitar que mataram a dez judeus que se negaram a batizar-se. O rabino
Eliezer narra-o assim: “O dia 8 de lyar (abril-maio), sábado, o inimigo
atacou a comunidade de Espira e matou dez almas santas que santificaram o seu
Criador no Sábado santo e rejeitaram sujar-se a si mesmos adotando a fé do seu
inimigo. Havia uma mulher piedosa que se matou a si mesma em santificação do
nome de Deus. Foi a primeira de todas as comunidades que foram matadas”7. Em Worms o bispo também intentou
protegê-los albergando-os no palácio episcopal, mas sem sucesso, porque foi
assaltado polos cruzados que mataram não menos de 800 judeus que rejeitaram
batizar-se. “O dia 23 de Lyar os lobos das estepes atacaram a comunidade de
Worms. Alguns da comunidade estavam na casa, e alguns na corte do bispo local.
Os inimigos e opressores atacaram os judeus que estavam nas suas casas,
pilhando e matando homes, mulheres e filhos, moços e velhos. Destroçaram as
casas e abateram as escadas, saqueando e pilhando; e colheram a sagrada Tora,
pisaram-na lama da rua, e despedaçaram-na e profanaram-na entre escárnio e riso”8. Sete dias mais tarde fizeram o mesmo com os
judeus que estavam recluídos no palácio do bispo e a reação destes foi também a
mesma. Os mortos nestes dous dias foi duns 800.
O
27/05/1096, as tropas do conde Emicho atacaram ao judeus que se
refugiaram na palácio arcebispal de Mainz no que o arcebispo Rothard
lhes dera refúgio e os protegera com a guarda episcopal a câmbio duma incrível
quantidade de dinheiro, mas quando Emicho exigiu a sua entrega foram
abandonados pola guarda episcopal e o bispo desapareceu subitamente. Perante a
sorte fatal que lhes esperava e a impotência para fazer frente a esta situação,
eles mesmos decidem imolar-se para não ver-se obrigados a renunciar à sua
fé. Este ataque saldou-se com a morte
duns 1.100 judeus, incluídas mulheres e meninos, porque “o inimigo não
amostrou misericórdia com as crianças e meninos de peito, nem piedade para as
mulheres a ponto de dar a luz, Não deixaram sobrevivente ou resto senão uma
fruta seca, e duas ou três sementes, devido a que todos eles estavam
impacientes para santificar o nome do Céu. E quando o inimigo estava sobre
eles, todos gritaram duma grande voz, com um coração e uma língua: «Ouve, o
Israel,», etc.”9. O comportamento dos judeus foi similar á dos seus compatriotas de
Espira e Worms. “As mulheres cingem
os seus lombos com força e mataram os seus filhos e filhas e elas mesmas.
Muitos homes, também, armaram-se de coragem e mataram as suas viúvas, os seus
filhos, as suas crianças. A tenra e delicada mulher mata o seu filho com o que
jogou, todos, home e mulheres erguem-se e matam-se uns a outros. As donzelas e
noivas novas e criados olham pola janela e com uma alta voz gritam: «olha e
mira, o deus nosso, o que fazemos pola santificação do teu grande nome para não
cambiar-te por um colgado e crucificado...»”10. “Os que estavam escondidos em Neuss,
Welfinghofen e Xanten, Moers, Geldern e Alternahr sofreram o mesmo destino que
os demais, e também muitos escolheram o suicídio”11.
Em
Köln (Colônia) os judeus não puderam evitar outra matança. “Milhares
de judeus foram linchados em Köln, apesar de que o arcebispo da cidade intentou
evitá-lo albergando-os no seu próprio palácio”12. As notícias da crueldades praticadas com os
judeus chega a Köln e os membros desta comunidade puseram-se a tremer perante o
que se lhe avizinhava. “As notícias chegam a Köln o cinco do mês, a véspera
de Pentecostes, e instilou um medo mortal na comunidade. Cada um escapou para
as casas de conhecidos pagãos e permaneceu ali. À amanhã seguinte os inimigos
levantaram-se e irromperam nas casas, saqueando e pilhando. O inimigo destruiu
a sinagoga e removeu os rolos da Tora, profanando-a e lançando-a nas ruas para
ser pisada debaixo dos pés”13. Em Trier e mais tarde em Regensburg, os cruzados lograram que
os judeus se converteram em massa, se bem com pouco sucesso porque, ao
desaparecer a ameaça sobre eles, volveram de novo à praticar a sua religião. Em
Trier, “alguns judeus que viviam lá... tomaram os seus filhos e
espetaram-lhe um cuitelo no ventre dizendo que deviam enviá-los ao seio de
Abraão com a finalidade de que não se convertam numa pelota nas mãos dos
maníacos cristãos. Algumas das mulheres encheram as mangas e os corpinhos com
pedras e botaram-se ao rio desde a ponte. Os demais que ainda tinham algum
interesse pola vida amontoaram todos os seus bens e fugiram ao palácio onde
precisamente naqueles dias se achava o bispo Eguiberto e, com bágoas nos olhos,
suplicaram-lhe que lhes concedera proteção. O arcebispo aproveitou a ocasião
para admoestá-los a que se batizaram... Terminada a admoestação, um rabino
chamado Micha adiantou-se e rogou ao bispo que os ensinara, como assim fez,
explicando-lhe o contido da religião católica. Então Micha exclamou: Ponho a
Deus por testemunha de que eu creio o que ti acabas de expor e de que apostato
do judaísmo; quando os tempos sejam mais tranquilos, estudá-lo-ei com mais
detalhe. Agora batiza-nos rapidamente a fim de que possamos escapar dos nossos
inimigos. O mesmo disseram todos os demais judeus. Então o arcebispo batizou-o
e deu-lhe o seu nome, e os sacerdotes que se achavam lá batizaram todos os
demais. Estes últimos abandonaram a fé católica ao ano seguinte, mas o rabino
permaneceu fiel ao arcebispo e à sua nova religião”14. Numa situação de medo extremo da comunidade
judia, ao arcebispo não se lhe ocorre nada melhor que aproveitar para
chantageá-los obrigando-os a intercambiar vida por batismo. Estas conversões «forçadas» e a galope
somente se prestam a semear a hipocrisia nas pessoas, da que são consequência o
engano, a dobrez de pensamento, palavra e obra e o ódio contra as pessoas e
instituições que atuam tão iniquamente.
Noutras
cidades, como na bávara Regensburg (Ratisbona), os cruzados submergiram
os judeus amedrontados em massa no Danúbio a modo de batismo coletivo. As
razões do ódio anti-semita obedecia a razões religiosas, por atribuir-lhes ao
povo judeu a responsabilidade da morte de Jesus; e por razões econômicas,
porque a comunidade judia era próspera porque se dedicava a uma atividade muito
lucrativa como é o empréstimo de dinheiro e as suas riquezas eram muito
cobiçadas. O conde Emicho, igual que os outros dous aventureiros: Volkmar e
Gottschalk, também fracassou no seu intento de libertar a Terra Santa dos
infiéis pois as suas mesnadas foram derrotadas em Hungria e viu-se obrigado a
retornar por onde vinhera.
A
cruzada dos mendigos teve mui pouco sucesso, mas a dos barões, às ordens de
Godofredo de Bulhão, Godofredo de Tolosa e Boemundo de Tarento sim comseguiu o
seu objetivo, pois, em março de 1098, Balduino toma Edesa e funda o condado
deste nome, que durará até o ano 1144. Boemundo logra entrar em Antioquia em
junho de 1098, com a conivência da população, e o 15/07/1099 os cruzados tomam
Jerusalém, criando assim vários reinos de taifas», dependentes dos ocidentais e
principalmente do papa, de vida efêmera. Godofredo rejeita a coroa de Jerusalém
e toma o título de advogado de Santo-Sepulcro, reservando assim os direitos da
Igreja sobre o novo reino, Os cruzados celebraram a tomada de Jerusalém com uma
autêntica carniçaria da população sarracena. “Entrados na cidade, os nossos
peregrinos perseguiam e massacravam os sarracenos até o templo de Salomão, onde
se juntaram e onde travaram aos nossos o combate mais furioso durante todo o
dia. De modo que o templo todo inteiro estava banhado do seu sangue”15. Mas as vítimas desta carniçaria foram
também os judeus, as mulheres e os meninos. Os defensores judeus recluiram-se
numa sinagoga para orar e «preparar-se a morrer», e os “Frany (franceses)
bloquearam as saídas e, a seguir, apinhando feixes de lenha todo o arredor,
prenderam-lhe fogo. Aos que intentavam sair matavam-nos nas vielas próximas. Os
demais queimavam-se vivos”16.
1. RUNCIMAN, STEVEN, Historia de
las cruzadas, Alianza Editorial, Madrid, 1987, pp. 91-92.
6. Tomado de SUÁREZ BILBAO,
Antisemitismo en Europa, Dykinson, Madrid, 1984, p. 148.
7. BAR NATHAN,
ELIEZER, The chronicles of rabbi Eliezer Bar Nathan, "The Massacres of
Jews by the First Crusaders" (1096)
9. BAR NATHAN, ELIEZER, The
chronicles of rabbi Eliezer Bar Nathan, "The Massacres of Jews by the
First Crusaders" (1096)
11. SUÁREZ BILBAO, FERNANDO, Los
judíos y las cruzadas. Las consecuencias y su situación jurídica,
https://digitum.um.es/jspui/bitstream/10201/35399/1/51881-221121-1-PB
12. GARCIA BLACO, JAVIER, Historia del
papado, América Ibérica, 2010, p. 94.
13. BAR
NATHAN, ELIEZER, The chronicles of rabbi Eliezer Bar Nathan, "The
Massacres of Jews by the First Crusaders" (1096)
14. SUÁREZ BILBAO, FERNANDO, Los
judíos y las cruzadas. Las consecuencias y su situación jurídica,
https://digitum.um.es/jspui/bitstream/10201/35399/1/51881-221121-1-PB
15. La prise de Jérusalem (1099)
historien.geographe.free.fr/tyrjerusalem.doc
16. MAALOUF, AMIN, Las cruzadas
vistas por los árabes, Alianza Editorial, Madrid, 1989, p. 17.
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