Matança de sarracenos em Jerusalém e
novamente de judeus
Já
sublinhamos na entrega terceira que as cruzadas foram organizadas para
conquistar os santos lugares em possessão dos muçulmanos e que, ainda que no
caminho mataram a grande quantidade de judeus, quando a cruzada dos barões
ocupa Jerusalém serão os muçulmanos os que levarão a pior parte. Alguns autores
cristãos pretendem justificar o proceder dos cruzados polo princípio «eles
também», aduzindo várias expedições de conquista protagonizadas polos
muçulmanos a partir do século VII que se saldaram com a conquista de vários
territórios cristãos, entre eles Jerusalém aos bizantinos no ano 638 polo
califa Omar, mas não se pode confundir qualquer guerra expansiva com uma guerra
de religião, porque isto obrigaria também a declarar como guerra de religião as
guerras de conquista de América por parte de Espanha. A prova de que a tomada
de Jerusalém não foi uma guerra de religião foi que se respeitou a liberdade
religiosa dos cristãos e não se obrigou a ninguém a converter-se ao Islame,
como si se fez na América. Uma guerra santa é aquela que se faz e nome da
religião, frequentemente acompanhada de benefícios espirituais para os que
participam nelas. Como protótipos de guerra santa figuram as cruzadas contra os
muçulmanos, contra os cátaros, valdenses e albigenses, alguns falam também da
cruzada-reconquista, e a jihad islâmica.
O
arcebispo Guilherme de Tiro narra assim o proceder dos cruzados com os
muçulmanos na conquista de Jerusalém o 15/07/1099: O duque Godofredo de Bulhão
“e todos os que tinham entrado com ele tendo-se reunido, cobertos com o seus
cascos e os seus escudos, recorriam as ruas e praças, com a espada nua,
golpeando indistintamente a todos os inimigos que se topava e não aforrando nem
a idade nem o rango. Vêem cair por todas partes novas vítimas, as cabeças
desprendidas dos seus corpos amontoavam-se aqui e lá, e já não se podia passar
polas ruas sem encontrar montões de cadáveres. Os príncipes quase chegaram ao
meio da cidade, prosseguindo o massacre sem interrupção, e o povo, sempre
disposto à carnagem, precipitava-se em massa sobre os seus passos, alterado
polo sangue dos infiéis”1. Além do duque, outros príncipes entraram também em tropel e imitaram a
sua carnagem. “O ilustre e corajoso conde de Toulouse entrou na praça,
seguido de Isoard, conde de Die, de Ramón Pelet, de Guilherme de Sabran, do
bispo de Albar e de muitos outros nobres... Todos, reunindo-se em grupos,
armados até os dentes, precipitaram-se simultaneamente na cidade, fazendo por
todas partes uma horrenda matança... Em fim, por todas partes a matança era tão
grade, o sangue corria com tanta abundância, que os vencedores mesmos deveriam
estar fatigados e experimentar por isso um sentimento de horror”2.
Um
cristão anônimo escreve que “Entrados na cidade, os nossos peregrinos
perseguiam e massacravam os sarracenos até o templo de Salomão, onde se
juntaram e onde travaram aos nossos o combate mais furioso durante todo o dia.
De modo que o templo todo inteiro estava banhado do seu sangue”3. Diz o historiador italiano Cesare Cantú que
”os cruzados apoderaram-se de Jerusalém a sexta feira, 15 de julho de 1099,
às três da tarde, hora em que Jesus Cristo expirara. Todos os horrores duma
cidade tomada por assalto vinheram a manchar aquele triunfo, e foram passadas a
cuitelo sessenta mil pessoas, tanto judeus como muçulmanos; foi tal a matança,
que os cristãos caminhavam sobre o sangue até o tornozelo; mas logo que
chegaram aqueles furiosos ao Santo Sepulcro, se lhes caíam as armas das mãos, e
prostrando-se em terra davam-se golpes de peito derramando bágoas de
arrependimento”4.
A
seguir, expomos dous pontos de vista de islamistas sobre a conquista de
Jerusalém, que, no substancial, concordam em descrever o acontecido como uma
carnagem desapiedada. O historiador islamista Ali ibn al-Athir faz a seguinte
descrição: “À população da Cidade Santa passaram-na a cuitelo, e os frany
(francos) estiveram matando muçulmanos toda uma semana. Na mesquita al-Aqsa,
mataram a mais de setenta mil pessoas”5. É muito difícil de verificar a cifra de
mortos, mas não cabe dúvida que se produziu um grande massacre, que cai na
categoria das que hoje se denominam crimes de guerra, genocídio e limpeza
étnica. A matança da população foi seguida da pilhagem das obras de valor e de
dinheiro. “Os francos massacraram mais de setenta mil muçulmanos na mesquita
de al-Aqsa. Entre eles, encontravam-se um grande número de imames, de ulemas e
de pessoas que levam uma vida piedosa e austera, que abandonaram a sua pátria
para vir rezar neste nobre lugar. Os
francos sacaram da capela da Sakhra mais de quarenta lâmpadas de prata, cada
uma dum peso de três mil seiscentos dírhans. Pilharam também um tennour de
prata que pesava quarenta ratls de Síria de menos tamanho. O botim feito polos
francos foi imenso”6.
O
historiador medievalista britânico, Steven Runciman faz o seguinte balanço da
atuação dos cruzados. Iftikhar e os seus homes foram os únicos muçulmanos da
cidade que se salvaram. “Os cruzados, enlouquecidos por uma vitória tão
enorme depois de ter sofrido tanto, lançaram-se polas ruas e cara às suas casas
e mesquitas matando a quantos encontravam nelas, homes, mulheres e meninos.
Durante toda a tarde e ao longo do toda a noite prosseguiu a matança... À
primeira hora da amanhã seguinte uma partida de cruzados forçou a entrada na
mesquita e matou-os a todos. Quando Raimundo de Aguilera, avançada a manhã, foi
visitar a zona do Templo, teve que andar abrindo-se caminho entre os cadáveres
e o sangue chegava-lhe até os joelhos... A matança de Jerusalém causou profunda
impressão em todo o mundo. Ninguém pode dizer quantas vítimas houve; mas
Jerusalém ficou vazia de muçulmanos e judeus. Incluso muitos dos cristãos
ficaram horrorizados polo que se tinha feito, e entre os muçulmanos, que
estiveram dispostos a aceitar os francos como um fator mais na emaranhada
política da época, houve uma evidente decisão de que os francos tinham que ser
expulsos desde aquele momento. Esta demonstração da sede de sangue do fanatismo
cristão deu origem ao renascimento do fanatismo do Islame”7.
Uma
vez tomada Jerusalém, muitos cristãos regressam para comunicar a boa nova. No
ano 1099 morre o papa Urbano II, e é substituído por Pascual II, que
chama à guerra «santa», sob o nome de cruzada, e condena os «desertores» que
não cumpram os seus deveres. Para o
governo da cidade de Jerusalém, o clero propôs uma teocracia regida por um
patriarca. “O clero reclamou a eleição dum patriarca com jurisdição sobre a
cidade santa. Mas os príncipes quiseram um reino temporal, e propuseram, em
primeiro lugar, a coroa ao conde Raimundo, que a rejeitou; depois ao duque
Godofredo. Sabe-se que este não quis tomar o título de rei, contentando-se com
o de protetor do Santo Sepulcro”8. Na dieta sinodal ou assembleia dos príncipes,
celebrada em Mainz na epifania de 1103, Henrique IV manifesta a sua vontade de
abdicar no seu filho Henrique V e fazer uma cruzada a terra santa. Nesta mesma
dieta, “Henrique fez assinar polos senhores laicos e eclesiásticos uma paz
perpétua, que cada um deles proclamaria na sua diocese ou na sua província.
Além dos clérigos, os monges e as mulheres, esta paz protegeria incluso os
judeus, nesse momento particularmente perseguidos polos cruzados que se dirigem
a Palestina”9.
A
inícios do ano 1114, celebrou-se um concílio em Gran que no artigo 61 estipula
que “os judeus não devem ter nem escravos, nem serventes nem obreiros cristãos”10.
No
bando muçulmano cria-se uma reação de descontento perante os abusos dos
cruzados sobre a população, que demanda a intervenção do exército para remediar
a situação. A sexta feira 17 de fevereiro de 1111, o cádi Ibn al-Jashab irrompe
na mesquita do sultão, em Bagdad em companhia dum nutrido grupo de cidadãos de
Alepo e “obrigaram o predicador a baixar do púlpito, que destroçaram -diz
Ibn al-Qalanisi- e puseram-se a gritar e a chorar polas desgraças que padecia o
Islame por culpa dos frany que matavam os homes e escravizavam as mulheres e
aos meninos. Como impediam orar os crentes, os responsáveis que estavam ali
fizeram-lhes, para acalmá-los, promessas em nome do sultão: enviariam exércitos
para defender o Islame dos frany e de todos os infiéis”11. A guerra santa contra o infiel vai ser
reclamada cada vez com mais insistência até a vitória final com a tomada de
Jerusalém e de todos os estados cristãos por Saladino em 1187.
Calixto
II, o papa que lhe concedeu o jubileu do ano santo em 1122 a Compostela,
chamara, em 1120, a uma nova cruzada para socorrer os «latinos» de Oriente,
ameaçados polos turcos, mas infrutuosamente. Este mesmo papa promulgou no ano
1123 uma bula titulada Sicut Judaeis, na qual proíbe sob pena de
excomunhão obrigar os judeus a converter-se ao cristianismo, ofendê-los,
apropriar-se dos seus bens, alterar o seu regime de propriedade, interromper as
celebrações dos seus festivais e interferir nos seus cemitérios. Isto indica
que todo isto se vinha fazendo e isso tem umas causas determinadas que não são,
prioritariamente, mais que o ódio contra este povo, acusado de dar morte nada
menos que a Deus. “Não se deve crer que há verdadeira fé cristã para aquele
que não veu espontaneamente ao batismo, senão que se sabe que chegou forçado.
Que nenhum cristão ouse feri-los, matá-los, colher-lhe algum dinheiro sem que
seja resultado do juízo dum magistrado, ou modificar os costumes que têm na
região na que viviam anteriormente. Evidentemente, que ninguém os bata com
bastões ou com pedras durante a celebração das suas festas, nem que exija deles
nenhum serviço forçado salvo os que efetuam habitualmente desde tempos passados”.
Esta bula foi reafirmada por Alexandre III, Celestino III (1191-1198),
Inocêncio III (1199), Honório III (1216), Gregório IX (1235), Inocêncio IV
(1246), Alexandre IV (1255), Urbano IV (1262), Gregório X (1272 & 1274),
Nicolau III , Martim IV (1281), Honório IV (1285-1287), Nicolau IV (1288-1292),
Clemente VI (1348), Urbano V (1365), Bonifácio IX (1389), Martim V (1422) e
Nicolau V (1447).
O
ano 1131, o papa Inocêncio II respondeu a uma carta do rei alemão Lotário II,
na que lhe diz que “a Igreja, seguindo os desígnios da divina providência,
suscitou-vos e colocou-vos como um novo Justiniano para dar leis, como um novo
Constantino para combater os judeus e os hereges”12.
O
24/12/1144 as tropas do governador de Mosul, o turco Zengi, entram na capital
do condado de Edessa, regido polo rei Joscelino II, que se saldou com a morte
de muitos cristãos, entre eles, o prelado. “Os cristãos indígenas foram
respeitados, mas todos os francos foram apresados e assassinados, e as suas
mulheres vendidas como escravas. Dous
dias depois, um sacerdote jacobita, que tomara o mando da cidadela, rendeu-se a
Zengi”13. A caída de Edessa causou um enorme impacto
em toda a cristandade, também preocupada polas grandes desavenças entre os
príncipes francos de Oriente, a disposição dos judeus de ajudar os muçulmanos
contra os cristão e a pressão dos turcos sobre Bizâncio. A solução papal foi
aventurar-se noutra nova guerra santa ou cruzada contra o infiel, ou seja,
contra os muçulmanos, também por vezes denominados pagãos.
O
1/12/1145, o papa Eugênio III dirigiu-lhe uma bula ao rei Luís VII de França e
a todos os príncipes e fiéis do reino de França, premindo-os a socorrer à
cristandade oriental. Nela diz: “Mas agora, os nossos pecados e aqueles do
povo mesmo requerendo-o, uma cousa que não podemos relatar sem grande dor e
lamento, a cidade de Edessa que na nossa língua se chama Rohais, -a qual
também, como se diz, outrora quando todo o mundo no leste estava dominado polos
pagãos, só por si mesma serviu a Deus sob o domínio dos cristãos- foi tomada e
muitos dos castelos dos cristãos ocupados por eles (polos pagãos). Além disso,
o arcebispo desta mesma cidade, junto com o seu clero e muitos outros cristãos,
foram assassinados, e as relíquias dos santos foram entregadas para ser pisadas
polos pés dos infiéis, e dispersadas. Polo qual quão grande perigo e ameaça à
Igreja de Deus e a toda a cristandade nós os dous sabemo-lo e não cremos que
esteja oculto à tua prudência. Porque é conhecido que será a mais grande prova
de nobreza, se aquelas cousas que adquiriram corajosamente os vossos pais sejam
corajosamente defendidas por vós os filhos. Mas se acontece doutra maneira, que
Deus o proíba, o valor dos pais seria visto ter diminuído no caso dos filhos”14. A seguir, apela o papa aos sentimentos de
afouteza do destinatário da sua bula para que se apreste a defender a Igreja
oriental. “Por esse motivo exortamos-vos a todos vós em Deus, pedimos e
exigimos, e, para a remissão dos pecados ordenamos, que todos os que são de
Deus, e sobre todo, os mais grandes homes e os nobres se cinjam corajosamente;
e que ti te esforces assim combater a multidão dos infiéis, que se alegraram no
seu momento com a vitória ganhada sobre nós, e assim defender a igreja
oriental, libertada da sua tirania por um tão grande derramamento de sangue dos
vosso pais, como temos dito- e arrebatar muitos milhares dos vossos irmãos
cativos das suas mãos, -que a dignidade do nome cristão possa ser incrementada
no teu tempo, e que o teu valor que é elogiado em todo o mundo, poda permanecer
intato e inquebrantável”. Termina prometendo-lhe o perdão dos pecados, a
preservação dos bens dos participantes pola Igreja até o seu regresso e a
isenção do pagamento dos juros aos seus acredores. Esta decisão de conceder
recompensas espirituais, entre elas o perdão dos pecados, remonta a Leão IV,
que lhe prometeu benefícios espirituais aos francos que se aprestassem a expor
a morrer em combate contra os sarracenos que estavam pilhando Roma e o seu
território. João VIII (s. IX), acordou conceder a absolvição dos pecados aos
que estejam dispostos a morrer combatendo os sarracenos” na Itália. “Os que
com caem em combate de guerra com piedade da religião católica, que os recebam o
descanso da vida eterna”15; e Alexandre II escreveu, em 1063, numa carta ao bispo de Narbona,
Gaufrid, que “Todas as leis, tanto eclesiásticas como civis, condenam o
derramamento de sangue humana, salvo que por acaso castiguem por juízo um crime
já cometido, ou, como é o caso dos sarracenos, que ocorresse uma provocação
hostil. Assim atuas judiciosa e louvavelmente porque não permiti-ches que os
judeus sejam perseguidos sem causa. Urgimos-te que atues de novo de maneira
semelhante se for necessário”. Em março de 1075, o papa Gregório VII, em
pleno apógeu da sua atividade centralizadora, tanto litúrgica como disciplinar,
e do papacesarismo promulga o Dictatus Papae, segundo o qual o papa é a
autoridade suprema do mundo, pode julgar a todos e não pode ser julgado por
ninguém, e a ele devem obediência os príncipes, reis e o próprio imperador,
Nele pretende acaparar para a igreja Romana, identificada praticamente com a
pessoa do Pontífice, concebida como sagrada e inviolável e autoridade suprema
no mundo, todo o poder tanto espiritual como temporal. São 27 dictatus nos que
se constata que o papa perdeu contato com a realidade, dos quais os mais
relevantes são os seguintess:
““III.
«Que só ele pode depor e repor bispos.
IV.
«Que o seu legado preside a todos os bispos ainda que seja dum rango inferior e
pode dar contra eles sentença de deposição...
VI.
«Que com os excomungados por ele, entre outras cousas, não devermos permanecer
na mesma casa...
VIII.
«Que só ele pode usar das insígnias imperiais.
IX.
«Que os príncipes beijem somente os pés do papa...
XII.
«Que lhe é lícito depor imperadores...
XVI.
Que nenhum sínodo se chame geral sem o seu mandado...
XVIII.
Que a sua sentença não pode ser revisada por ninguém e ele pode revisar a de
todos.
XIX.
Que não pode ser julgado por ninguém...
XXII.
Que a Igreja romana nunca errou nem errará no futuro segundo testemunho da
Escritura...
XXVI.
Que não seja considerado católico quem não concorda com a igreja Romana.
XXVII.
Que o papa pode eximir os súbditos da fidelidade para com príncipes iníquos”. Este é o texto que expressa melhor o
hipercriticismo da igreja e a escassa tolerância à crítica, que, numa
organização piramidal, se se vai estender a todos os níveis inferiores de
mando, atendendo ao princípio de autoridade e à norma de que o superior nunca
deve ser criticado, que eliminou a crítica da igreja e, com ela, o instrumento
de transformação e de câmbio, que teve como efeito a paz dos cemitérios..
O
chamamento à cruzada do Papa teve pouco êxito num princípio, mas uma vez que se
conhece que o rei Luis VII de França decide participar, promulga de novo a bula
em março de 1146.
O papa julgou que a cruzada devia estar
melhor organizada e centralizada que a primeira, ser dirigida polos reis mais
poderosos de Europa e que os predicadores deviam ter autorização papal. A
predicação da cruzada corre a cargo de Bernardo de Claraval, que foi capaz de
catalisar o entusiasmo da gente logrando que muitos se aderissem a ela. A
predicação também conseguiu catalisar o ódio contra os judeus que se saldou com
a morte de aderentes desta religião nas comunidades judias, especialmente em
Renânia, Köln, Mainz, Worms e Espira, por tê-los acusado de não querer
contribuir com o seu dinheiro à libertação da terra santa. “Como nos dias da
primeira cruzada, o entusiasmo provocado pola notícia do movimento volveu-se
contra os judeus. Em França, o abade de Cluny, Pedro o venerável, lamentou com
eloquência que não contribuíssem economicamente ao socorro da cristandade. Em
Alemanha, um fanático cisterciense chamado Rodolfo estava incitando a matanças
de judeus por toda Renânia, Köln, Mainz, Worms, Espira e Estrasburgo”16. Segundo Graëtz, este abade considerava que
os judeus eram piores que os sarracenos porque rejeitam todas as crenças
cristãs, enquanto que os sarracenos aceitam que Jesus nasceu duma virgem. “Pedro
de Cluny foi mais longe: por que, escreveu a Luis XIV, marchar a países
afastados à procura de inimigos do cristianismo, quando deixamos os judeus, que
são piores que o sarracenos, ultrajar pacificamente entre nós, as nossas
práticas mais santas. Porque o sarraceno, ainda negando o dogma da encarnação,
admite polo menos que Jesus nasceu duma virgem, enquanto que o maldito judeu
rejeita todas as nossas crenças. Fiel à lei que proíbe o assassinato, não vos
pido que ordeneis o massacre destes blasfemadores; Deus não quer que sejam
exterminados, devem errar polo mundo como Caim, carregados de vergonha e de
opróbrio, e levar uma vida mil vezes pior que a morte. A sua existência é vil,
miserável e turbada por contínuos sustos. Não é preciso, pois, matá-los, mas
infligir-lhe um castigo que esteja em relação com a sua condição. O piedoso
abade terminava a sua carta aconselhando o rei de despojar os judeus de todos
os seus bens, com a finalidade de que o dinheiro destes malditos judeus tenha
polo menos um emprego útil, servindo para combater os sarracenos”17. Desenham-se no cristianismo dous modus
operandi, ambos sumamente lesivos contra os judeus: o dos que manifestam que há
que matá-los pola via rápida e a dos que cumpre matá-los pola via lenta,
fazendo-lhe a vida impossível. O abade Pedro optou pola segunda e Rodolfo pola
primeira, Este monge escapou do seu convento sem autorização do seu superior, e
“indo de cidade em cidade e de vila em vila, predicou por todas partes o
extermínio dos que chamava deicidas. As perseguições teriam, certamente,
devindo ainda mais sangrantes que a primeira vez, se o imperador Conrado não
lhe tivera concedido ao judeus uma proteção eficaz”18. Além da proteção imperial, alguns bispos
também os protegeram, mas muitas vezes dum modo ineficaz, como sucedeu em
Mainz, onde os judeus asilados na palácio episcopal foram assassinados polo
populacho em presença do mesmo bispo. Citam-se como vítimas mortais: um home em
Trier e uma mulher em Espira, ambos por negar-se a ser batizados. Em Würzburgo,
mais de 20 judeus foram assassinados sob o rumor de que os judeus foram os
causantes da morte dum cristão. Quando o imperador Conrado marchou para a
cruzada, os judeus ficaram desamparados e vários deles foram matados polo
populacho em diversos pontos de Alemanha. O balanço que faz o historiador judeu
Graëtz é o seguinte: “a segunda cruzada foi menos desastrosa para os judeus
que a primeira, porque os príncipes e os altos dignitários da Igreja os
protegeram, e também porque o imperador de Alemanha e o rei de França, que se
puseram à cabeça dos cruzados não aceitaram nos seus exércitos bandas de
bandidos e assassinos, como o fizeram Guilherme o Carpinteiro e Emicho de Leiningen.
Mas, como se viu acima, os judeus de Alemanha pagaram a proteção que lhe fora
concedida: custou a sua liberdade. O imperador de Alemanha considerou-se desde
então como o protetor dos judeus, e este, até esse momento livres e
independentes como os germanos e os romanos, converteram-se em servos da câmara
imperial, Kammerànechte. Ao início esta qualificação indicava que eram
invioláveis, como os servidores do imperador e que, a câmbio de proteção,
pagariam um tributo anual ao tesouro imperial. Mais tarde, os judeus
converteram-se literalmente em propriedade da coroa, foram tratados como
verdadeiros escravos”19.
Enquanto
os judeus eram perseguidos na Alemanha, no Norte de África, um reformador
chamado Abdallah ibn Toumart, fundou a fação muçulmana dos almóades, sistema
político religioso de caráter integrista. O seu filho, Abdulmoumen iniciou uma
rápida expansão que logrou derrubar os almorávides e amparar-se de Norte de
África e impôs a obrigação de praticar no seu reino unicamente a sua versão da
religião muçulmana, tendo os seus súbditos, tanto judeus como cristãos, que
eleger entre a conversão ao Islame ou a morte, imitano o proceder dos cristãos.
Muitos judeus emigraram a Espanha e Itália, mas a maioria decidem aceitar o
islamismo. Os cristãos emigraram à Espanha cristã. Abdulmoumen passa o estreito
e conquistou rapidamente a Espanha muçulmana. Córdoba foi tomada no ano 1148,
e, em todos os territórios que submetia, os seus habitantes eram obrigados a
praticar a sua religião, ou, alternativamente, a emigração ou a morte. Este
fanatismo religioso induziu os judeus a passar da Espanha muçulmana à Espanha
cristão, a esta altura regida por Afonso Reimondez (1126-1157) um governante
que estava em plena atividade repovoadora e estava necessitado de imigrantes.
Tinha como conselheiro ao judeu Judá ibn Ezra, que se dedicou a perseguir a
seita judia dos caraítas. Isto demonstra que o problema não é próprio duma
religião ou outra senão do exclusivismo das religiões, muito especialmente das
monoteístas, que pregam um deus zeloso e intransigente que não admite o culto
de nenhum outro deus sob pena de aniquilar os desviantes. Ainda que cumpre
reconhecer que a Igreja cristã foi a entidade mais repressora que existiu até o
momento e a única que se dotou duma entidade própria independente da sociedade
com uma autoridade institucional para controlar a ortodoxia e castigar, em
conivência com o poder político, os desviantes ideológicos.
No
concílio celebrado na cidade francesa de Sens no ano 1148 condenaram-se catorze
capítulos que recolhiam os erros de Pedro Abelardo, dos quais o 11 diz: “Os
judeus ignorantes da morte de Cristo não pecaram, porque não obraram contra a
sua consciência; não perseguiram a Cristo mais que por zelo pola sua lei e não
creiam que atuavam mal. Não foram condenados por esta ação senão polos pecados
anteriores”20. Esta condena só pode fazer-se a partir duma
conceição da ética primária, própria dos estádios infantis nos que se admite a
responsabilidade objetiva, na que não se tem em conta a intenção do sujeito, e
a responsabilidade coletiva, que justifica castigar a todo um povo por faltas
cometidas por algum indivíduo ou grupos de indivíduos. Isto destrui a noção de
pecado.
3. La prise de Jérusalem (1099)
historien.geographe.free.fr/tyrjerusalem.doc
4. CANTÚ, CESARE, Historia y
leyenda de las cruzadas, Edicomunicación, Barcelona, 1999, p. 46.
5. MAALOUF, AMIN, Las cruzadaas
vistas por los árabes, Alianza Ediciones del Prado, Madrid, 1994, p. 71.
6. Tomado de La prise de Jérusalem (1099), par Ibn-al-Athir,
classes.bnf.fr/idrisi/pedago/croisades/alathir.htm
7. RUNCIMAN, STEVEN, Historia de las cruzadas,
Alianza Editorial, Madrid, 1987, Vol. 1, p. 272.
8. HEFELE, JOSEPH, Histoire des concile, T.
5º, Letouzey e Ane, Paris, 1911, pp. 443-444.
9. HEFELE, JOSEPH, Histoire des
concile, T. 5º, Letouzey e Ane, Paris, 1911, p. 479.
11. MAALOUF, AMIN, Las cruzadas
vistas por los árabes, Ediciones del prado, Madrid, 1994, p. 103.
13. RUNCIMAN, STEVEN, Historia de
las cruzadas, Alianza Editorial, Madrid, 1987, Vol. 2, p. 219.
15. HEFELE, JOSEPH, Histoire des concile, T.
5º, Letouzey e Ane, Paris, 1911, p. 414, nota 1..
16. RUNCIMAN, STEVEN, Historia de las
cruzadas, Alianza Editorial, Madrid, 1987, Vol. 2, p. 235.
18. GRAËTZ, HEINRICH, Histoire
des juifs, A. Levy, T. 4, p. 103.
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