A Constituição espanhola de 1978 está fundamentada em princípios básicos
incompatíveis entre si. Por uma parte, a proteção das situações e privilégios
de facto, que se consideram imutáveis e alheios a qualquer câmbio e princípio
democrático; e por outra parte, as disposições democráticas que se aplicam à cidadania,
com pretensões de ajustar-se a um funcionamento democrático. A monarquia espanhola
foi imposta sem consultar aos cidadãos, sobre todo se temos presente que o avó
do entronizado polo «democrata» Franco era neto de Afonso XIII, que fora
deposto polo povo espanhol, que, portanto, já rejeitara a monarquia. Mas, o
problema maior não foi entronizar a monarquia, senão fazê-lo com umas cláusulas
de intangibilidade para que não possa ser problematizada no futuro,
constituindo-se num autêntico tragá-la. A monarquia espanhola só tem
legitimidade de herança, se se pode qualificar com este nome a de quem é neto
de quem foi expulsado polo povo espanhol, e se pode considerar aceitável uma
legitimação que não é aceite nos nossos dias que só se aceita uma legitimidade
democrática, da que a monarquia espanhola carece. Silenciando estes
pressupostos pré e antidemocráticos, quando se fala de se Espanha é ou não uma
democracia, vendem-che a segunda parte e exaltando-a até o paroxismo, afirma-se
que Espanha é uma democracia avançada, uma democracia homologável com as do
nosso entorno, etc., silenciando sempre a imposição por parte dum ditador.
É sabido por todos que
a monarquia se meteu na CE às escondidas, sem consultar à cidadania a sua
restauração democrática, porque Adolfo Suárez, sabia que não ia passar; e como
não passava como tal, acompanharam-na da cenoura para que a tragássemos.
Seguiam assim a tradição de Espanha, porque as elites que ostentavam o poder consideravam
que o que lhe convém à cidadania espanhola é o que a eles lhes interessa. Mas
estas elites, como queriam quedar bem com esta monarquia «democrática»,
declararam-na inviolável e, portanto, quase de origem divina e alheia a
qualquer controle social e penal. Criaram assim as condições para que os
bourbons se dedicassem a aproveitar-se do seu cargo para enriquecer-se e
fornicar, e de ai véu o Nóos, as comissões do AVE, as amantes a eito, etc. etc.,
perdendo também qualquer legitimidade de exercício. É muito difícil aceitar que
Felipe, Aznar, Zapatero e Rajoy não soubessem nada das suas tropelias, mas
havia que guardar silêncio para não desacreditá-lo, ou seja, um silêncio
cúmplice com a corrupção imperante, e tiveram que ser os suíços os que
desvelaram uma das tantas atuações de João Carlos com o regime saudita. Os
partidos políticos Vox, PP, PSOE, e C’s impedem não só que se julgue e condene,
senão incluso que se investigue, pondo-se de parte da monarquia em vez de
pôr-se de parte dos interesses da cidadania. Somente a nova Espanha,
representada polos nacionalistas e independentistas, Compromis, Unidos Podemos
e Mais País, se põem de lado da igualdade social e da justiça igual para todos.
O poder judicial, pola sua parte, sustém a inviolabilidade e vem impedindo que
se julgue ao rei incluso por delitos cometidos como cidadão particular, fora do
exercício do seu cargo como Chefe do Estado, e, portanto, se mata a uma pessoa
como cidadão privado parece que aos familiares da vítima não lhes quedaria
outra alternativa que rezar ao Altíssimo, para que o condene no outro mundo.
Com estes antecedentes
e atuações como podemos proclamar sem envergonhar-nos que os espanhóis são
iguais perante a lei, sem que prevaleça discriminação alguma por razão de
nascimento, ou qualquer outra circunstância pessoal ou social, quando eles vêm
que um rouba galinhas bota meses no cárcere ao tempo que os ladrões de elite se
apropriam de grandes quantidades de dinheiro e nem sequer são investigados? Como
se pode suster que os cidadãos devem ser julgados polo juiz ordinário
predeterminado pola lei, quando há um número tão elevado de aforados neste
país? Como os partidos políticos que se negam a que se investigue aos que se
apropriaram do dinheiro dos cidadãos não se ruborizam de pedir-lhe depois o seu
voto?
No hay comentarios:
Publicar un comentario