27 jun 2020

06.- Eunucos polo reino dos céus e dos poderosos


 
               Ramom Varela Punhal


6.- Os eunucos em Egito

               As leis antigas costumavam ser muito severas e desfavoráveis para a mulher. Assim, em Egito, “era convertido em eunuco quem violava uma mulher. Esta ação parecia contrária à sociedade por três motivos: constituía um grave insulto, abre a porta à corrupção e semeia confusão e incerteza no nascimento dos filhos. Mas se o adultério se cometeu voluntariamente por ambas as partes, davam-se mil golpes de látego ao homem e cortava-se o nariz à mulher. Porque se considerava que havia que destruir nela a beleza da que abusara para o crime1.

               Quando os israelitas estiveram em Egito -do século XVII ao XIII a.e.c., Assíria e Babilônia sofreram uma situação de escravidão e de emasculação. O filho de Jacó, José, vendido ao eunuco Putifar, ministro do Farão e chefe da guarda2, chegou a ocupar o cargo de mordomo da casa do Faraó3. Em Egito, existia o costume de que os oficiais da Corte do Faraó, em concreto, o copeiro e o reposteiro, fossem desvirilizados, mas semeia-se a confusão porque a palavra hebreia correspondente a eunuco costuma traduzir-se por oficial4. Quando José estava o serviço do Faraó, os dous citados cargos, chefe de copeiros e de padeiros, eram eunucos, que, por cometer transgressão contra o rei foram prendidos e custodiados polo chefe da guarda, Putifar, que, à sua vez lhe transmitiu esta encomenda a José5. Também se suspeita que o próprio José teria sido emasculado, o qual explicaria a sua rejeição ás pretensões sexuais da mulher de Putifar.

                A Dario II sucedeu-lhe Artaxerxes II, e a este Artaxerxes III Oco (358-338), que tinha  como grande vizir ou responsável do governo ao eunuco egípcio Bágoas (?  - 336). Este rei seria envenenado por Bágoas, igual que o seus sucessor Artaxerxes IV Arses e todos os seus filhos. Quis repetir a massacre com o teórico amigo seu, Dario III, mas este, informado previamente dos seus planos, obrigou-o a beber uma copa de veneno. 

                O farão Ptolomeu XII morreu em 51 a.e.c., sendo sucedido polos irmãos Cleopatra e Ptolomeu XII como co-regentes, mas a discórdia entre eles desatou a guerra civil. César combate e submete os egípcios e entrega-lhe um regalo a Cleopatra. Aquilas era o guarda do rei Ptolomeu XIII e comandante das tropas reais e seria ele e Lúcio Septímio quem matariam a Pompeio por sugestão do eunuco Fotino e de Teodoto de Quios. César intenta reconciliar os irmãos e apresentando-se a Ptolomeu e Cleopatra, leu o testamento do seu pai: este ordenava-lhe viver juntos segundo o costume dos egípcios e governar conjuntamente sob a proteção dos romanos e declara-lhes que tem todo o poder popular para vigiar os jovens e cumprir a vontade do seu pai. “A seguir, eles acalmaram-se um momento, mas um pouco depois excitaram-se ao ponto de fazer a guerra. Fotino, um eunuco que estava encarregado da gestão dos fundos de Ptolomeu e que era um dos principais líderes na agitação dos egípcios, colheu medo de dever num momento ou outro pagar pola sua conduta, e em consequência enviou secretamente um mensageiro a Aquilas, que se mantinha perto de Pelúsio, e assustando-o e ao mesmo tempo dando-lhe esperanças, fez dele o seu associado, e de seguida fez aderir a todos os que levavam armas6. Arsinoe era outra filha de Ptolomeu XII e, portanto, irmã de Ptolomeu XIII, Cleopatra VII e Ptolomeu XIV. “Durante este tempo, um certo Ganímedes, um eunuco, levou secretamente a Arsinoe aos egípcios, porque ela não estava bem guardada. Eles declararam-na rainha e decidiram seguir a guerra mais vigorosamente, porque tinham agora como chefe um representante da família dos Ptolomeus. E César, temendo que Fotino se levasse a Ptolomeu, fez-lo perecer e guardou a este último com severidade sem esconder-se dele. Isto revoltou mais os egípcios; a cada passo se uniu a eles gente sem parar, enquanto que os soldados romanos de Síria não chegavam7. Os egípcios não estavam satisfeitos da governança de Arsinoe e do eunuco e queriam que os dirigisse Ptolomeu XIII. Foram informados que Mitridates tomou Pelúsio e avançava cara a Alexandria “Quando souberam esta notícia então os egípcios não terminaram a guerra; porém estavam irritados do poder do eunuco e da mulher e pensavam que se podiam pôr a Ptolomeu à sua cabeça seriam superiores aos romanos8.
               Pompeio foi um militar e político romano, ao princípio aliado e mais tarde adversário de César, que participou na guerra civil contra este, ao lado da fação aristocrática, polo liderado da chefia do Estado romano, sendo derrotado na batalha de Farsália em agosto do ano 48 a.e.c.; seria um eunuco quem acabou com a sua vida. Diz Lactâncio que “O mau partido foi frequentemente o mais forte, e é disto que veu a opressão da liberdade pública e o estabelecimento da tirania. A história está toda cheia de exemplos disto que digo. Contentar-me-ei de acarretar um: Pompeio quis defender as pessoas de bem e tomou as armas pola república, polo senado e pola liberdade; mas tendo sido vencido com a liberdade que defendia, ele teve cortada a cabeça pola perfídia dos eunucos da corte de Egito, e foi abandonado sem sepultura. A virtude não consiste, pois, nem em declarar-se inimigo dos maus ou o protetor das pessoas de bem, dado que não pode estar exposta à incerteza dos acontecimentos. A virtude consiste em olhar as vantagens da nossa pátria como as nossas próprias vantagens9.
               Marco Antônio, mão direita de Julho César, participou na guerra contra os assassinos de César, o ano 44 a.e.c., e depois da vitória recebeu o controle das províncias orientais do império. Entrou em relações com Cleopatra VII de Egito. No ano 31, aliado com Cleopatra VII, entra em guerra contra o herdeiro de César, Otávio, mas sai derrotado na batalha de Ácio, que sinala o triste final para Antônio e Cleopatra. “Ela se dirigia com Antônio ao Foro ocupando-se com ele dos jogos públicos, examinava com ele as causas, e cavalgava com ele a través das cidades; ou bem era levada sobre uma espécie de cadeira curul, enquanto que Antônio seguia a pé detrás dela com os eunucos10.  Antes da entrada em combate, em Roma estão preocupados polo ascendente de Cleopatra sobre Antônio e sobre os que entram em contacto com ela, do que não esperam nada bom para a república romana. Otávio arenga às tropas sublinhando a indignidade de deixar-se dominar por uma mulher execrável como Cleopatra. “Quem não se afligiria, com efeito, à vista de soldados romanos escoltando a rainha de tais homens? Que não gemeria à notícia de que cavaleiros e senadores romanos se fazem aduladores de vis eunucos?11.  Uma vez que Antônio e Cleopatra são derrotados em Ácio vão ser perseguidos por Otávio até Alexandria, mas, em vez de submeter-se ao novo amo de Roma, decidem quitar-se a vida.  Antônio, vencido contra a sua expectativa, refugiou-se perto da sua frota, e dispunha-se a livrar um combate por mar, ou, em todo caso, a marchar para Espanha. Perante esta perspetiva, Cleopatra fez desertar os barcos e correu a toda velocidade a encerrar-se no monumento, fingindo temer a César e querendo, dizia ela, previ-lo pola sua morte, enquanto que em realidade não buscava mais que atrair a Antônio. Antônio suspeitava a traição, mas o seu amor impedia-lhe crer nisso; longe disso, a sua compaixão por ela era mais grande que por ele mesmo. Também Cleopatra, que o sabia perfeitamente, concebeu a esperança que, se ele conhecia a sua morte, não lhe sobreviveria e morreria imediatamente. Foi por esta razão que ela correu ao monumento com um eunuco e duas mulheres, e que, desde lá, ela lhe enviou anunciar que já não existia. Ante esta notícia, Antônio não vacila, desejou segui-la. Começou por rogar-lhe a um dos seus ajudantes de matá-lo, depois, quando este, sacando a sua espada, se cravou, ele quis imitá-lo e fez-se ele mesmo uma ferida: caiu sobre o seu rosto e os ajudantes creram-no morto12, mas foi capaz de levantar-se e ser levado polos ajudantes ao monumento, onde morreria nos braços de Cleopatra. Ela intentou convencer a Otávio que lhe permitisse continuar como rainha de Egito, mas ao não lograr o seu propósito, deu-se morte a si mesma. “Ninguém sabe certamente como ela morreu; não se encontra mais que pequenas picaduras nos seus braços. Alguns relatam que ela aplicou ai um áspide que lhe foi levado quer num gomil, quer entre flores; outros, que ela tinha uma agulha, com a qual fixou os seus cabelos, untada com um veneno, com uma subtileza tal que, sem fazer nenhum mal ao corpo, por pouco que fosse posto em contato com o sangue, causava uma morte rápida e isenta de dor, agulha que levava constantemente na sua cabeça, seguindo o costume, e que então, depois de se ter feito uma picadura, enterrou-a até o sangue. Tal é a verdade, ou polo menos o que se acerca mais, sobre a maneira como ela pereceu com as duas mulheres, porque o eunuco, depois que a sua dona foi colhida se livrara voluntariamente aos répteis, e, mordido por eles, foram amontoados numa tomba preparada para eles13.
              






1.  DIODORO SÍCULO, História universal, liv. 1, sec. 2ª, XXVII.
2.  Gê. 39, 1.
3.  Gê. 39,4-5.
4.  Gê.  37,36; : 40, 2, 7.
5.  Gê. 40, 2-4.
6.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 42.36.1-2.
7.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 42.39.1-2.
8.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 42.42.1.
9.  LACTÂNCIO, Instituições divinas, liv. 6, cap. 6.
10.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 50.5.
11.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 50.25.
12.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 51.10.4-7.
DIÃO CASSIO, História romana, liv. 51.14.1-3.

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