Ramom Varela Punhal
7.- Os eunucos em Ásia
Menor e Síria
7.1.- Os adoradores de
Cibeles e Atis. Os galli
7.2.- Adoradores de Juno,
Hecate, e Atargatis
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7.1.- Os adoradores de Cibeles e Atis. Os galli
A
religião da deusa mãe, grande mãe ou Magna Mater, Cibeles, deusa
originariamente frigia, é uma das mais longevas, e num princípio o seu culto
estava associado às deusas da fertilidade. O seu amado era Atis que, segundo
uma narração recolhida por Pausânias de Hermesianas, fora engendrado incapaz de
reproduzir-se, e segundo outras lendas, ele próprio emasculou-se.
Cibeles recebeu culto, muitas vezes em associação com
Atis, em Anatólia, nome que também se aplica a Ásia Menor, na área de Galácia,
Frígia e Lídia, desde o neolítico, enquanto que Atis recebeu culto desde o 1200
a.e.c. e os seus sacerdotes também eram emasculados. A informação mais antiga
do culto a Cibeles data do ano seis mil a.e.c., como se pode constatar por uma
estatueta de terracota achado em Catal Huiuk, Turquia, correspondente a esta
data. Desde Ásia Menor, a veneração a Cibeles estendeu-se, desde o século VIII,
por todo o Mediterrâneo e no ano 204 a.e.c. a deusa foi introduzida em Roma,
sob a forma dum aerólito negro, para cumprimentar o estatuído nos livros
sibilinos que prediziam que era o requisito para vencer a Anibal. Era conhecida em formas diversas, como nos
narra Apuleio: “Os primitivos frigios chamam-me Pesinunte, mãe dos deuses;
os autóctones atenienses Cecropeia Minerva; os ilheus de Chipre Venus Páfia;
para os arqueiros cretenses sou Ditima Diana; para os tríglotas sicilianos
Estígia Proserpina; para os antigos eleusinos Actea Ceres; para outros Juno;
para outros Belona; para estes Hecate; para esses Ranúsia; aqueles etíopes,
tanto os que são iluminados polos raios do deus sol nascente como dos que se
inclinam do ocidente, ambos versados na antiga doutrina de Egito, quando
celebram as suas cerimônias próprias chamam-me polo verdadeiro nome, rainha Isis”1. Os frígios eram um povo indo-europeu que,
cara ao 1200 a.e.c., ocuparam e deram nome a Frígia em Ásia Menor, e com eles
acarretaram a deusa Cibeles, à que representavam sob a forma de pedra negra de
Pesino, estádio anterior, segundo alguns autores, à representação icônica dos
deuses. A procedência astral da pedra incita ao mistério e a reverência. Os
coribantes, de Coriba ou Atis, sacerdotes e seguidores da deusa da
maternidade, a frígia Cibeles, a Grande Mãe e Mater deorum, chamados galli
(galos), eram eunucos, ao igual que os sacerdotes da deusa pré-grega Artemisa,
nalguns aspetos coincidente com Cibeles. O seu nome deriva do rio frígio
Gallus, afluente do Sangarios, em Anatôlia, Turquia, que passa perto do templo
de Cibeles, e, segundo a lenda, os que bebem das suas augas entram em estado de
delírio e auto-emasculam-se. Os coribantes eram bailarinos que celebravam o
culto de Cibeles revestidos com um casco, tocando o tamboril e dançando. Tinham
os seus equivalentes nos curetes, que eram nove bailarinos armados
adoradores da deusa cretense Reia, esposa de Cronos e mãe de Zeus,
equivalente de Cibeles, com a que comparte os títulos de Magna Mater e Mater
deorum. Como afirma o renomado poeta e intelectual da Livraria de Alexandría, o
grego de Cirene, Calímaco (310-305 a.e.c.) “os curetes dançam energicamente
a dança guerreira arredor de ti (de Zeus), entrechocando as suas
armaduras, para que Crono ouvisse nos seus ouvidos o som do escudo e não
ouvisse os gritos do seu infante”2, Zeus, ao que
pretendia devorar. Reia, filha de Urano e de Gaia, estava molesta com o seu
esposo Cronos porque este matava os seus filhos enquanto nasciam. Quando nasceu
Zeus, Reia deu-lhe a Cronos uma pedra envolta em panos que este comeu de
seguida, ao tempo que escondeu a Zeus numa cova do monte Ida, em Creta, e uma
vez crescido, obrigou-lhe a Crono a regurgitar os filhos que tragara, quando se
viu forçado a regurgitar a pedra. O escritor cristão greco-bizantino do s. V,
Pseudo Nonnos narra-nos a auto-emasculação dos seus devotos do seguinte jeito:
“Em Frígia era venerada Reia, a mãe dos deuses, -de Zeus, de Poseidão, de
Plutão e de Hera. Reia era a mãe destes deuses e mulher de Crono. Ela teve,
então, certa festa em Frígia. E quando enlouquecidos ou possuídos -(isto é)
aqueles que estão iniciados e estavam fora da sua razão, cortavam-se a si
próprios com espadas, sem dar-se conta que se estavam cortando a si mesmos. E
usavam para tocar certas flautas de cana que os encantavam e excitavam para o
corte. E até agora, certos pagãos na montanha de Cária cortam-se sem pensar,
mantendo vivo este antigo costume”3.
Cibeles, filha de Uranos e esposa de Saturno, era a deusa
mãe Terra e, ao igual que Gaia, ou a sua equivalente minoica Reia, era a deusa
da natureza, da fértil terra e senhora dos animais, título que também se dava à
deusa Reia, da que Cibeles é uma espécie de encarnação, e a Artemisa. Foi uma
divindade de vida, morte e ressurreição, que teve como consorte a Atis, nascido
milagrosamente de Nana, uma ninfa virgem, filha do deus Sangario, que o
concebeu após pôr-se uma amêndoa no seu seio, extraída da amendoeira surgida do
sangue de Agdistis, e ao que abandonou depois de alumiado, sendo alimentado por
um bode. Divulgou em Lidia as orgias na honra da mãe dos deuses. Outra versão
deste conto oriental di que Agdistis foi produto do sémen depositado por Zeus
numa rocha após os seus infrutuosos intentos de copular com a sua mãe Cibeles.
Deste sémen nasceu o violento Agdistis, ser andrógino, homem e mulher,
que Dionísio embriagou e castrou. Do sangue deste brotou uma romãzeira que Nana
pôs no seu seio concebendo o que seria o seu filho Atis, amado por
Agdistis e por Cibeles, e quer por ter casado com Ia, filha do rei
Pesinunte, quer por ter-se namorado duma ninfa, e ter mantido relações sexuais
com ela, Agdistis apresentou-se no banquete e Atis enlouquecido renunciou à sua
virilidade e morre, surtindo um efeito de chamada para a emasculacão dos galos.
Além desta lenda, que explica a morte de Atis pola cólera ciumenta de Agdistis,
que estava prendado dele a causa da sua extraordinária fermosura, existe outra,
transmitida por Herodoto4 que explica a sua morte como
consequência do ataque dum porco bravo, encarnação do espírito da vegetação,
suscitado por obra de Zeus, ciumento por ter expandido Atis o culto de Cibeles
por Lidia.
Arnóbio de Sicca explica como se produziu a
auto-emasculacão e morte de Atis como consequência do ataque de ciúmes de
Agdistis, por ter-se decidido Atis por uma esposa e marginá-lo a ele, na sua
obra Adversus Nationes: “Agdistis, rebentando de ira, por ter-se afastado de
si o mocinho e derivado cara ao seu desejo da mulher, inspirou furor e loucura
em todos os hóspedes; os frígios, cheios de pavor, conclamam: adora!, adora!;
as filhas da concubina dos galos cortaram-se os peitos, e Atis agarrou a flauta
que levava o instigador da loucura, e já cheio de furor, e agitando-se,
finalmente deitou-se e sob um pinheiro castrou os genitais dizendo: «Tem isto
para ti Agdistis, porque concitaches tantos movimentos de crises furiais». Com
o regato de sangue perdeu a vida, mas as partes que foram cortadas recolheu-as
e lavou-as a Grande mãe dos deuses, e botou-as na terra, como estavam, cobertas
antes com os vestidos e o envoltório do defunto. Do fluxo de sangue nasce uma flor
violeta e foi rodeada por esta uma árvore, de onde nasceu e se originou o velar
e coroar os pinheiros sagrados”5. A morte de Atis é benfeitora
porque do seu sangue procede nova vida, a vida da natureza.
Segundo uma história contada a Luciano por um home sábio,
este afirmou “que os galos que há no templo não se castraram em honor de
Juno (Hera), senão de Reia (Cibeles). E isto em imitação de Atis. Todo isto
parece-me mais ilusório que verdadeiro, porque eu ouvi diferentes e mais
críveis razões alegadas para a sua castração”6. Atis, criado
amante de Cibeles, auto-emasculou-se, segundo Luciano, num ataque de loucura ou
como um desejo de preservar uma absoluta castidade. Eis o texto de Luciano: “Este
Atis é de nascimento um lídio, e ele cantou o primeiro os sagrados mistérios de
Reia (Cibeles). O ritual dos frígios e dos lídios foi totalmente aprendido por Atis. Quando Reia o privou dos
seus poderes, prescindiu da sua vestimenta principal assumiu a aparência duma
mulher e o seu vestiário, e deambulando por toda a terra executou os seus misteriosos ritos,
narrando os seus sofrimentos e cantando os elogios de Reia. No curso da sua
vagabundagem passou também a Síria. Dado que os homens além do Eúfrates não o
aceitam a ele nem os seus ritos, estabeleceu o santuário nesta localidade. Aqui
está a prova. A deusa é similar em muitos aspetos a Reia, porque conduzem-na
animais, ela sustém um tímpano e usa uma torre sobre a sua cabeça, justo como
os lídios pintam a Rea. O homem sábio também disse a respeito dos galos que
estão no templo, que os galos nunca se castram a si mesmos por Hera, mas que o
fazem por Reia e também imitam a Atis. Esta explicação parece-me plausível, mas
falsa, dado que ouvi razão para a castração que é muito mais crível”7.
O centro de culto de Cibeles-Atis estava em Pesino onde
os devotos de Cibeles (Reia) se castram a imitação de Atis, convertendo-se
assim em sacerdotes da deusa ou galos, assim chamados por rememorar a
auto-castração de Galles, primeiro varão que se auto-emasculou para poder ser
sacerdote da deusa mãe e do seu paredro evirado Atis. No templo de Hierápolis,
os sacerdotes são numerosos, e, além deles estão uma série de pessoas ligadas
ao culto: tocadores de flauta e flauta campestre, galos, mulheres furiosas e
fanáticas.
7.2.- Adoradores de Juno, Hecate, e Atargatis
Tinha um santuário no recinto da deusa Artemisa em Éfeso,
onde também era atendida por sacerdotes eunucos ou megabizos8.
Juno, correspondente à grega Hera, era a deusa do matrimônio, da família e do
amor, filha de Saturno e Opps e irmã e esposa de Júpiter com quem teve dous
filhos: Vulcano e Marte, e uma filha, Lucina. A auto-mutilação dos adeptos da
deusa romana Juno, que tem o templo em Hierápolis, desenvolve-se assim: “Nos
dias sinalados, a multidão reúne-se no templo. Um grande número de galos, e os
homens consagrados dos que se falou, começam as cerimônias, golpeando-se os
braços e batendo-se uns a outros. Durante este tempo, numerosos músicos, ao seu
lado, tocam a flauta, batem o tambor, cantam versos inspirados e cânticos
sagrados. Estas cerimônias realizam-se fora do templo: os que as praticam não
entram nele. É nestes dias que se fazem os galos. Enquanto que o resto toca a
flauta e celebra as orgias, alguns entram em delírio, e bastantes, que não
vieram mais que por ver, deixam-se ir ao que vou dizer. O moço decidido a fazer
este sacrifício saca a sua vestimenta, coloca-se no centro da assembleia
emitindo grandes gritos, colhe um cutelo reservado, creio eu, para este uso
depois de muitos anos, castra-se ele próprio, e corre por toda a vila sustendo
na mão o que cortou. A casa, seja qual seja, onde ele bota o que sustinha,
provê-o de vestidos e adornos de mulher. Isto é o que fazem na castração”9.
Quando os «galos» morrem recebem um trato especial: “Quando um galo morre,
os seus funerais não se fazem como os dos outros homens. Um galo uma vez morto,
é erguido e levado polos seus colegas aos arrabaldes da cidade; ali é
depositado com o ataúde no que foi acarretado, cobrem-no de pedras e marcham.
Somente entram no templo ao cabo de sete dias. Se entram antes, cometem
sacrilégio. Eis as regras que observam a este respeito: quem viu um morto não
vem ao templo esse dia; ao dia seguinte não vai sem ter-se purificado. Os
parentes do defunto, somente podem acercar-se aos mistérios depois de ter-se
abstido durante trinta dias e ter-se afeitado a cabeça. Antes disso não lhe é
permitido entrar”10.
De Cária ou Anatália, Ásia Menor, era também oriunda a
deusa dos partos e terras selvagens, Hecate, ainda que posteriormente o
seu culto se estendeu por toda a Grécia. O seu santuário mais importante estava
em Lagina, cidade-estado teocrática, na região de Estratoniceia, no que se
celebrava uma assembleia anual com sacerdotes eunucos de oficiantes.
Em Hierápolis, Síria, clérigos eunucos, afeitados e com
vestimenta feminina celebram os ritos cultuais em honor da deusa Atargatis,
mais conhecida por Derceto, deusa da geração e da fertilidade, identificada com
a grega Afrodite, e mais tarde fundida com a síria Astarté, da que o culto se
estendeu posteriormente por Grécia e Roma11. Inicialmente era uma
deusa marinha, mas com o tempo converteu-se numa deusa da natureza, semelhante
a Cibeles e Reia. Eram eunucos os sacerdotes prostitutos de Hierápolis, no
templo da deusa fenícia Astarté, que se corresponde com a suméria Inanna, a
acádia Ishtar e a romana Juno. Eis o que nos relata Luciano de Samosata a
respeito deste templo de Hierápolis, na província de Alepo, em Síria, onde se
rende culto, entre outros, à deusa dos partos, Juno (Hera), a asíria, Derceto
(Atargatis), a filha de Derceto, Semiramis, e Estratonice. “Os sacerdotes
são muito numerosos; uns degolam as vítimas, outros levam as libações, outros
são chamados portadores de fogo e alguns assistentes. Na minha presença havia
mais de trezentos que vinham aos sacrifícios. Os seus vestidos são brancos, e
têm um chapéu de feltro na cabeça. Cada ano nomeia-se um soberano pontífice; é
o único que se viste de púrpura, com uma tiara de ouro. Há também uma série de
pessoas ligadas ao culto: os flautistas, os gaiteiros, os galos, mulheres
furiosas e fanáticas. O sacrifício celebra-se duas vezes por dia; assiste todo
o mundo. Sacrifica-se a Júpiter em silêncio, sem canto nem flautas; mas quando
se imola a Juno, canta-se, toca-se a flauta, batem-se matracas. não se me pudo
dizer claramente o por quê”12.
Além do culto à Juno, deusa da deusa da fertilidade, do
amor e do matrimônio, os romanos rendiam também culto à deusa virgem Diana,
correspondente à deusa grega Artemisa, filha de Júpiter e Latona, que era a
deusa da caça, da paisagem, da lua e protetora dos partos. O qual indica que a
virgindade tinha certo valor na sociedade romana, ainda que com menos projeção
que o da deusa da fertilidade Cibeles. O cristianismo vai sacralizar a figura da
deusa da virgindade em Maria e eliminar as divindades protetoras da fertilidade
e do amor.
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