Os bispos andam revoltos e não cessam de lançar-nos presságios
apocalípticos, esta vez contra uma lei aprovada pelo parlamento de Comunidade
de Madrid sobre a sexualidade, denominada “Lei de Identidade e Expressão de Gênero
e Igualdade Social e Não Discriminação”, LGTBfobia, da Comunidade Autônoma de
Madrid.
Vem isto a conto duma carta
publicada pelos bispos de Getafé e Alcalá, López Andujar e Reig Pla
respetivamente, e do apoio que receberam do bispo de Córdoba, Demétrio
Fernández. A crítica dos citados bispos cinge-se á esfera da sexualidade, tema recorrente
na ideologia duma Igreja que limita o seu labor a exercer de lobby
sobre questões de sexualidade sobre a que, supostamente, não têm experiência
reconhecida de nenhuma classe, e cuja regulação constituiu no cristianismo um
autêntico fracasso histórico, como se pode ver pelo que acontece ainda
hoje com o tema do celibato de clérigos e monjas, que se traduziu
historicamente numa sublimação psicológica deficiente da lívido que deu
lugar a deviações em práticas sexuais não legalizadas e em múltiplos atos
de pedofilia, pederastia e homossexualidade, e com a defesa histórica da
prática do eunuquismo.
Queremos reafirmar, antes de
nada, o direito dos bispos a expressar-se livremente sobre todos os temas que considerem oportunos, mas com a condição de que eles
respeitem o direito dos demais a dissentir, aceitem as regras de jogo democráticas e cessem
no seu empenho em impor a toda a sociedade a moral católica e a sua cosmovisão da
realidade. Quero também manifestar o meu respeito pelas suas pessoas.
A posição da Igreja
caracteriza-se pela oposição a uma ética cívica, quer dizer, uma ética integradora dos seres humanos como seres sociais e conforme com a
consciência dos cidadãos, não em contra, mas si á margem das crenças religiosas. Esta ética
cívica é a única viável numa sociedade plural na que convivem pessoas de diversas
confissões religiosas junto com pessoas ateias. A ética deve refletir a consciência
comunitária de todos os cidadãos e não somente a duma parte deles, ainda que estes sejam numericamente majoritários na sociedade. A atitude de protesta destes bispos,
que quiçá representem o sentir majoritário duma hierarquia eclesiástica espanhola
desfasada e arcaica, representa um dos últimos estertores duma instituição que se nega
perder o monopólio da reitoria da ideologia e das consciências no que cimentou
historicamente o seu domínio sobre a sociedade. Eu pergunto-me a que pessoas representa esta
posição eclesiástica frente a uma lei aprovada por todos os grupos da Comunidade de
Madrid e somente com fortes críticas do partido de ultra-direita e ultra-minoritário
Vox, o qual significa que os bispos se alinham, como acontece também em 13 TV, com os
setores minoritários mais retrógrados e intransigentes da sociedade espanhola. Esta
posição extrema somente podem justificá-la pretextando que são representantes de Deus
na Terra que lhes confiou uma missão evangelizadora á que não podem renunciar, pretensão não fundamentada, com o fim de inocular na sociedade os seus dogmas e
a sua visão antiquada da realidade e da ética.
As primeiras declarações
contra a citada lei LGTBfobia foram emitidas pelos bispos de Getafé e Alcalá e nelas declaram que fundamentam o seu posicionamento moral
na lei
natural tal como a expressa Cicerão, lei identificada com a reta razão,
“uma lei
verdadeira conforme á natureza, estendida a todos” (De republica, 3,
22,33). O primeiro que se deduz deste texto aduzido pelos dous bispos mencionados é que,
em caso de ter todos esta lei natural, conforme á razão, deveríamos pensar todos
igual sobre o correto e incorreto, mas já vemos que não é assim. Não existe uma reta razão
abstrata e estendida a todos senão múltiplas retas razões individuais que, postas na sua
própria circunstância extraem conclusões distintas umas de outras sobre o bem e o mal,
o correto e incorreto. Isto explica que os defensores do iusnaturalsimo não sejam
capazes de pôr-se de acordo entre si e que uns extraiam preceitos contraditórios uns
dos outros sobre os mesmos temas. Por outra parte, não vale tomar a reta razão natural
como pauta de conduta para umas cousas e negá-la para outras. A Igreja católica afirma que
a virgindade e o celibato são melhores que o matrimônio, mas estas proposições
nunca se podem derivar da natureza e da reta razão, e cumpre para isto, recorrer a
textos bíblicos miso-sexuais, que tanto abundam no livro sagrado. Aliás, em
terceiro lugar, a natureza é indiferente aos valores morais, que surdem da necessidade de regular a vida em sociedade
e que representam sempre uma coerção contra a natureza.
Começam os bispos atacando as
afirmações contidas na lei de que “Toda pessoa tem direito de construir para si uma auto-definição respeito ao seu corpo, gênero,
sexo,... A orientação, sexualidade identidade de gênero que cada pessoa defina para si é essencial para a sua personalidade e constitui um dos aspecto fundamentais da
sua dignidade e liberdade”. Deste modo negam qualquer autonomia e liberdade pessoal
nas relações de gênero, reduzindo o ser humano a uma relação de infantilismo e dependência a respeito da hierarquia católica, que seria a única legitimada
para definir todo o relativo ao corpo e sexo das pessoas e dogmatizar sobre a ideologia
sexual. Igual que se forjou a doutrina do pecado original para fazer as pessoas dependentes
da estrutura eclesial, que permitiu achar uma fonte de financiamento estável e
duradoira, e se proibiu a interpretação da Bíblia aos fieis pretextando que introduziam
interpretações errôneas, também se lhe quer impedir que tomem as decisões que considerem pertinentes sobre o seu próprio corpo e sobre as relações sexuais com objeto de
impedir a sua emancipação neste eido. Negam também que a capacidade de decidir das
pessoas nestes temas seja parte da sua liberdade e dignidade, sem explicar que
residiria essa liberdade. Esta manifestação concorda com a constante histórica de negação da liberdade pessoal, tanto psicológica como sociológica, por parte do
cristianismo. O home, devido ao nefasto invento do pecado original por parte de Agostinho de
Hipona, aduzindo um texto da Bíblia mal traduzido por São Jerome, somente tem liberdade para pecar, enquanto que é totalmente impotente para realizar qualquer obra
meritória.
A negação da liberdade sociológica teve como corolário a prática e defesa da escravidão, a inquisição e a reiterada negação dos direitos humanos de
pensamento, expressão, culto, etc., tal como se pode ler no Syllabus de Pio IX. O ser
humano que lhe interessa á Igreja é um ser sem iniciativa própria e submetido em todo ás
consignas eclesiásticas.
A respeito da diferença sexual
manifestam os prelados aludidos que “O varão e a mulher são iguais na sua dignidade de pessoas. Por isso, a diferença sexual não
se pode traduzir como desigualdade”. Este pronunciamento não se compadece com a verdade histórica nem com a doutrina e praxe atual duma das instituições mais misóginas que existem na atualidade. Num recente pronunciamento do papa Bento
XVI, afirmava dum modo talhante que se “Cristo se encarnou num home por algo foi”,
dando a entender a superioridade do home sobre a mulher. Aliás a Bíblia afirma que o
home é imagem de Deus, enquanto que a mulher é imagem do home, e por isso foi feita
depois e a partir do home. A mulher na Igreja nunca teve um papel relevante e
limitou-se a ser utilizada pelos dirigentes clericais para labores auxiliares, como limpar e
adornar as igrejas. Afirmam que a diferença sexual não se pode traduzir em desigualdade,
senão que é riqueza de humanidade, mas se é assim, o que cumpre é reconhecer a
diferença de todos os seres humanos, de todos os que se sentem distintos aos demais e querem
ver realizada a sua sexualidade de acordo com o seu sentimento; todos devem poder
reconhecer livremente este ser distinto dos demais sem interferências alheias de nenhuma classe, senão com a tolerância e compreensão dos outros, que nunca devem converter-se em barreiras para a própria realização pessoal. Aliás, inclusive alguns autores defendem que a homossexualidade é algo genético,e, caso de ser assim, seria improcedente que a Igreja se opusesse a ela porque esta tendência humana seria algo ínsita na natureza que é obra divina. Parece confirmar este facto a existência da homossexualidade na maioria das espécies animais existentes. Quantos homossexuais foram enviados ao inferno pela instituição cristã no decurso da história pelo simples facto de ser e sentir-se distintos! Que esta condena está na Sagrada Escritura! Pois pior para a Sagrada Escritura e para os que a seguem. O que cumpre é cambiar a Escritura, mas não aos seres humanos nem a outros animais.
reconhecer livremente este ser distinto dos demais sem interferências alheias de nenhuma classe, senão com a tolerância e compreensão dos outros, que nunca devem converter-se em barreiras para a própria realização pessoal. Aliás, inclusive alguns autores defendem que a homossexualidade é algo genético,e, caso de ser assim, seria improcedente que a Igreja se opusesse a ela porque esta tendência humana seria algo ínsita na natureza que é obra divina. Parece confirmar este facto a existência da homossexualidade na maioria das espécies animais existentes. Quantos homossexuais foram enviados ao inferno pela instituição cristã no decurso da história pelo simples facto de ser e sentir-se distintos! Que esta condena está na Sagrada Escritura! Pois pior para a Sagrada Escritura e para os que a seguem. O que cumpre é cambiar a Escritura, mas não aos seres humanos nem a outros animais.
A carta dos prelados deforma a
realidade noutros vários aspectos com objeto de atacar depois a caricatura que eles mesmos forjam. Manifestam os citados bispos que a
reta razão diz-nos que “o home não é somente uma liberdade que ele se cria por si
só. O home não se cria a si mesmo. É espírito e vontade, mas também natureza” (Bento
XVI, Discurso ao Deutscher Bubdestag, Berlim, 22/09/2011). Ninguém, que eu saiba,
afirma que a liberdade humana é criada pelo home, pois a liberdade coincide com o
mesmo ser do ser humano e este o que faz é exercer o que ele é, e, por tanto, exercer a
liberdade; tampouco ninguém afirma que o home se cria a si próprio, pois o ser humano,
como espécie, surde por evolução a partir de animais inferiores, e, como indivíduo,
dos seus
progenitores, e, além disso, todo home necessita do concurso dos demais e dos meios materiais precisos, mas isto não é o que os bispos querem dizer senão que o home foi criado por Deus, em defesa do doutrina do criacionismo, mas isto reduz-se a pura fé sem prova nenhuma de experiência empírica. A última proposição deste texto é manifestação duma antropologia dualista e duma psicologia das faculdades, hoje periclitadas.
progenitores, e, além disso, todo home necessita do concurso dos demais e dos meios materiais precisos, mas isto não é o que os bispos querem dizer senão que o home foi criado por Deus, em defesa do doutrina do criacionismo, mas isto reduz-se a pura fé sem prova nenhuma de experiência empírica. A última proposição deste texto é manifestação duma antropologia dualista e duma psicologia das faculdades, hoje periclitadas.
Não é argumento nenhum afirmar
que uma lei choca com a antropologia cristã, pois esta não é mais que uma expressão do desumanismo cristão, que na prática concebe o
ser humano como uma criatura malévola, que deve submeter-se totalmente a Deus e
aspirar a converter-se em anjo. Trata-se, por tanto, não dum humanismo senão duma desumanização
do ser humano, dum teo-anjo-demonismo, e, conseqüentemente, duma antropologia
antiquada, fundamentada no mito e no dogma, que cumpre superar em vez de lançar-se
a atacar a aqueles que, legitimamente, dissentem dela. Atacam os bispos aos que
defendem um dualismo antropológico que separe ideologicamente o corpo do
espírito, mas isto é em realidade o que faz a doutrina católica, que, para
defender o dogma duma alma imortal, divide o ser humano em entidades distintas
e separáveis, sem fundamento nenhum na experiência, incapacitando-se para a
construir uma conceição dum ser humano integrado que é um bio-sistema, um
sistema vivente e material que adquiriu progressivamente novas capacidades
distintas e superiores ás dos animais que o precedem na escala filogenética, e
não a união de naturezas dispares e contraditórias. É puro ideologismo e do
mais barato apresentar “a procriação como fruto da colaboração com Deus no ato
conjugal próprio do matrimônio”.
Criticam os bispos o caráter
ideológico de liberdade presente na lei porque não responde á experiência humana, por ser individualista e porque aboca a um
pensamento totalitário. Ë surpreendente que uma confissão religiosa que
extrai a sua conceição de fontes totalmente alheias á experiência humana e
que se expressa em proposições metafísicas critique que outras cometem
esta falácia. O conceito de liberdade da teologia católica é também
individualista, pois é o home como indivíduo quem toma as suas decisões
ante Deus. Eu não li a lei e não podo pronunciar-me sobre o
seu totalitarismo, mas si podo afirmar que o pensamento cristão sempre foi
totalitário, porque pretendeu controlar todas as manifestações da consciência,
e toda criação ideológica humana, como se demonstra claramente pela
oposição á introdução no ensino da matéria “Educação para a cidadania” e
pelos numerosos índices de livros proibidos e pela inquisição que pôs em
prática o cristianismo quando teve poder para fazê-lo. Alertam da
possibilidade de que a lei conduza a “qualquer modificação corporal á carta”, sem ter em conta que o cristianismo foi quem defendeu
uma ideologia que modificou o corpo de todos aqueles que decidiam fazer-se
eunucos, especialmente se o faziam pelo reino dos céus, e apelam á
emergência cívica dos católicos e, por tanto, a levantar-se, emergir,
contra esta lei.
O bispo de Córdoba, pela sua
parte, aderiu á carta dos bispos de Getafé e Alcalá e incidiu nos aspectos
apocalípticos, manifestando que a ideologia de gênero é uma bomba de
relojoaria que quer destruir a doutrina católica e a imagem de Deus,
não querendo reconhecer que foi a ciência, o pensamento livre superador da
superstição, além dos enormes erros e a repressão eclesial e violência
eclesial as que urgem uma superação do modelo religioso cristão imposto em
Ocidente.
17/08/2016
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