24 ago 2016

A monarquia em Karl Marx



Marx desenvolveu a sua teoria sobre a coroa em intercâmbio dialético com Hegel de quem comentou o seu livro Princípios da Filosofia do Direito, comentário do que tiramos as seguintes reflexões.

O eixo da crítica de Marx á teoria do Estado e da coroa em Hegel pivota sobre a sua teoria idealista, que converte os sujeitos, os indivíduos, os homes,...em derivações dos conceitos abstratos, como a subjetividade, a individualidade, o Estado, e nomeadamente a Idéia, convertida no autêntico demiurgo do real. Hegel parte na Filosofia do direito, do conceito de vontade, que aparece, em primeiro lugar, no Direito imediato, como o elemento fundamental duma personalidade abstrata, e no Direito absoluto apresenta-se como a personalidade do Estado e a certidão de si mesma, personalidade encarnada no monarca que é a soberania personificada, para terminar pelo eu quero com o qual começa toda ação e toda realidade.

Hegel afirma que “o poder do monarca contém em si os três elementos da totalidade: a) a universalidade da constituição e as leis; b) a deliberação enquanto relação do particular ao universal; e c) o momento da decisão suprema como determinação de si da qual todo o demais se deduz e tira o começo da sua realidade. Esta determinação absoluta de si constitui o princípio distintivo do poder do monarca” (275). Nesta formulação hegeliana expressa-se o poder totalitário do monarca, que inclui no seu seio o poder legislativo, o poder executivo e o poder decisório supremo, que expressa em si todo o demais. Marx prefere equiparar o poder legislativo e o executivo com o poder do monarca, ao tempo que precisa que o poder do monarca refere-se ao monarca constitucional e, por conseguinte, isto indica que o monarca não está fora da constituição e as leis. Marx considera que o poder do monarca é o momento da decisão suprema, a autodeterminação absoluta na que todo o resto se resume e começa a devir uma realidade, mas, desde o momento que a autodeterminação se separa da universalidade do conteúdo (da constituição e as leis) e da particularidade da deliberação, a vontade real é o arbitrário. “Dito doutra maneira, o arbitrário é o poder do monarca ou o poder do monarca é o arbitrário” (275). Nas deduções mentais hegelianas todo casa perfeitamente, mas a resultas de pagar o preço de desviar-se da realidade empírica, muito mais complexa que o que se reflite no seu conceito. 

No parágrafo 276 dos Princípios, Hegel estabelece que na unidade substancial, a idealidade, a legitimidade dos diferentes poderes e funções não é independente senão determinada pela idéia do todo. Segundo Marx, que isto deve ser assim está implicado na idéia de organismo, e, por tanto, no organicismo defendido por Hegel, mas deveria explicar a maneira de realizar este dever-ser, porque a configuração fortuita dos poderes e funções não poderia ser apresentada como conforme á razão. Marx não põe em questão o organicismo hegeliano que, porém, determina o alcanço da sua conceição na que a dialética das relações horizontais desde a própria autonomia das partes, a complementaridade e a distinção de competências, é substituída pelas relações verticais hierárquicas de dependência e subordinação dumas partes a outras. 

No parágrafo 277, afirma Hegel que as diferentes atividades não são atribuídas aos indivíduos em virtude da sua personalidade imediata senão das suas qualidade universais e objetivas, e, por isso, os funções e atividades do Estado não podem ser propriedade privada. Marx considera uma tautologia afirmar que quando algumas funções são designadas como assuntos públicos e como poderes públicos, não podem ser mais que propriedade do Estado e não propriedade privada, mas o assunto parece mais complicado do que Marx o indica. Que um Estado declare que uma função é assunto público isso, de por si, não exclui que seja também privado, e somente se cometeria uma tautologia se se indicasse que toda pertença duma competência a um poder público exclui de por si que poda ser de competência privada. Noutras palavras, no significado de público não está incluída a exclusividade, a impossibilidade de que o público e o privado compartilhem uma competência. Hegel considera que a vinculação das funções e atividades do Estado com os indivíduos não depende da personalidade imediata destes senão das suas qualidades universais e objetivas, que ele não precisa, e que têm um vínculo puramente exterior e fortuito com a personalidade particular do indivíduo enquanto tal. Marx, pela sua parte, manifesta as citadas funções e atividades são encomendadas ao indivíduo não como realidade física senão estatal, na sua condição política enquanto membro do Estado, e de ai que não poda ser uma vinculação «extrínseca e acidental» «á personalidade particular como tal», senão que mantém com ela uma vinculação substancial, quer dizer que liga o indivíduo ao Estado por uma qualidade essencial do indivíduo. Hegel “esquece que a individualidade particular é uma individualidade humana e que as funções e as atividades do Estado são assuntos humanos” (277). A personalidade particular não é a sua barba, sangue, a sua natureza física abstrata senão a sua qualidade social.

Se o vínculo com o indivíduo se refere á ligação com o indivíduo «a» em vez do indivíduo «b» ou «c», parece claro que o vínculo das funções e atividades do Estado com o indivíduo é algo exterior e fortuito, no sentido de que todo indivíduo é prescindível enquanto tal; mas se se refere ao vínculo com a individualidade, quer dizer, com um indivíduo em geral, por uma parte é imprescindível, e, pela outra, a vinculação só pode referir-se ás qualidade técnicas e morais necessárias para o desempenho do cargo.

As diferentes atividades e funções do Estado resenhadas nos parágrafos 276 e 277 “constituem a soberania do Estado. Dito doutra maneira, para que haja soberania necessita-se que os diferentes poderes públicos não somente se vejam na impossibilidade de adquirir uma existência fixa e independente pela sua própria conta e por conta dos indivíduos que os encarnam, mas também que enraízem na unidade do Estado e que a vejam como a sua alma única” (278). A idealidade dos momentos constitutivos do Estado manifesta-se, segundo Hegel, no estado de paz, por uma parte, pela inconsciente necessidade objetiva que faz do egoísmo privado um meio da supervivência de todos e do mantimento do conjunto e, pela outra, pela intervenção direta do poder que lhes recorda o interesse geral. Em estado de emergência, manifesta-se pelo simples conceito da soberania no que se concentra o organismo social que no estado de paz aparecia dispersado nas esferas e atividades particulares. Segundo Marx, este idealismo não se expressa como um sistema racional e cognoscível. Em estado de paz, aparece como uma simples constrição exterior ou como um resultado cego e inconsciente do egoísmo. “A sua «realidade própria», este idealismo não a adquire mais que em caso de guerra ou de desamparo, de maneira que a essência deste idealismo se expressa aqui como estado de guerra ou de desamparo do Estado realmente existente, enquanto que o estado de paz é precisamente a guerra e o desamparo do egoísmo” (278). A soberania, o idealismo do Estado, existe, pois, só como unidade interna, como substância cega e inconsciente, como Idéia. Aliás, acrescentamos, a independência dos poderes que estabelece Hegel converte em mera ficção uma autêntica divisão de poderes, porque o que proclama Hegel é que a única autêntica soberania reside no monarca e todos os poderes do Estado lhe estão subordinados.

Marx divide o primeiro parágrafo do parágrafo 279 de Princípios, em duas proposições. Na primeira, Hegel declara que a soberania devém uma realidade concreta somente como uma subjetividade segura de si, mas a subjetividade não é verdadeira mais que como sujeito, a personalidade como pessoa, e numa constituição que alcançou o estádio da racionalidade real, cada um dos três momentos do Conceito constitui uma realidade separada e autônoma. Marx desmembra este parágrafo em duas proposições. Na primeira frase da primeira proposição Hegel diz simplesmente que o pensamento geral desta idealidade deveria ser a obra consciente dos sujeitos, dos cidadãos, e, neste sentido, uma realidade concreta. Se Hegel tiver tomado como ponto de partida os sujeitos reais considerados como a base do Estado, não teria necessidade de subjetivar o Estado desta maneira mística e mistificante. Também mistifica Hegel quando diz que “a subjetividade é uma determinação do sujeito, a personalidade uma determinação da pessoa”, mas em vez de considerá-los simplesmente como predicados dos seus sujeitos, Hegel começa por conferir-lhe aos predicados uma existência independente e termina por transformá-los de maneira mística nos sujeitos. “A realidade dos predicados é o sujeito: logo, o sujeito é a realidade da subjetividade, etc. Hegel autonomiza os predicados, os objetos, mas autonomiza-os separando-os do seu sujeito, da sua verdadeira autonomia. O sujeito real aparece em seguida como o seu resultado, enquanto que cumpre partir do sujeito real e estudar a sua objetivação” (279). Em Hegel a substância mística devém o sujeito real, e o sujeito real aparece como alguma cousa doutro, como um momento da substância mística. “Assim a soberania, a essência do Estado é considerada em primeiro lugar como um ser independente, ela é transformada em objeto. A seguir, isto cai de caixão, este elemento objetivo deve volver a ser sujeito. Mas então o sujeito aparece como uma auto-encarnação da soberania, mentes que esta não é nada distinto do espírito objetivado dos sujeitos do Estado (= dos cidadãos)” (279).

Marx declara que na primeira proposição significa simplesmente que a soberania, o idealismo de Estado enquanto pessoa, enquanto sujeito, devém uma realidade concreta na medida em que se encarne numa multidão de pessoas e de sujeitos, porque nenhuma pessoa, nenhum sujeito pode representar exclusivamente a esfera toda inteira da personalidade e da subjetividade. Mas em Hegel, em vez de encarnar-se a soberania numa multidão de pessoas, encarna somente num certo indivíduo, o monarca, que é a soberania encarnada, a consciência do Estado feita carne, o qual implica que todos os demais são excluídos da soberania, da personalidade e da consciência de si. “Curioso «idealismo» aquele que, em lugar de ser a real consciência de si dos cidadãos e a alma comum do Estado, não se encarnou mais que numa só pessoa, um só sujeito” (279).

Na segunda proposição Hegel trata de apresentar o monarca como o «home-deus» real, como a encarnação real da idéia. “O elemento do todo que se apresenta como o elemento absolutamente decisivo não é a individualidade em geral, mas um certo indivíduo: o monarca” (279). Hegel pretende inferir infrutuosamente a partir de premissas abstratas que a soberania se encarna, não numa pessoa, senão na pessoa dum indivíduo concreto, o monarca.  O falho do argumento hegeliano consiste, segundo Marx, no seguinte: “Dado que a subjetividade não é real mais que como sujeito, que todo sujeito não é real mais que como indivíduo, a personalidade do Estado não é real mais que sendo uma pessoa. Bonita conclusão! Hegel poderia concluir também: dado que todo home individual é uma unidade, o gênero humano é um indivíduo”. (279 nota)

A soberania tem um único conteúdo: eu quero, o elemento arbitrário da vontade. O momento da decisão é o poder real da vontade em geral. “A idéia do poder real, tal como Hegel a desenvolve, não é outra cousa que a idéia do arbitrário, a idéia da decisão voluntária” (279). Hegel antes “concebia a soberania como a idealidade do Estado como a determinação real das partes pela idéia do todo, enquanto que agora converte-a na «autodeterminação abstrata e sem motivos da vontade, da que depende a decisão suprema»; e acrescenta: «é isto o que faz a individualidade do Estado como tal»” (279). Antes falara da subjetividade «ideal», agora fala da individualidade «real». O Estado enquanto soberano deve ser um, um indivíduo, uma individualidade. Mas ao Estado o ser um não lhe vem da sua individualidade, senão que o decisivo não é a individualidade senão certo indivíduo, o monarca. De aqui segue-se que o cidadão, enquanto determina o geral, -é legislador; enquanto que decide o singular, querendo realmente, é soberano.

Enquanto que a gente pensa que o monarca tem o poder soberano, a soberania, Hegel afirma que a soberania do Estado é o monarca. A gente manifesta que a soberania faz o que quer, e Hegel declara que a soberania é a «autodeterminação abstrata» e sem motivo da vontade da que depende a decisão suprema. Todos os atributos do monarca constitucional na Europa contemporânea, Hegel transforma-os em autodeterminações absolutas da vontade. Ele não diz: a vontade do monarca é a decisão suprema, senão: a decisão suprema da vontade é o monarca. A primeira proposição é um facto empírico, a segunda transfigura o facto empírico num axioma metafísico. Hegel, segundo Marx, confunde vários sujeitos: a soberania como «subjetividade consciente de si» e a soberania como «autodeterminação sem motivos da vontade», para deduzir a «Idéia» como «um indivíduo». A subjetividade consciente de si deve também querer realmente e ninguém pus em dúvida que o Estado deve agir por meio dos indivíduos, mas “se Hegel quis mostrar que o Estado deve ter um indivíduo como representante da sua unidade, não demonstrou porque este indivíduo é um monarca” (279). “O monarca é no Estado o elemento da vontade individual, da autodeterminação sem motivos, do arbitrário” (279), que termina a ponderação dos argumentos a favor e em contra  pelo Eu quero pelo qual começa toda ação e toda realidade” (279 nota).

O monarca é a soberania personificada, a soberania encarnada, a consciência do Estado feita carne, o qual implica que todos os demais são excluídos da soberania, da personalidade e da consciência do Estado, mas Hegel aceita que se poda falar de soberania popular no sentido em que um povo é independente com respeito ao exterior e forma um Estado próprio, mas, como diz certeiramente Marx, “se o monarca é a «real soberania do Estado», cumpre que também com respeito ao exterior poda ser considerado como um «Estado independente» incluso sem o povo. Mas se não é soberano mais que na medida em que ele representa a unidade do povo, ele mesmo não é mais que o representante, o símbolo da soberania do povo. A soberania do povo não existe mercê a ele; é ele, ao contrário, quem existe mercê á soberania do povo” (279 nota). Tampouco aceita Marx de Hegel a afirmação de que a soberania reside no conjunto do povo, ou seja, no Estado. “como se o povo não fosse o Estado real. O Estado é um abstrato. O povo só é concreto. É destacável que Hegel não atribui ao concreto uma qualidade vivente como a da soberania, senão após fortes hesitações e reticências, quando o faz sem hesitação pelo abstrato” (279 nota).

Monarquia e democracia

Num posicionamento organicista, tomado strictu sensu, não é possível a democracia e de ai que Marx poda detectar várias eivas referentes á democracia na conceição hegeliana. Segundo Marx, “a democracia é a verdade da monarquia; a monarquia não é a verdade da democracia. Sé a monarquia é inconseqüente consigo mesma, pode ser democracia; na democracia o fator monárquico não é uma inconseqüência. A monarquia não é compreensível a partir de si mesma, a democracia si. Na democracia nenhum fator recebe outro significado que o próprio; todos eles são puros fatores do demos total. Na monarquia uma parte determina o caráter do todo; a Constituição inteira tem que acomodar-se a esse ponto invariável. A democracia é o gênero constitucional, a monarquia uma espécie e ademais má. A democracia é conteúdo e forma; a monarquia, não deve ser mais que uma forma, mas desnaturaliza o conteúdo” (279). Entendemos que o posicionamento de Marx a respeito da democracia é acertado, e, a seguir, intentaremos aclarar o que entendemos que afirma o filósofo materialista alemão. Para Hegel, a monarquia era o valor substantivo, enquanto que a democracia tinha para ele um valor secundário e adjetivo, enquanto que para Marx era á inversa. Uma monarquia pode ser democrática ou não, e de ai que a democracia é a verdade da monarquia, quer dizer, a pedra de toque para poder determinar se estamos ou não ante uma autêntica monarquia. Esta de por si não é democrática e toda monarquia só atraiçoando-se a si mesma pode ser democrática, enquanto que uma democracia pode perfeitamente ser monárquica. A democracia é compreensível a partir de si mesma, e todos os fatores têm somente o significado próprio, a monarquia, não. Nesta, uma parte, que é o modelo de Estado, determina o caráter do todo. A democracia é mais englobante que a monarquia; é o geral, o gênero, e a monarquia, a espécie, o particular.

Na monarquia o todo, o povo, acha-se subordinado á Constituição política que não é mais que um dos seus modos de existência; na democracia a Constituição ela - mesma aparece simplesmente como uma determinação e mais precisamente como a autodeterminação do povo. Na monarquia temos ao povo da Constituição; na democracia a Constituição do povo. A democracia é o enigma decifrado de todas as constituições. Aqui a Constituição é não somente em si, na sua essência, senão na sua existência, na realidade, constantemente reconduzida ao seu verdadeiro fundamento, quer dizer, ao home real, o povo real, e apresenta-se como a sua obra própria. A Constituição aparece como o que é verdadeiramente, a saber, um livre produto do home” (279). Na monarquia o povo está subordinado á constituição política, é o povo da Constituição, enquanto que na democracia o povo predomina sobre a Constituição, que não é outra cousa que o fruto da autodeterminação do povo, é a Constituição do povo. Na democracia a Constituição é referida ao seu verdadeiro fundamento, ao home real e ao povo real, e apresenta-se como a obra do povo real, o produto livre do home. A diferença que existe com a monarquia constitucional é que na democracia a Constituição política não forma por si só o Estado. Hegel parte da idéia de Estado e considera o home como uma subjetivação do Estado, enquanto que a democracia parte do home e considera o Estado como uma objetivação do home. Igual que na religião não é esta quem cria o home, senão que é o home quem cria a religião, não é a Constituição quem cria o povo senão que é o povo quem cria a Constituição. A democracia apresenta a essência de todas as Constituições, ou seja, ao home socializado sob a forma duma Constituição particular; é como o gênero com respeito ás suas espécies. Na democracia o home não existe para a lei, senão que a lei existe para o home, enquanto que em todos os outros regimes o home é uma afirmação da existência da lei.

Todas as outras estruturas estatais são formas estatais determinadas, particulares. Na democracia o princípio formal e o princípio material coincidem. É a verdadeira unidade do universal e do particular. Na monarquia e na república o home político leva uma existência particular ao lado de home não-político, do home privado. A propriedade, o contrato, o matrimônio, a sociedade civil aparecem como modos de existência particulares ao lado do Estado político, como o conteúdo frente ao qual o Estado político aparece como uma forma organizativa, mentes que na realidade não é mais que um entendimento sem conteúdo que determina, limita, umas vezes afirma outras nega este conteúdo. “Em todos os Estados não-democráticos, o Estado, a Lei, a Constituição dominam sem dominar realmente, quer dizer, sem impregnar materialmente o conteúdo das outras esferas não-políticas. Na democracia a Constituição, a Lei, o Estado mesmo não são mais que uma autodeterminação do povo, um conteúdo determinado que o povo se dá enquanto que é uma constituição política. É evidente, por outra parte, que a democracia é a verdade de todas as formas de Estado; do que se segue que todos os Estados não democráticos não são verdadeiros” (279).     

O monarca

Hegel declara que o conceito de monarca é o conceito mais difícil para a raciocinação, quer dizer, para o modo de reflexão do entendimento (279). Não se pode derivar de nada porque tem a origem em si mesmo. Eu diria que não só é difícil senão impossível e inclusive absurdo, porque a realidade existencial nunca se pode derivar de conceitos abstratos. No parágrafo 280 Hegel deduz que um indivíduo concreto está destinado á dignidade monárquica por nascimento. “O Eu supremo onde se encarna a vontade do Estado é na sua abstração um simples Eu e por conseguinte uma singularidade imediata; o seu conceito mesmo implica o caráter da naturalidade; também o monarca é essencialmente um indivíduo determinado, feita abstração de todo outro conteúdo; e este indivíduo está destinado á dignidade monárquica duma maneira imediatamente natural, por nascimento”(280)

Uma vez que Hegel pretendeu demonstrar que a subjetividade é sujeito e que o sujeito é um indivíduo empírico, único, agora intenta demonstrar que o conceito de singularidade imediata implica o caráter da naturalidade, da corporeidade. Hegel, segundo Marx, “não demonstrou mais que evidências: que a subjetividade não existe mais que como indivíduo em carne e em osso; ora bem, vai de seu que um tal indivíduo se carateriza também pelo facto de que nasceu” (280). Mas Hegel não se limitou a pretender concluir que a subjetividade só existe como indivíduo e que este indivíduo se caracteriza pela facto de que nasceu, senão que pretende concluir que a subjetividade existe como este indivíduo e que este indivíduo está destinado por nascimento a ser monarca. “Hegel crê ter demonstrado que a subjetividade do Estado, a soberania, o monarca é «essencialmente» um indivíduo «dado, feita abstração de todo outro conteúdo; e este indivíduo está destinado á dignidade monárquica duma maneira imediatamente natural, por nascimento». “a dignidade monárquica definir-se-ia pois pelo nascimento. O corpo do monarca determinaria a sua dignidade. Na mais alta cimeira do Estado não é, pois, a razão senão a só natureza que seria o elemento decisivo. O nascimento determinaria a qualidade do monarca da mesma maneira que determina a qualidade do gado” ((280). Segundo Marx, Hegel demonstrou que o monarca é alguém que deve nascer, do qual ninguém duvida, mas ele não demonstrou porque o nascimento faz de alguém um monarca. “O nascimento dum home e a sua transformação em monarca deixa-se converter tão pouco em verdade metafísica como a Imaculada Conceição. Se a crença nesta é um facto das consciência, o nascimento do monarca é um facto empírico, mas os dous podem ser compreendidos como um produto da ilusão humana e das circunstâncias” (280).

No comentário deste parágrafo 280 de Hegel, Marx considera que apresenta o irracional como o absolutamente racional, enquanto que considera que a transição do conceito da pura autodeterminação á imediatez do ser imediato, ou seja, da soberania ao nascimento deste indivíduo, é um processo puramente especulativo e, por tanto, a sua explicação corresponde á Lógica. Marx, pela sua parte, considera que o único que há de especulativo é que se chama a todo isto «transição conceitual» e que se apresenta a contradição absoluta como identidade e a mais grande inconseqüência como conseqüência lógica. “Assim o monarca hereditário ocupa o lugar da Razão que se determina a si mesma e o facto natural abstrato (o nascimento) apresenta-se não como o que é, quer dizer, como um simples facto natural, senão como a mais alta definição do Estado. Pode considerar-se esta tese de Hegel como a confissão positiva de que a monarquia não pode conservar mais a aparência de ser a organizadora da vontade racional” (280). Hegel afirma que a transformação da soberania do Estado em corpo do monarca hereditário é, no fundo, da mesma natureza  que a «transição» que tem lugar quando a vontade realiza um fim qualquer que se propõe e faz passar um conteúdo á realidade. Mas Hegel diz: no fundo. A diferença particular que ele sinala é até tal ponto particular que suprime toda analogia e coloca a magia no lugar da «natureza da vontade em geral».

7/08/2016


No hay comentarios:

Publicar un comentario