Para governar um país dum modo solvente, efetivo
e duradoiro deve haver adequação entre as políticas que se pretende implementar
e a realidade do país que se pretende governar. Isto tem ainda maior vigência quando
se trata duma governança democrática, duma governança do demos ou povo, que
exige que os gobernantes se adequem á realidade do país e não pretendam que o
país se subordine ao seu imaginário mental, aos pré-conceitos do que a eles
lhes gostaria que fosse o país.
Creio que estamos num momento em que se produz
a máxima cissura entre o país real e as propostas com as que os partidos
políticos pretendem solucionar o beco sem saida. Normalmente as cissuras podem
vir provocadas por simples evolução da mentalidade dos cidadãos como resultado
dos câmbios produzidos no contexto socio-econômico e político no decurso do
tempo, sem um câmbio correlativo nas leis e políticas vigorantes, e neste
sentido, é evidente que a implantação dum sistema autonômico e a entrada na UE fez
ver tanto as suas vantagens como as próprias limitações; pode também ser
produto de medidas políticas postas em marcha por alguns partidos, como as
políticas de fustigamento em contra do Estatuto de Catalunya e as políticas
recentralizadoras do bipartito PP-PSOE, entre as que sobressai a LOMCE, com a
pretensão declarada de espanholizar os alunos/as catalães, entenda-se também
vascos e galegos; e pode, finalmente, ser fruto das aspirações dos cidadãos de
certas comunidades autônomas que reclamam uma novo marco de inter-relação entre
o centro e a periféria. Hoje podemos dizer que o desfase é máximo entre o país
real e os programas preparados pelos partidos políticos para pedir o voto dos
cidadãos. Os partidos políticos fecharam-se em compartimentos estancos e incomunicáveis,
em ghetos surdos ás demandas de grande parte dos cidadãos, de tal modo que
podemos concluir que em vez de estarmos a construiir um país mais tolerante e
mais habitável estamos a construir um país mais intolerante e mais fechado onde
os cidadãos dumas comunidades pensam e votam em termos de exclusão doutros
partidos e comunidades. Isto explica o facto de que estabelecer um pacto de
governo no Estado espanhol é hoje mais complicado que nunca no passado.
Alguém poderia alegar que todos os programas
políticos são igualmente legítimos e de obrigado cumprimento sempre que se
tivessem apresentado á cidadania para o seu conhecimento e recebesse o seu
referendo nas urnas. Eu considero que, em termos gerais, assim é, com uma
salvidade, que os citados programas respeitem os direitos humanos tanto
individuais como colectivos. Quem diria que é de obrigado cumprimento defender
a escravidão dos indivíduos, por muito que conste num programa eleitoral? Se
alguma organização incluisse no seu programa alguma medida que colidisse com
eles, de seguida seria vituperado pela opinião publica. Então, a questão que se
suscita é a seguinte, por que não passa igual quando um partido inclui uma
medida que atenta claramente contra os direitos do povos, como, por exemplo,
que não permitirá que esse povo se expresse livremente para decidir o seu
futuro? Esta simples pergunta é reveladora do diferente grau de sensibilidade
que existe nas populações entre a defesa dos direitos humanos individuais e os
direitos coléctivos. Este é o elemento diferencial que existe neste momento
nalgumas comunidades espanholas a respeito de legislaturas anteriores. Há uma
comunidade, como é Catalunya, que reclama poder expressar-se nas urnas a
respeito do seu futuro, e, por outra parte, uma posição fechada em contra dos
partidos mais espanholistas, que eles se autointitulam constitucionalistas,
como se os demais não o fossem também: PP, PSOE e C’s. Estes partidos, por puro
rendimento eleitoralista, muita vezes baseiam a sua campanha num espanholismo
râncio que pretendem inocular na cidadania por meio de slogans que apelam ao
medo, ao vazio de poder, distorção da realidade, etc.
Em todas as eleições anteriores sempre foi
doado pactuar um governo e sempre cristalizou estabelecendo pactos de
investigura e/ou governo com os partidos nacionalistas periféricos, e inclusive
se pode afirmar que as legislaturas nas que se formalizaram tais pactos foram,
em termos gerais, as mais produtivas e de maior tolerância, mas hoje é
praticamente impossível concertar tais pactos, quer com formações
independentistas catalães quer com o nacionalismo vasco.
Um repasso ás possíveis coligações elitorais
permite-nos confirmar o que queremos dizer. Uma alternativa de governo seria a
constituída pela soma de PP (137 escanos), C’s (32 escanos), PNV (5 escanos) e
CC (1 escano). Total = 175 escanos, que permitem governar com comodidade
estabelecendo nalguns casos pactos puntuais. O maior problema consiste em que
C’s não aceita que o PNV tenha nenhuma contra-prestação, que, porém, reclama,
como algo natural, para si próprio pelo seu eventual apoio a um novo governo.
Por tanto, o que foi viável em qualquer outra legislatura é impossível agora
pela fobia de C’s a todo o que soe a diferenciação, porque a sua política
caracteriza-se prioritariamente pela supressão das diferenças entre os diversos
povos integrados no Estado espanhol, porque o único que pode ter diferenças é o
povo espanhol a respeito doutros Estados-nações.
Também é viável teoricamente uma alternativa de
esquerdas: PSOE (85 escanos), Unidos-Podemos (71 escanos), PNV (5 escanos), ERC
(9), CDC (8 escanos) = 178 escanos. Esta alternativa faz-na inviável a posição
do PSOE, que, após ter defendido o direito de autodeterminação dos povos até o
ano 1976, agora considera uma grave mancha ser contaminado inclusive pela
abstenção dum partido como CDC ou ERC. Neste caso, o problema não consiste em
que não defendam o direito de autodeterminação, senão em que nem sequer mantenhem
a posição democrática de que o povo de Catalunya poda votar em referendo qual
considera que deve ser a sua relação com o Estado.
Outra alternativa, que estão a defender vários
intelectuais no Estado espanhol, seria uma coligação: PSOE (85 escanos), Unidos
Podemos (71 escanos) e C’s (32 escanos) Total: 188 escanos. O problema neste
caso vém ser o mesmo que na anterior eventualidade, agora ainda agravada pela xenofobia
de C’s que exigiria que Unidos Podemos renuncie a que se celebre o citado referendo,
por uma parte, e, pela outra, que adote uma política liberal, como si aceitou o
PSOE a raíz das eleições do 20 D. Pedem os citados intelectuais que se forme um
governo de mínimos destes três partidos, que não seria capaz de solucionar nem
o problema do modelo de estado nem o do modelo de sociedade, mas que si seria
uma experiência formidável para que se desacreditassem todos eles para futuras
governanças.
Considero que a solução ao problema espanhol,
que é um Estado no que convivem vários povos diferenciados, seria mui doada se
todos os partidos asumissem como um mínimo comum denominador a defesa dos
direitos dos povos, que não implica, nem muito menos, defender a sua
independência, senão somente o direito a expressar-se livremente a respeito do
seu futuro, o qual, embora não fosse provável, poderia traduzir-se na sua
independência. Penso que dum Estado que parta destas premissas nenhum povo
teria desejo de independizar-se senão que permitiria forjar uma união desde a
diversidade muito mais sólida e definitiva. Num país como Suiça nenhum cantão
tem aspirações separatistas, porque a sua diferença está reconhecida e dispõem
de mecanismos corretivos para casos de deviação. Assim governaria-se um país
real e não um país imaginário.
2/08/2016
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