Vinheta de Castelao |
Começava o artigo
titulado «Os nacionalismos e o projeto europeu» afirmando que a proposição que
diz que «Todo efeito tem a sua causa», cumpria completá-lo com a que afirma que
«Toda causa tem um efeito». Mas, ante a sugestão dalgum leitor, vou explicitar
mais estas duas proposições.
A formulação da
primeira proposição deriva de Leibniz, que a fundamentava no princípio de razão
suficiente. Todo tem que ter uma razão suficiente de que existe em vez de que
não exista: “nihil est sine ratione seu nullus efectus sine causa”,
(nada existe sem razão ou nenhum efeito sem causa), de acordo com o qual,
Derrida afirmava que de todo pode render-se razão, e, por tanto, explicar os
efeitos a partir das causas..
O status desta
proposição, «Que todo efeito tem uma causa», depende da definição que lhe dêmos
á palavra efeito. Se definimos o efeito como aquilo que foi produzido por outra
cousa, deixada na indeterminação mas a que chamamos causa, é evidente que
estamos ante uma proposição analítica, quer dizer uma proposição na que o
predicado «tem um efeito» está incluído no sujeito «causa»; são proposições
vazias, ou seja, verdadeiras em virtude da sua forma, e, por tanto, não é
preciso recorrer á experiência para verificar a verdade de que se há um efeito
necessariamente tem que haver uma causa, senão que podemos constatá-la a partir
da definição dos termos implicados, ou seja, «efeito» e «causa».
Tomás de Aquino
enfrentou-se ao problema de acarretar
argumentos racionais, teoricamente polo menos, da possibilidade da
existência da alma como entidade separada do corpo e, para isto recorreu á teoria
hilemórfica aristotélica, segundo a qual todo está constituído por matéria
e forma, e a forma é o que lhe dá o ser á matéria e pode existir sem esta. “Quando
há dous seres que têm entre si a relação de causa e efeito, o que é causa pode
existir sem o efeito, mas não á inversa. Pois bem, esta é a relação que se dá
entre a matéria e a forma: a forma confere o ser á matéria. E por isso é
impossível que exista a matéria sem a forma, enquanto que não o é que exista a
forma sem matéria”. (Do ente et essentia, cap. IV). Segundo o próprio Tomás de Aquino, a alma é criada por Deus e opera num corpo que, imediatamente, procede por geração humana, e, por tanto, deve aclarar em que consiste essa ação de conferir o ser, porque o ser da matéria provém por geração dos pais, e a alma, segundo os defensores do dualismo antropológico, somente atua no corpo, conforma ou modela o corpo, e só se prova que é independente dele, se o faz como um agente exterior, ou seja, se se pressupõe o que se quer demonstrar. Esta teoria atribui á alma o que hoje se explica por meio do sistema nervoso, mas este não pode conceber-se como algo independente do corpo. A herança de Platão,
pai do dualismo antropológico, que será assumido polo cristianismo, produz,
como diz Bertrand Russell, um problema enorme na filosofia, porque criou um
monstro lógico que é incapaz de interpretar a realidade. Mas, ao mesmo tempo,
sob a forma de «intercessão polas benditas almas do purgatório» e do «medo ao
inferno», constituiu uma fonte de ingressos insuperável para as finanças
eclesiais. Mas, é possível a imortalidade da alma? Logicamente, não implica
contradição, e, por tanto, é possível, mas física e biologicamente todo indica
que, infelizmente, não é assim. O que se chama alma não é mais que um conceito
abstrato, que não responde a nenhuma realidade concreta, e que se utiliza para
designar os diversos sentimentos, afetos, desejos, pensamentos que se produzem
numa matéria organizada. Este argumento carece de qualquer rigor e de qualquer
verosimilidade, e foi proposto, ad hoc, para demonstrar o indemonstrável, e
que, em definitiva, só demonstra que a separação da alma a respeito do corpo
não se pode demonstrar. Uma filosofia digna de tal nome não se pode subordinar
ao mito nem a nenhum sistema de crenças, de credos irracionais.
Platão considerava
que a realidade estava dividida em dous mundos: o sensível, que é o mundo no
qual nós vivemos, e o inteligível, que é o mundo das idéias, que são realidades
imateriais, eternas, necessárias, fixas, imóveis, que servem de protótipos, de
modelos ou exemplares de todas as realidades que existem no mundo sensível, e
constituem a verdadeira essência destas. As cousas são boas porque participam
da idéia de bondade; os humanos são homes porque participam da idéia de
humanidade, ... Esta teoria é a alicerce do denominado idealismo platônico, e
vai ser utilizada por ele com fins políticos, entre outros, com efeito de
construir uma sociedade mais justa, uma sociedade estável e alheia aos vaivens
humanos. Nesta sociedade estática e permanente, cumpria estabelecer mecanismos
para propiciar a conformidade das pessoas, o seu comportamento cívico e
moralmente correto, e um instrumento eficaz para conseguir este objetivo era demonstrar
a imortalidade da alma e a retribuição no mundo de ultra-tomba, que basearia no
teoria das idéias.
Historicamente,
isto foi o que serviu de baseamento ás três grandes religiões monoteístas:
judaísmo, cristianismo e islamismo. Do cristianismo em concreto, diz Nietzsche,
que não é mais que platonismo disfarçado. De fato, num e noutro existe a
separação em dous mundos, em ambos a doutrina das idéias, em ambos a defesa a
todo transe da imortalidade da alma, em ambos o mesmo idealismo de base, ...
Aristóteles não
aceita esta teoria do mundo das idéias, mas manteve a noção de idéia com o nome
de forma, não afastada senão encarnada nas diversas realidades, o qual indica
que, no fundo, a filosofia aristotélica não foi capaz de indepentizar-se de
Platão e continua a ser também uma
filosofia idealista. Mas, nem ele mesmo soube explicar propriamente em que
consistiam nem de onde procediam. A vezes diz que se identifica com a figura,
mas isto não se pode admitir porque a figura é algo acidental num corpo; nos
seres vivos identificou-a com a função, mas uma função somente pode ser operada
por um ser existente, e, por tanto, cumpre dilucidar quem é este ser; alguns
dizem que se identifica com a estrutura, que é um sinônimo de forma, mas uma
estrutura em si não explica a operação. Por muito que tenhamos a estrutura dum
home, quer dizer, os traços básicos que o conformam, não sabemos que é um
home.Enquanto á sua origem, Aristóteles sustém que, nos seres materiais, a
forma é aduzida da matéria pola ação da causa eficiente. Nos seres vivos, a
forma procede do calor solar. Esta formulação idealista aristotélica que, não
obstante, negava a imortalidade pessoal, vai ser domesticada por Tomás de
Aquino adaptando-a aos dogmas cristãos.
Tomás de Aquino
defendeu que não todo efeito tem causa, em contra dalguns que “sustiveram
que a série mesma ou disposição das causas enquanto tal é necessária, de modo
que todo sucede por necessidade, devendo-se isto a que todo efeito tem a sua
causa, e, posta esta, é necessário que se siga o efeito. Mas isto é
evidentemente falso”. (I, 116, 3c).
“O que só acidentalmente é ser, não tem causa, posto que não é
propriamente ser, ao não ser propriamente um. Exemplo, tem causa o ser branco e
igualmente a tem o ser músico, mas o ser músico branco não a tem, porque tal
ser não é ser ao não ser propriamente um”. (I, q. 115, 6c).
Considero que a frase «músico branco», se queremos dar-lhe um sentido
inteligível, somente pode entender-se a conjunção de duas notas: “«músico» e
«branco»”, atribuídas a um sujeito, normalmente um ser humano, e, pro tanto,
este ser humano, que tem estas características e muitas mais, evidentemente tem
uma causa, que é a conjunção do que faz a um ser ao tempo músico e branco.
Partir da noção abstrata de «ser», em realidade inexistente, e «um», não conduz
a nenhuma parte.
Kant identificava o
efeito com «algo que sucede», e então concluía que a proposição «Todo o que
sucede» tem uma causa», é uma proposição sintética, ou seja, uma proposição na
que o predicado, «tem uma causa», diz algo distinto que o sujeito, «todo o que sucede», e, por tanto,
acrescentar-se-lhe-a sinteticamente a este. Mas, ao igual que na anterior
proposição, nós não necessitamos recorrer á experiência para verificar se é
verdade que «todo o que sucede tem uma causa», e, por isso concluía que é uma
proposição sintética a priori. Assim, se vemos fume, podemos concluir que
necessariamente tem uma causa, que a experiência nos dirá qual é, normalmente o
lume.
A física quântica
pôs em questão esta proposição porque a incerteza é o principal ingrediente da
teoria quântica e dela deduz-se a imprevisibilidade, tal como sinala Paul
Davies: “A ciência que melhor refutou a reivindicação de que cada sucesso
tem uma causa é a física quântica. ... O fator quântico, não obstante, parece
romper esta cadeia causal permitindo a ocorrência de sucessos sem nenhuma
causa. ... Num Universo não determinista ocorrem sucessos sem nenhuma causa”
(Dios y la nueva física, Salvat, Barcelona, 1986, pp. 42, 162). A nível
subatômico é impossível determinar a posição e a quantidade de movimento duma
partícula, já que se conhecemos um destes extremos, perdemos o outro, porque os
nossos instrumentos de medida afetam os dados que se vão medir. Isto pode
explicar-se quer como incerteza, quer dizer, como impossibilidade de medir por
tratar-se de partículas mui pequenas que se vem afetadas polos instrumentos de
medição, ou como indeterminação estrita,
ou seja que a natureza não obedece a leis estritas, que funciona ao louco, e,
por tanto, qualquer cousa pode suceder, sem que, polo menos no momento atual
seja possível dilucidar qual delas é a correta. porque se conhecemos a posição,
desconhecemos a quantidade de movimento, e ao revês. “A maioria dos
científicos, sob o liderado do físico danês Niels Bohr, aceitaram o fato de que
a incerteza atômica é algo verdadeiramente intrínseco á natureza: as regras dum
mecanismo de relojoaria são aplicáveis a objetos familiares como as bolas de
bilhar; mas quando se trata de átomos, as regras são as do jogo da roleta”.
(Ibid. P. 119) No entanto, o fato de que qualquer das alternativas pode ser
possível, por muito que a maioria dos científicos se incline por uma delas, não
descarta totalmente a outra, senão que é uma possibilidade aberta, e que nos
conduz a um mundo sumamente enigmático..
A segunda
proposição que diz «Toda causa tem o seu efeito», não goza duma aceitação tão
unânime. É evidente que se definimos o termo «causa» como aquilo que produz um
efeito, se há uma causa tem que haver um efeito, e assim, se há lume pode ser
que não haja fume ou, quiçá, que haja pouco fume, mas sempre haverá algum
efeito, seja qual for, como pode ser o incremento do calor ambiente, a fugida
de animais, ... Tratar-se-ia, por tanto, duma proposição analítica.
Em Aristóteles não
se dá uma autêntica definição de causa. Somente se diz que “Todo ser que se
faz tem uma causa produtora”, (Metafísica, 1033 a), mas sem precisar em
que consiste a produção que exerce a causa.
Tomás de Aquino define a causa
como “aquilo ao qual segue algo necessariamente”. (I-II, q. 75, 2), que
é uma proposição analítica, porque no conceito de causa já vai incluído o
predicado indicado, e que não precisa da experiência para ser verificada, mas
isto entra em contradição como o que afirma no texto anterior no que afirma que
a causa pode existir sem o efeito, o qual significa que não seria causa, porque
dela não se segue nada. Um pai que não tem filhos não é pai. Eu creio que tanto
Aristóteles como Tomás de Aquino têm a propensão a conceber estaticamente a realidade
e a separar as causas dos efeitos. Não existe um mundo separado das causas e
outro dos efeitos, senão que existe uma série contínua de acontecimentos nos
que se dá encadeamento e inter-relação de causas e efeitos na que qualquer
realidade é causa e ao mesmo tempo efeito.
«a» engendra «b», e este «c»; mas também, «a» influi em «b», e «b»
influi em «a», e isto acontece não só entre dous acontecimentos, senão que é
uma inter-relação múltipla e multilateral.
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