15 oct 2015

Das causas e dos efeitos




Vinheta de Castelao
Começava o artigo titulado «Os nacionalismos e o projeto europeu» afirmando que a proposição que diz que «Todo efeito tem a sua causa», cumpria completá-lo com a que afirma que «Toda causa tem um efeito». Mas, ante a sugestão dalgum leitor, vou explicitar mais estas duas proposições.

A formulação da primeira proposição deriva de Leibniz, que a fundamentava no princípio de razão suficiente. Todo tem que ter uma razão suficiente de que existe em vez de que não exista: “nihil est sine ratione seu nullus efectus sine causa”, (nada existe sem razão ou nenhum efeito sem causa), de acordo com o qual, Derrida afirmava que de todo pode render-se razão, e, por tanto, explicar os efeitos a partir das causas.. 

O status desta proposição, «Que todo efeito tem uma causa», depende da definição que lhe dêmos á palavra efeito. Se definimos o efeito como aquilo que foi produzido por outra cousa, deixada na indeterminação mas a que chamamos causa, é evidente que estamos ante uma proposição analítica, quer dizer uma proposição na que o predicado «tem um efeito» está incluído no sujeito «causa»; são proposições vazias, ou seja, verdadeiras em virtude da sua forma, e, por tanto, não é preciso recorrer á experiência para verificar a verdade de que se há um efeito necessariamente tem que haver uma causa, senão que podemos constatá-la a partir da definição dos termos implicados, ou seja, «efeito» e «causa».

Tomás de Aquino enfrentou-se ao problema de acarretar  argumentos racionais, teoricamente polo menos, da possibilidade da existência da alma como entidade separada do corpo e, para isto recorreu á teoria hilemórfica aristotélica, segundo a qual todo está constituído por matéria e forma, e a forma é o que lhe dá o ser á matéria e pode existir sem esta. “Quando há dous seres que têm entre si a relação de causa e efeito, o que é causa pode existir sem o efeito, mas não á inversa. Pois bem, esta é a relação que se dá entre a matéria e a forma: a forma confere o ser á matéria. E por isso é impossível que exista a matéria sem a forma, enquanto que não o é que exista a forma sem matéria”. (Do ente et essentia, cap. IV). Segundo o próprio Tomás de Aquino, a alma é criada por Deus e opera num corpo que, imediatamente, procede por geração humana, e, por tanto, deve aclarar em que consiste essa ação de conferir o ser, porque o ser da matéria provém por geração dos pais, e a alma, segundo os defensores do dualismo antropológico, somente atua no corpo, conforma ou modela o corpo, e só se prova que é independente dele, se o faz como um agente exterior, ou seja, se se pressupõe o que se quer demonstrar. Esta teoria atribui á alma o que hoje se explica por meio do sistema nervoso, mas este não pode conceber-se como algo independente do corpo. A herança de Platão, pai do dualismo antropológico, que será assumido polo cristianismo, produz, como diz Bertrand Russell, um problema enorme na filosofia, porque criou um monstro lógico que é incapaz de interpretar a realidade. Mas, ao mesmo tempo, sob a forma de «intercessão polas benditas almas do purgatório» e do «medo ao inferno», constituiu uma fonte de ingressos insuperável para as finanças eclesiais. Mas, é possível a imortalidade da alma? Logicamente, não implica contradição, e, por tanto, é possível, mas física e biologicamente todo indica que, infelizmente, não é assim. O que se chama alma não é mais que um conceito abstrato, que não responde a nenhuma realidade concreta, e que se utiliza para designar os diversos sentimentos, afetos, desejos, pensamentos que se produzem numa matéria organizada. Este argumento carece de qualquer rigor e de qualquer verosimilidade, e foi proposto, ad hoc, para demonstrar o indemonstrável, e que, em definitiva, só demonstra que a separação da alma a respeito do corpo não se pode demonstrar. Uma filosofia digna de tal nome não se pode subordinar ao mito nem a nenhum sistema de crenças, de credos irracionais.

Platão considerava que a realidade estava dividida em dous mundos: o sensível, que é o mundo no qual nós vivemos, e o inteligível, que é o mundo das idéias, que são realidades imateriais, eternas, necessárias, fixas, imóveis, que servem de protótipos, de modelos ou exemplares de todas as realidades que existem no mundo sensível, e constituem a verdadeira essência destas. As cousas são boas porque participam da idéia de bondade; os humanos são homes porque participam da idéia de humanidade, ... Esta teoria é a alicerce do denominado idealismo platônico, e vai ser utilizada por ele com fins políticos, entre outros, com efeito de construir uma sociedade mais justa, uma sociedade estável e alheia aos vaivens humanos. Nesta sociedade estática e permanente, cumpria estabelecer mecanismos para propiciar a conformidade das pessoas, o seu comportamento cívico e moralmente correto, e um instrumento eficaz para conseguir este objetivo era demonstrar a imortalidade da alma e a retribuição no mundo de ultra-tomba, que basearia no teoria das idéias.

Historicamente, isto foi o que serviu de baseamento ás três grandes religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. Do cristianismo em concreto, diz Nietzsche, que não é mais que platonismo disfarçado. De fato, num e noutro existe a separação em dous mundos, em ambos a doutrina das idéias, em ambos a defesa a todo transe da imortalidade da alma, em ambos o mesmo idealismo de base, ...

Aristóteles não aceita esta teoria do mundo das idéias, mas manteve a noção de idéia com o nome de forma, não afastada senão encarnada nas diversas realidades, o qual indica que, no fundo, a filosofia aristotélica não foi capaz de indepentizar-se de Platão e continua a ser  também uma filosofia idealista. Mas, nem ele mesmo soube explicar propriamente em que consistiam nem de onde procediam. A vezes diz que se identifica com a figura, mas isto não se pode admitir porque a figura é algo acidental num corpo; nos seres vivos identificou-a com a função, mas uma função somente pode ser operada por um ser existente, e, por tanto, cumpre dilucidar quem é este ser; alguns dizem que se identifica com a estrutura, que é um sinônimo de forma, mas uma estrutura em si não explica a operação. Por muito que tenhamos a estrutura dum home, quer dizer, os traços básicos que o conformam, não sabemos que é um home.Enquanto á sua origem, Aristóteles sustém que, nos seres materiais, a forma é aduzida da matéria pola ação da causa eficiente. Nos seres vivos, a forma procede do calor solar. Esta formulação idealista aristotélica que, não obstante, negava a imortalidade pessoal, vai ser domesticada por Tomás de Aquino adaptando-a aos dogmas cristãos. 

Tomás de Aquino defendeu que não todo efeito tem causa, em contra dalguns que “sustiveram que a série mesma ou disposição das causas enquanto tal é necessária, de modo que todo sucede por necessidade, devendo-se isto a que todo efeito tem a sua causa, e, posta esta, é necessário que se siga o efeito. Mas isto é evidentemente falso”. (I, 116, 3c).  “O que só acidentalmente é ser, não tem causa, posto que não é propriamente ser, ao não ser propriamente um. Exemplo, tem causa o ser branco e igualmente a tem o ser músico, mas o ser músico branco não a tem, porque tal ser não é ser ao não ser propriamente um”. (I, q. 115, 6c). Considero que a frase «músico branco», se queremos dar-lhe um sentido inteligível, somente pode entender-se a conjunção de duas notas: “«músico» e «branco»”, atribuídas a um sujeito, normalmente um ser humano, e, pro tanto, este ser humano, que tem estas características e muitas mais, evidentemente tem uma causa, que é a conjunção do que faz a um ser ao tempo músico e branco. Partir da noção abstrata de «ser», em realidade inexistente, e «um», não conduz a nenhuma parte.

Kant identificava o efeito com «algo que sucede», e então concluía que a proposição «Todo o que sucede» tem uma causa», é uma proposição sintética, ou seja, uma proposição na que o predicado, «tem uma causa», diz algo distinto que o sujeito,  «todo o que sucede», e, por tanto, acrescentar-se-lhe-a sinteticamente a este. Mas, ao igual que na anterior proposição, nós não necessitamos recorrer á experiência para verificar se é verdade que «todo o que sucede tem uma causa», e, por isso concluía que é uma proposição sintética a priori. Assim, se vemos fume, podemos concluir que necessariamente tem uma causa, que a experiência nos dirá qual é, normalmente o lume.

A física quântica pôs em questão esta proposição porque a incerteza é o principal ingrediente da teoria quântica e dela deduz-se a imprevisibilidade, tal como sinala Paul Davies: “A ciência que melhor refutou a reivindicação de que cada sucesso tem uma causa é a física quântica. ... O fator quântico, não obstante, parece romper esta cadeia causal permitindo a ocorrência de sucessos sem nenhuma causa. ... Num Universo não determinista ocorrem sucessos sem nenhuma causa” (Dios y la nueva física, Salvat, Barcelona, 1986, pp. 42, 162). A nível subatômico é impossível determinar a posição e a quantidade de movimento duma partícula, já que se conhecemos um destes extremos, perdemos o outro, porque os nossos instrumentos de medida afetam os dados que se vão medir. Isto pode explicar-se quer como incerteza, quer dizer, como impossibilidade de medir por tratar-se de partículas mui pequenas que se vem afetadas polos instrumentos de medição,  ou como indeterminação estrita, ou seja que a natureza não obedece a leis estritas, que funciona ao louco, e, por tanto, qualquer cousa pode suceder, sem que, polo menos no momento atual seja possível dilucidar qual delas é a correta. porque se conhecemos a posição, desconhecemos a quantidade de movimento, e ao revês. “A maioria dos científicos, sob o liderado do físico danês Niels Bohr, aceitaram o fato de que a incerteza atômica é algo verdadeiramente intrínseco á natureza: as regras dum mecanismo de relojoaria são aplicáveis a objetos familiares como as bolas de bilhar; mas quando se trata de átomos, as regras são as do jogo da roleta”. (Ibid. P. 119) No entanto, o fato de que qualquer das alternativas pode ser possível, por muito que a maioria dos científicos se incline por uma delas, não descarta totalmente a outra, senão que é uma possibilidade aberta, e que nos conduz a um mundo sumamente enigmático..

A segunda proposição que diz «Toda causa tem o seu efeito», não goza duma aceitação tão unânime. É evidente que se definimos o termo «causa» como aquilo que produz um efeito, se há uma causa tem que haver um efeito, e assim, se há lume pode ser que não haja fume ou, quiçá, que haja pouco fume, mas sempre haverá algum efeito, seja qual for, como pode ser o incremento do calor ambiente, a fugida de animais, ... Tratar-se-ia, por tanto, duma proposição analítica.

Em Aristóteles não se dá uma autêntica definição de causa. Somente se diz que “Todo ser que se faz tem uma causa produtora”, (Metafísica, 1033 a), mas sem precisar em que consiste a produção que exerce a causa.

Tomás de Aquino define a causa como “aquilo ao qual segue algo necessariamente”. (I-II, q. 75, 2), que é uma proposição analítica, porque no conceito de causa já vai incluído o predicado indicado, e que não precisa da experiência para ser verificada, mas isto entra em contradição como o que afirma no texto anterior no que afirma que a causa pode existir sem o efeito, o qual significa que não seria causa, porque dela não se segue nada. Um pai que não tem filhos não é pai. Eu creio que tanto Aristóteles como Tomás de Aquino têm a propensão a conceber estaticamente a realidade e a separar as causas dos efeitos. Não existe um mundo separado das causas e outro dos efeitos, senão que existe uma série contínua de acontecimentos nos que se dá encadeamento e inter-relação de causas e efeitos na que qualquer realidade é causa e ao mesmo tempo efeito.  «a» engendra «b», e este «c»; mas também, «a» influi em «b», e «b» influi em «a», e isto acontece não só entre dous acontecimentos, senão que é uma inter-relação múltipla e multilateral.

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